Capítulo 3 - Raças

Há 100 anos...

Estava na vasta biblioteca de Aurelith, cercado por prateleiras imponentes de madeira escura e pergaminhos antigos que exalavam o aroma característico de papel envelhecido e tinta desbotada. A luz bruxuleante das luminárias mágicas lançava um brilho suave sobre as mesas de estudo, onde outros alunos, igualmente concentrados — ou entediados —, dedicavam-se às pesquisas para seus trabalhos.

    Era nosso último ano na Academia, e a pressão para obter boas notas pesava sobre nós como uma tempestade prestes a desabar. Eu folheava um grimório volumoso quando um suspiro dramático cortou o silêncio estudioso do ambiente.

    — Ahhh! Que coisa mais chata! — exclamou Nyxa, jogando a cabeça para trás com impaciência. — Por que sempre temos que fazer esses trabalhos absurdamente entediantes? Eu detesto isso!

    Levantei os olhos do livro, observando minha companheira de estudos. Seu cabelo curto e roxo contrastava com a expressão emburrada, e seus olhos de um rosa profundo faiscavam com frustração.

    — Pensa pelo lado positivo… pelo menos é um trabalho em grupo — tentei animá-la com um sorriso discreto.

    Ela bufou e voltou a encarar o tomo aberto à sua frente, revirando os olhos como se minha tentativa de consolo não valesse de nada. Nyxa era três anos mais velha do que eu e nunca teve muita paciência para estudar. No entanto, se formar na Academia de Aurelith não era uma escolha — era uma exigência. Desde os cinco anos, os alunos ingressavam nesse rigoroso sistema de aprendizado, e apenas aos cinquenta estavam prontos para seguir seus próprios caminhos. Um belo tempo dedicado ao estudo e ao treinamento, desde o domínio das artes de combate até o conhecimento profundo sobre o mundo além dos limites do nosso reino.

    — De que adianta o trabalho ser em grupo se aqueles dois manés nunca aparecem? — resmungou Nyxa, cruzando os braços e batendo o pé no chão com impaciência.

    Dei de ombros, prestes a responder, quando um som de passos apressados ecoou pelo corredor. Drakion e Aryn surgiram em meio às estantes, ofegantes, os cabelos bagunçados e as roupas desalinhadas, como se tivessem acabado de sair de um vendaval. Eles pararam à nossa frente, respirando pesadamente.

    — Desculpem a demora — disse Drakion, inclinando-se levemente enquanto tentava recuperar o fôlego.

    Nyxa bateu a palma da mão na mesa e arqueou uma sobrancelha.

    — Vocês estão uma hora atrasados!

    — Nós sabemos — admitiu Aryn, levantando as mãos em um gesto de rendição. — Pedimos mil desculpas, mas estávamos treinando com espadas e… bem, perdemos completamente a noção do tempo.

    Nyxa bufou e virou o rosto, claramente não satisfeita com a explicação.

    — Seus imprestáveis…

    Suspirei, antecipando a discussão que certamente viria se ela continuasse nesse tom.

    — Tudo bem, rapazes. O importante é que vocês vieram — disse, tentando manter a calma e evitar que o trabalho atrasasse ainda mais.

    Os dois trocaram um olhar rápido antes de assentirem, parecendo aliviados por eu não ter engrossado a discussão. Sem perder mais tempo, puxaram as cadeiras e se sentaram apressadamente. Aryn acomodou-se ao lado de Nyxa, enquanto Drakion sentou ao meu lado, ainda tentando desacelerar sua respiração.

    Aryn tinha cabelos de um verde escuro intenso, que lembravam a copa das árvores mais antigas de Aurelith. Seus olhos, em contraste, eram de um tom mais claro, quase como jade polido, brilhando levemente sob a iluminação suave da biblioteca. Drakion, por outro lado, exibia cabelos de um vermelho vibrante, tão intenso quanto chamas vivas, e olhos dourados que pareciam brilhar como metal reluzente. A maioria dos Elunaris possuía olhos que seguiam a tonalidade de seus cabelos ou, pelo menos, cores semelhantes, mas em casos raros — como o de Drakion — essa regra era quebrada, tornando-os ainda mais distintos.

