Há 100 anos...
Estava na vasta biblioteca de Aurelith, cercado por prateleiras imponentes de madeira escura e pergaminhos antigos que exalavam o aroma característico de papel envelhecido e tinta desbotada. A luz bruxuleante das luminárias mágicas lançava um brilho suave sobre as mesas de estudo, onde outros alunos, igualmente concentrados — ou entediados —, dedicavam-se às pesquisas para seus trabalhos.
Era nosso último ano na Academia, e a pressão para obter boas notas pesava sobre nós como uma tempestade prestes a desabar. Eu folheava um grimório volumoso quando um suspiro dramático cortou o silêncio estudioso do ambiente.
— Ahhh! Que coisa mais chata! — exclamou Nyxa, jogando a cabeça para trás com impaciência. — Por que sempre temos que fazer esses trabalhos absurdamente entediantes? Eu detesto isso!
Levantei os olhos do livro, observando minha companheira de estudos. Seu cabelo curto e roxo contrastava com a expressão emburrada, e seus olhos de um rosa profundo faiscavam com frustração.
— Pensa pelo lado positivo… pelo menos é um trabalho em grupo — tentei animá-la com um sorriso discreto.
Ela bufou e voltou a encarar o tomo aberto à sua frente, revirando os olhos como se minha tentativa de consolo não valesse de nada. Nyxa era três anos mais velha do que eu e nunca teve muita paciência para estudar. No entanto, se formar na Academia de Aurelith não era uma escolha — era uma exigência. Desde os cinco anos, os alunos ingressavam nesse rigoroso sistema de aprendizado, e apenas aos cinquenta estavam prontos para seguir seus próprios caminhos. Um belo tempo dedicado ao estudo e ao treinamento, desde o domínio das artes de combate até o conhecimento profundo sobre o mundo além dos limites do nosso reino.
— De que adianta o trabalho ser em grupo se aqueles dois manés nunca aparecem? — resmungou Nyxa, cruzando os braços e batendo o pé no chão com impaciência.
Dei de ombros, prestes a responder, quando um som de passos apressados ecoou pelo corredor. Drakion e Aryn surgiram em meio às estantes, ofegantes, os cabelos bagunçados e as roupas desalinhadas, como se tivessem acabado de sair de um vendaval. Eles pararam à nossa frente, respirando pesadamente.
— Desculpem a demora — disse Drakion, inclinando-se levemente enquanto tentava recuperar o fôlego.
Nyxa bateu a palma da mão na mesa e arqueou uma sobrancelha.
— Vocês estão uma hora atrasados!
— Nós sabemos — admitiu Aryn, levantando as mãos em um gesto de rendição. — Pedimos mil desculpas, mas estávamos treinando com espadas e… bem, perdemos completamente a noção do tempo.
Nyxa bufou e virou o rosto, claramente não satisfeita com a explicação.
— Seus imprestáveis…
Suspirei, antecipando a discussão que certamente viria se ela continuasse nesse tom.
— Tudo bem, rapazes. O importante é que vocês vieram — disse, tentando manter a calma e evitar que o trabalho atrasasse ainda mais.
Os dois trocaram um olhar rápido antes de assentirem, parecendo aliviados por eu não ter engrossado a discussão. Sem perder mais tempo, puxaram as cadeiras e se sentaram apressadamente. Aryn acomodou-se ao lado de Nyxa, enquanto Drakion sentou ao meu lado, ainda tentando desacelerar sua respiração.
Aryn tinha cabelos de um verde escuro intenso, que lembravam a copa das árvores mais antigas de Aurelith. Seus olhos, em contraste, eram de um tom mais claro, quase como jade polido, brilhando levemente sob a iluminação suave da biblioteca. Drakion, por outro lado, exibia cabelos de um vermelho vibrante, tão intenso quanto chamas vivas, e olhos dourados que pareciam brilhar como metal reluzente. A maioria dos Elunaris possuía olhos que seguiam a tonalidade de seus cabelos ou, pelo menos, cores semelhantes, mas em casos raros — como o de Drakion — essa regra era quebrada, tornando-os ainda mais distintos.
