O TEMPO QUE ME ROUBARAM

Acordo novamente.

Sem abrir os olhos, aprecio o carinho que sinto de uma mão em meu rosto, de leve. Grata depois do pesadelo assustador que tive, suspiro profundamente.

No momento em que abro os olhos, fico alarmada.

"Se acalme, por favor, se acalme se não vai desmaiar de novo." - implora o mesmo cara de antes.

Não foi um pesadelo, era real.

Quando penso em gritar novamente, vejo a sinceridade em seu olhar.

Se ele ainda não foi preso, ele não estava mentindo.

"Ela morreu de verdade, não é?”– começo a chorar.

A minha mãe, minha única família se foi.

"Sim. Sinto muito querida.” – ele diz com pesar. “Porque está voltando com essa história agora?”

“Como assim eu estou voltando com essa história?” – pergunto perplexa, ele me olha como se fosse eu estivesse fazendo drama.

Ele não tem empatia?

“Eu acabei de perder a minha mãe!” – choro ainda mais. Fazendo o estranho se afastar e me olhar surpreso.

Me sentando para me afastar ainda mais dele, pergunto descrente me direcionando ao médico que permanecia calado: “Ele também faz parte do hospital?”

Apesar de não estar de jaleco igual ao outro ou de uniforme.  E um péssimo profissionalismo, era a única razão de ele ainda estar aqui.

“Como assim? Do que você está falando Rosana" - o rapaz me pergunta, aparentando espanto.

Não me dando tempo de negar, o médico me questiona: “Rosana você conhece Theodor ?”

“Oque você querendo dizer doutor?” – me vendo confusa ao olha-lo o rapaz, que pelo que parece se chama Theodor, ele se levanta da cama, desconfiado.

Ignorando, o médico chega mais perto e me pergunta, cauteloso.

"Qual é a última coisa que se lembra Rosana?"

Para tentar me lembrar, fecho os olhos, respiro e inspiro.

E como se estivesse acontecendo naquele momento digo:

"Após o jogo do time de futebol, tive uma briga feia com minha mãe. Eu estava em aula até que minha professora de filosofia me chama..." – abro os olhos confusa.

“E o que mais Rosana?” – o médico me incentiva.

“ E nada.” – respondo quando não aparece mais nenhum Flash de memória. “Eu acordo aqui.” – limpo uma lágrima enquanto a ficha cai que será minha última lembrança dela.

Tendo uma briga com ela.

"E de mim?” – o rapaz chama minha atenção ao segurar minha mão. “Você se lembra, não é?” – ele me aparenta estar apreensivo e fico com pena ao dizer: "Não, não faço ideia de quem seja.”

“Sou eu, Theodor.” – ele diz se chegando mais até mim.

“Você apareceu aqui do nada. Você também trabalha no hospital?" – pergunto novamente.

É a resposta que mais me faz sentido.

Agora que sei que não é nenhum sequestrador.

“Como pode não se lembrar?" – ele  mal consegue dizer. “Sou seu marido.”

“Marido? Você não acha muito velho pra mim não?” – zombo mesmo sabendo não ser o momento certo. “Posso até não lembrar de muita coisa, mas nunca estaria casada com quinze anos.”

Minha mãe nem me deixava dormir fora de casa, quem dirá me casar.

Theodor fica pasmo e sem palavras me encarando, acho que não gostou de ser chamado de velho. Eu o encaro de volta, não menti.

Mas paro quando o médico interrompe o silêncio me perguntando : “Em que anos você acha que estamos Rosana?”

“2012 óbvio. Ainda estamos em Dezembro?” – pergunto confusa, por não saber por quanto tempo estava internada.

“Estamos, só que em 2023." – responde o médico com uma calma assustadora.

“Como assim? Quanto tempo fiquei desacordada? " –  me abalo com a situação.

Fiquei em coma por todo esse tempo?

“Cerca de setenta e cinco horas.” – o médico me responde prontamente ao olhar seu enorme relógio.

Tivemos um acidente então?

“E minha mãe? Já houve o entrerro?” – choro. Eu não tive tempo nem de me despedir.