    Aryn se inclinou ligeiramente sobre a mesa, apoiando os cotovelos enquanto olhava para mim com curiosidade.

    — Então… já escolheram a raça que iremos apresentar? — Perguntou, sua voz carregando um tom casual.

    Fechei o livro à minha frente e respondi calmamente:

    — Estamos em dúvida entre os Nivalis e os Kynaras.

    Drakion soltou um suspiro e balançou a cabeça.

    — Não acho uma boa ideia falar sobre eles.

    Nyxa franziu o cenho e cruzou os braços.

    — E por que não? — Questionou com impaciência.

    Drakion ergueu uma sobrancelha e se recostou na cadeira, como se sua resposta fosse óbvia.

    — São as raças mais famosinhas — explicou. — Pelo menos três grupos vão falar sobre elas. Acho que deveríamos escolher algo que não faça o professor cair no sono durante a apresentação.

    — E o que sugere, senhor esperteza? — Nyxa disse, seu tom zombeteiro mais do que evidente.

    Drakion permaneceu em silêncio por um momento, seus olhos dourados percorrendo os livros sobre a mesa. Ele folheou algumas páginas rapidamente, como se estivesse buscando algo específico. Depois, com um sorriso de satisfação, pegou um livro e o levantou, apresentando-o.

    — Que tal esse? — Perguntou, o tom sugerindo que tinha encontrado algo realmente interessante.

    Nyxa e Aryn olharam para ele com os olhos arregalados, boquiabertos com a surpresa e a incredulidade. Por um instante, o ambiente ficou em silêncio. Então, Nyxa virou o rosto com uma expressão de desdém e disparou:

    — Nem pensar que vamos apresentar sobre os humanos!

    Eu, porém, olhei para o livro e, pensando um pouco, disse:

    — Pode ser uma boa ideia.

    Nyxa me fitou com incredulidade, sua expressão carregada de espanto.

    — Sério, Sylwen? — perguntou, os olhos estreitos, como se fosse impossível acreditar no que acabara de ouvir.

    Encolhi os ombros, tentando parecer mais convincente.

    — Acho que ninguém vai querer apresentar sobre eles…

    Aryn, que até então parecia atento, interrompeu com uma risada leve e uma expressão cínica.

    — E com razão — disse, balançando a cabeça em descrença. — Vocês já ouviram as histórias sobre eles, não é?

    — Claro que já — disse Nyxa, visivelmente incomodada com o que ia dizer, sua voz carregada de repulsa. Ela se inclinou para frente, como se fosse contar um segredo sórdido. — Eles primeiro te oferecem abrigo e comida, para conquistar sua confiança. Depois, eles arrancam suas asas e te vendem como escravo...

    A expressão de Aryn se endureceu, e ele não demorou a interromper, sua voz grave.

    — Eles são gananciosos e traiçoeiros. São interesseiros e mentirosos.

    Eu balancei a cabeça, tentando dissipar o clima pesado que se formava.

    — Ah, qual é, gente? Não é como se a gente fosse gostar deles só porque vamos apresentar esse trabalho — disse, tentando soar mais séria. — Isso pode garantir uma boa nota.

    Drakion, que até então parecia mais calmo, jogou um olhar confiante para mim.

    — Concordo com a Syl — disse, sua voz firme. — Acho que é uma boa ideia.

    Nyxa suspirou profundamente, visivelmente irritada, e se recostou na cadeira.

    — Mas eles são tão sem graça! Não têm magia e a vida deles é tão curta... Fala sério, o que dá para fazer em cem anos de vida? No máximo, porque a maioria não chega nem aos oitenta.

    Aquelas palavras ficaram suspensas no ar, uma verdade amarga sobre as diferenças entre nós e os humanos. Era uma questão interessante, de fato. O tempo de vida dos Elunaris, em comparação, era incomparavelmente maior. Vivíamos entre 800 e 1.000 anos, o que fazia a existência humana parecer quase um piscar de olhos. Mesmo assim, apesar de sua vida curta e da falta de magia, os humanos dominavam o maior território das terras de Alhures, com seus reinos vastos e prósperos.

    — Aparentemente você sabe bastante sobre os humanos, Nyxa — comentei, um sorriso malicioso se formando nos meus lábios. — Acho que vai ser bom usarmos esse repertório de informações.