Aryn se inclinou ligeiramente sobre a mesa, apoiando os cotovelos enquanto olhava para mim com curiosidade.
— Então… já escolheram a raça que iremos apresentar? — Perguntou, sua voz carregando um tom casual.
Fechei o livro à minha frente e respondi calmamente:
— Estamos em dúvida entre os Nivalis e os Kynaras.
Drakion soltou um suspiro e balançou a cabeça.
— Não acho uma boa ideia falar sobre eles.
Nyxa franziu o cenho e cruzou os braços.
— E por que não? — Questionou com impaciência.
Drakion ergueu uma sobrancelha e se recostou na cadeira, como se sua resposta fosse óbvia.
— São as raças mais famosinhas — explicou. — Pelo menos três grupos vão falar sobre elas. Acho que deveríamos escolher algo que não faça o professor cair no sono durante a apresentação.
— E o que sugere, senhor esperteza? — Nyxa disse, seu tom zombeteiro mais do que evidente.
Drakion permaneceu em silêncio por um momento, seus olhos dourados percorrendo os livros sobre a mesa. Ele folheou algumas páginas rapidamente, como se estivesse buscando algo específico. Depois, com um sorriso de satisfação, pegou um livro e o levantou, apresentando-o.
— Que tal esse? — Perguntou, o tom sugerindo que tinha encontrado algo realmente interessante.
Nyxa e Aryn olharam para ele com os olhos arregalados, boquiabertos com a surpresa e a incredulidade. Por um instante, o ambiente ficou em silêncio. Então, Nyxa virou o rosto com uma expressão de desdém e disparou:
— Nem pensar que vamos apresentar sobre os humanos!
Eu, porém, olhei para o livro e, pensando um pouco, disse:
— Pode ser uma boa ideia.
Nyxa me fitou com incredulidade, sua expressão carregada de espanto.
— Sério, Sylwen? — perguntou, os olhos estreitos, como se fosse impossível acreditar no que acabara de ouvir.
Encolhi os ombros, tentando parecer mais convincente.
— Acho que ninguém vai querer apresentar sobre eles…
Aryn, que até então parecia atento, interrompeu com uma risada leve e uma expressão cínica.
— E com razão — disse, balançando a cabeça em descrença. — Vocês já ouviram as histórias sobre eles, não é?
— Claro que já — disse Nyxa, visivelmente incomodada com o que ia dizer, sua voz carregada de repulsa. Ela se inclinou para frente, como se fosse contar um segredo sórdido. — Eles primeiro te oferecem abrigo e comida, para conquistar sua confiança. Depois, eles arrancam suas asas e te vendem como escravo...
A expressão de Aryn se endureceu, e ele não demorou a interromper, sua voz grave.
— Eles são gananciosos e traiçoeiros. São interesseiros e mentirosos.
Eu balancei a cabeça, tentando dissipar o clima pesado que se formava.
— Ah, qual é, gente? Não é como se a gente fosse gostar deles só porque vamos apresentar esse trabalho — disse, tentando soar mais séria. — Isso pode garantir uma boa nota.
Drakion, que até então parecia mais calmo, jogou um olhar confiante para mim.
— Concordo com a Syl — disse, sua voz firme. — Acho que é uma boa ideia.
Nyxa suspirou profundamente, visivelmente irritada, e se recostou na cadeira.
— Mas eles são tão sem graça! Não têm magia e a vida deles é tão curta... Fala sério, o que dá para fazer em cem anos de vida? No máximo, porque a maioria não chega nem aos oitenta.
Aquelas palavras ficaram suspensas no ar, uma verdade amarga sobre as diferenças entre nós e os humanos. Era uma questão interessante, de fato. O tempo de vida dos Elunaris, em comparação, era incomparavelmente maior. Vivíamos entre 800 e 1.000 anos, o que fazia a existência humana parecer quase um piscar de olhos. Mesmo assim, apesar de sua vida curta e da falta de magia, os humanos dominavam o maior território das terras de Alhures, com seus reinos vastos e prósperos.