Theodor segura mais forte minha mão, em forma de consolo. Mas em vez de me confortar me deixa sem chão ao dizer: “Rosana... Ela se foi já faz onze anos.”

“O que? “ – tenho dificuldades em perguntar.

Não faz o menor sentido.

“Há onze anos ela sofreu um acidente de carro, logo antes de nós nos relacionarmos." – ele repete pausadamente.

Mas ainda não consigo entender, tento ligar os fatos do que ele diz com as minhas lembranças, mas não parecem ser real suas palavras.

“Mas porque não me lembro de nada?” – olho para Theodor e logo em seguida para o médico em busca de respostas.

“Você foi atropelada em uma rodovia movimentada, possivelmente quando bateu forte a cabeça de acordo com os exames apesar de não causar nenhum dano mental. Aparentemente o inchaço do trauma cerebral, impediu o fluxo de sangue para o lobo temporal direito do cérebro, que está associado à memória.” – o médico faz uma pausa, vendo que não expressamos nenhuma reação.

Completa: “Ou seja, Rosana sofre da síndrome de amnésia.”

“Porque não me disse nada antes? “ – Theodor parece perdido.

“ Certamente eu já desconfiava, porém mesmo após muitos estudos relacionados ao nosso cérebro, ele ainda é uma incógnita.”– o médico suspira. “ Rosana poderia acordar sem nenhum trauma, acordar e não se lembrar do próprio nome, ou como até agora que pelo estabeleci, haver um ponto de corte óbvio na memória. Só ela acordando para ter certeza.”

“E quanto tempo vou ficar assim, demora pra recuperar?” – pergunto me preocupando.

“A parte de seu cérebro que armazena certas lembranças sofreu um trauma. Nossa habilidade de acessar lembranças é muito complexa mesmo sem desvantagem do trauma cerebral.”

“Oque está querendo dizer com isso doutor?” – Theodor pergunta com a testa franzida.

“Ela perdeu onze de sua vida, e só o tempo pra dizer quando a memória de sua esposa voltará. E se vai voltar. "

“Como e se? Esse é o meu tempo com ela.” – Theodor se vira de frente para o médico.  “ Ela não se lembra nem da filha de dez anos.”

“ Sinto muito, Theodor.” – o médico coloca a mão em seu ombro.

Oque?

“Temos uma filha?” – pergunto perdendo o  fôlego.

Meu Deus! Como se não bastasse eu acordar casada sem me lembrar dos meus últimos onze anos, eu ainda tenho uma filha?

"Vamos conversar na minha sala e deixar sua esposa descansar, ela acabou de acordar de um coma e já passou por estresse demais." - o médico aconselha Theodor.

Descansar? Só pode ser brincadeira!

“ A minha vida está toda revirada e é para mim descansar? Não mesmo!" - retiro as cobertas de minhas pernas, decidida.

"Te espero na minha sala Theodor." - o médico saiu da sala, mas não sem antes de olhar como se dissesse 'de um jeito nela'.

"Que imbecil!" - reviro os olhos, tentando sair da cama. Ainda me sentindo fraca.

"Também acho melhor você descansar."- Theodor me detém.

"Não estou nem aí o que você acha ou deixa de achar. Se pensa que vou ficar aqui sem saber oque esta acontecendo e deixar você tomar conta da minha vida. Não me conhece."

"Eu a conheço sim. Seu nome agora é Rosana Alves Valentino tem vinte e seis anos, minha mulher. Mãe da nossa filha Lunna Alves Valentino. A minha mulher que eu amo." - ele penetra minha alma com suas palavras desconcertantes .

"Mas..." - até que tento relutar, porém não encontro palavras.

"Fique." - ele me pede. "Não tem mais alguém neste mundo, que quer esta bagunça resolvida e sua família de volta como eu."

"Está bem." - aceito sem ao menos pensar.

Não era o meu normal, mas havia ficado sem jeito.

Sendo assim, ele me ajuda a me deitar, beija minha testa e sai.

Fico alguns minutos olhando para porta até conseguir voltar a dormir.

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