    Nyxa bufou, e seu olhar se tornou ligeiramente exasperado.

    — Ok! Ok! Vamos falar sobre os humanos chatinhos, mas isso só porque estou cansada de tanto ler e ainda não chegarmos a uma decisão.

    Eu dei um pequeno sorriso, satisfeita por ela finalmente ceder.

    — Então está decidido. Vamos apresentar sobre os humanos — disse Drakion, parecendo aliviado por finalmente termos chegado a um consenso.

    Aryn, no entanto, parecia estar se esforçando para esconder uma pontada de nervosismo. Sua voz tremeu ligeiramente enquanto falava.

    — Por um lado, até que é bom — disse, tentando parecer mais confiante. — Já que, se algum dia dermos de cara com um humano, vamos saber exatamente o que fazer.

    Nyxa olhou para ele, sua expressão mais dura.

    — Espero que isso nunca aconteça — afirmou, com a voz firme, como se a simples ideia fosse insuportável. — Nunca quero encontrar um humano.

    Aryn, no entanto, não parecia totalmente convencido, e a pergunta que ele fez parecia mais uma provocação do que uma real dúvida.

    — Mas Nyxa, sua família é coletora — disse ele, arqueando uma sobrancelha. — Não vai seguir os passos de seus pais?

    Nyxa hesitou por um momento, como se as palavras que estavam prestes a sair de sua boca não fossem exatamente as que ela queria dizer. Sua voz ficou baixa, cheia de incerteza, uma suavidade rara para ela.

    — Bem… não sei… talvez — respondeu, os olhos desviando para o chão.

    Coletores eram Elunaris que saíam de Aurelith em busca de ingredientes raros para poções e elixires, um trabalho que exigia não apenas coragem, mas também habilidades para enfrentar os perigos do mundo exterior. Às vezes, ficavam dias fora, explorando terras desconhecidas. Para garantir a segurança, eram sempre acompanhados por um grupo de soldados, mas nem sempre todos voltavam.

    — Não se preocupe, eu vou te proteger quando for um soldado! — disse Aryn, estufando o peito de maneira exagerada.

    Nyxa, no entanto, ergueu uma sobrancelha, seu olhar carregado de ceticismo.

    — Bem, eu estou disposto a correr o risco — disse Drakion com uma empolgação contagiante. — Quero muito explorar o mundo além dos limites de Aurelith.

    — Muita coragem a sua! — comentou Nyxa, a voz cheia de sarcasmo, mas também um pouco de admiração.

    Drakion olhou para mim e sua expressão suavizou.

    — E se quiser explorar também, posso te proteger. — Ele sorriu, o olhar confiável e seguro.

    Senti um leve sorriso se formar nos meus lábios enquanto olhava para ele.

    — Agradeço, Drakion... mas eu não tenho a intenção de sair de Aurelith nunca — respondi com calma, a voz firme. — Este é meu lar, e me sinto perfeitamente feliz aqui, com todos vocês e com Orinthar!

    Houve um momento de silêncio. Todos os olhos se voltaram para mim, e pude ver o orgulho brilhando em seus olhares. O apoio silencioso de cada um deles me aqueceu o coração.

    Após alguns segundos, Nyxa quebrou o silêncio, com um tom mais decidido.

    — Então vamos logo começar esse trabalho!

    — Sim! — respondemos os três juntos, a decisão tomada.

    E assim, nos afundamos nos livros, desvendando mais sobre essa raça que, ao mesmo tempo, trazia tanto medo quanto despertava minha curiosidade. A cada página virada, ficava mais claro que os humanos eram complexos, com suas próprias falhas e qualidades, e quanto mais aprendíamos, mais eu sentia que algo ainda nos escapava. E as vezes me pegava pensando, por que os humanos eram assim tão cruéis?

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Comments

Gaby G.B.R.

Gaby G.B.R.

mesmo assim, 45 anos estudando 😱

2025-03-25

0

Gaby G.B.R.

Gaby G.B.R.