— Aparentemente você sabe bastante sobre os humanos, Nyxa — comentei, um sorriso malicioso se formando nos meus lábios. — Acho que vai ser bom usarmos esse repertório de informações.
Nyxa bufou, e seu olhar se tornou ligeiramente exasperado.
— Ok! Ok! Vamos falar sobre os humanos chatinhos, mas isso só porque estou cansada de tanto ler e ainda não chegarmos a uma decisão.
Eu dei um pequeno sorriso, satisfeita por ela finalmente ceder.
— Então está decidido. Vamos apresentar sobre os humanos — disse Drakion, parecendo aliviado por finalmente termos chegado a um consenso.
Aryn, no entanto, parecia estar se esforçando para esconder uma pontada de nervosismo. Sua voz tremeu ligeiramente enquanto falava.
— Por um lado, até que é bom — disse, tentando parecer mais confiante. — Já que, se algum dia dermos de cara com um humano, vamos saber exatamente o que fazer.
Nyxa olhou para ele, sua expressão mais dura.
— Espero que isso nunca aconteça — afirmou, com a voz firme, como se a simples ideia fosse insuportável. — Nunca quero encontrar um humano.
Aryn, no entanto, não parecia totalmente convencido, e a pergunta que ele fez parecia mais uma provocação do que uma real dúvida.
— Mas Nyxa, sua família é coletora — disse ele, arqueando uma sobrancelha. — Não vai seguir os passos de seus pais?
Nyxa hesitou por um momento, como se as palavras que estavam prestes a sair de sua boca não fossem exatamente as que ela queria dizer. Sua voz ficou baixa, cheia de incerteza, uma suavidade rara para ela.
— Bem… não sei… talvez — respondeu, os olhos desviando para o chão.
Coletores eram Elunaris que saíam de Aurelith em busca de ingredientes raros para poções e elixires, um trabalho que exigia não apenas coragem, mas também habilidades para enfrentar os perigos do mundo exterior. Às vezes, ficavam dias fora, explorando terras desconhecidas. Para garantir a segurança, eram sempre acompanhados por um grupo de soldados, mas nem sempre todos voltavam.
— Não se preocupe, eu vou te proteger quando for um soldado! — disse Aryn, estufando o peito de maneira exagerada.
Nyxa, no entanto, ergueu uma sobrancelha, seu olhar carregado de ceticismo.
— Bem, eu estou disposto a correr o risco — disse Drakion com uma empolgação contagiante. — Quero muito explorar o mundo além dos limites de Aurelith.
— Muita coragem a sua! — comentou Nyxa, a voz cheia de sarcasmo, mas também um pouco de admiração.
Drakion olhou para mim e sua expressão suavizou.
— E se quiser explorar também, posso te proteger. — Ele sorriu, o olhar confiável e seguro.
Senti um leve sorriso se formar nos meus lábios enquanto olhava para ele.
— Agradeço, Drakion... mas eu não tenho a intenção de sair de Aurelith nunca — respondi com calma, a voz firme. — Este é meu lar, e me sinto perfeitamente feliz aqui, com todos vocês e com Orinthar!
Houve um momento de silêncio. Todos os olhos se voltaram para mim, e pude ver o orgulho brilhando em seus olhares. O apoio silencioso de cada um deles me aqueceu o coração.
Após alguns segundos, Nyxa quebrou o silêncio, com um tom mais decidido.
— Então vamos logo começar esse trabalho!
— Sim! — respondemos os três juntos, a decisão tomada.
E assim, nos afundamos nos livros, desvendando mais sobre essa raça que, ao mesmo tempo, trazia tanto medo quanto despertava minha curiosidade. A cada página virada, ficava mais claro que os humanos eram complexos, com suas próprias falhas e qualidades, e quanto mais aprendíamos, mais eu sentia que algo ainda nos escapava. E as vezes me pegava pensando, por que os humanos eram assim tão cruéis?
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Atualizado até capítulo 62
Comments
Gaby G.B.R.
mesmo assim, 45 anos estudando 😱
2025-03-25
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Gaby G.B.R.
45 anos estudando... 45 anos 😲
2025-03-25
1