45 anos estudando... 45 anos 😲

2025-03-25

1

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Capítulos
1 Capítulo 1 - Decadência
2 Capítulo 2 - Azul, a Cor da Confusão
3 Capítulo 3 - Raças
4 Capítulo 4 - O Estranho Gentil
5 Capítulo 5 - Medo e Esperança
6 Capítulo 6 - Sentimentos
7 Capítulo 7 - Um refúgio Inesperado
8 Capítulo 8 - Um turbilhão de Incertezas
9 Capítulo 9 - Esperança
10 Capítulo 10 - Os Jogos.
11 Capítulo 11 - Planos
12 Capítulo 12 - O Atalho
13 Capítulo 13 - Atitudes
14 Capítulo 14 - Mudanças
15 Capitulo 15 - O Confidente.
16 Capítulo 16 - O Coração de Orinthar.
17 Capítulo 17 - O Reino de Elarian
18 Capítulo 18 - Uma Nova Ajuda.
19 Capítulo 19 - Confusão e Sentimentos.
20 Capítulo 20 - Asas
21 Capítulo 21 - A Biblioteca.
22 Capítulo 22 - Irmãos
23 Capítulo 23 - Flor de Fada
24 Capítulo 24 - Problemas
25 Capítulo 25 - A Visita.
26 Capítulo 26 - Dúvidas.
27 Capítulo 27 - Inimigos
28 Capítulo 28 - Entre Asas e Muralhas.
29 Capítulo 29 - O Convite.
30 Capítulo 30 - O Baile.
31 Capítulo 31 - Expectativas
32 Capítulo 32 - O Peso da Coroa.
33 Capítulo 33 - A Ausência
34 Capítulo 34 - Uma pequena pausa
35 Capítulo 35 - Confiança
36 Capítulo 36 - Por Aurelith
37 Capítulo 37 - Suspeitas
38 Capítulo 38 - Fúria e Dor.
39 Capítulo 39 - Luto
40 Capítulo 40 - A Culpa.
41 Capítulo 41 - A Prisioneira.
42 Capítulo 42 - Consequências
43 Capítulo 43 - A Última Proposta
44 Capítulo 44 - O Preço da Arrogância
45 Capítulo 45 - Emoção e Cuidado.
46 Capítulo 46 - Recuperação e Lembranças
47 Capítulo 47 - As Primeiras Rachaduras
48 Capítulo 48- Entre algodão-doce e o Fim do Mundo
49 Capítulo 49 - Quando o Silêncio Grita
50 Capítulo 50 - Promessa na Escuridão
51 Capítulo 51 - Porque Você Ficou
52 Capítulo 52 - Entre Panquecas e Pesquisas
53 Capítulo 53 - A Arma Rúnica.
54 Capítulo 54 - Coração no Controle.
55 Capítulo 55 - Conexão
56 Capítulo 56 - Certezas.
57 Capítulo 57- Detalhes e Revelações.
58 Capítulo 58 - Momento a Dois
59 Capítulo 59 - O Pedido
60 Capítulo 60 - Entre Sonhos e Realidade
61 Capítulo 61 - Dente-de-leão.
62 Capítulo 62 - No Fio da Promessa
Capítulos

Atualizado até capítulo 62

1
Capítulo 1 - Decadência
2
Capítulo 2 - Azul, a Cor da Confusão
3
Capítulo 3 - Raças
4
Capítulo 4 - O Estranho Gentil
5
Capítulo 5 - Medo e Esperança
6
Capítulo 6 - Sentimentos
7
Capítulo 7 - Um refúgio Inesperado
8
Capítulo 8 - Um turbilhão de Incertezas
9
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23
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43
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Capítulo 46 - Recuperação e Lembranças
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Capítulo 47 - As Primeiras Rachaduras
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Capítulo 48- Entre algodão-doce e o Fim do Mundo
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Capítulo 49 - Quando o Silêncio Grita
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Capítulo 50 - Promessa na Escuridão
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Capítulo 51 - Porque Você Ficou
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Capítulo 52 - Entre Panquecas e Pesquisas
53
Capítulo 53 - A Arma Rúnica.
54
Capítulo 54 - Coração no Controle.
55
Capítulo 55 - Conexão
56
Capítulo 56 - Certezas.
57
Capítulo 57- Detalhes e Revelações.
58
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