— Um pouco — falei com um sorriso. — Eu gosto de Guardiões.
— Quem não gosta? Meu pai diz que é um trabalho muito perigoso.
— Seu pai não está errado. Você viu no vídeo. É algo muito perigoso e ninguém se torna um Guardião porque quer.
— Não? — Ela tombou a cabeça para o lado. — E como é, então?
— Eu não tenho certeza… — falei — Sempre achei que precisasse ser escolhido.
— Escolhido? Tipo, escolhido por Deus?
— Algo do tipo. Mas eu não tenho mais certeza se é assim.
— Por quê?
— Porque muita gente ruim é escolhida para ser Guardião — menti.
Não adiantava ficar explanando certas coisas para uma garota tão nova, além disso, eu precisaria dar detalhes que não convinha. Ninguém precisava saber que eu era um Guardião. Nunca vi um caso de um guardião surgir tão jovem e eu não colocaria minha cara a tapa.
— Qual o seu nome mesmo? — perguntei.
— O que foi isso? — Ela pareceu um pouco ofendida. — Você esqueceu meu nome, Arhur? Que cruel!
— Eu levei uma pancada mais cedo no orfanato. Minha mente ainda está confusa.
— Você deveria tomar mais cuidado… — ela disse bufando — Barbara. Meu nome é Barbara…
— Muito bem, Barbara — falei com um sorriso sem graça. — Você, pelo visto, quer ser uma Guardiã.
— Quero.
— Não tem como garantir que você vai se tornar uma. Mas você pode, pelo menos, treinar para caso aconteça.
— Treinar? — ele perguntou confusa.
— Guardiões são pessoas sobre-humanas, mas ter um corpo preparado vai certamente te facilitar muito no início.
— Como eu deveria treinar, então? — ela perguntou com brilho nos olhos.
— Eu não acho que a gente tenha idade pra ir para uma academia. Mas acho que, pelo menos, correr já ajudaria.
Quando falei, ela apareceu desanimar um pouco e eu apenas sorri. Sabia muito bem o que se passava em sua mente. Treinar não era algo que mesmo os adultos gostavam de fazer, mas se ela queria seguir a vida de um Guardião, isso era o mínimo.
— Aprender alguma arte marcial também ajudaria — falei.
— Vou pensar sobre isso.
Conversamos mais um pouco e o sinal que indicava o fim do intervalo logo tocou.
O resto da tarde se passou muito tranquila. Uma aula de português e outra de literatura, com a mesma professora, uma mulher muito bonita e centrada no trabalho. Senti o ar cortando umas duas vezes quando um aluno se insinuou para cima dela, e sua resposta foi bem seca e direta ao ponto. Adolescentes, principalmente os homens, são assim: com os hormônios à flor da pele, parecem um bando de animais que precisam saciar sua vontade primal. Pelo menos, acredito que as garotas não são tão entregues a essas vontades quanto os garotos, mas talvez seja mais pressão da sociedade que qualquer outra coisa… Quem sabe?
Quando a aula terminou, esperei todos irem embora para seguir novamente até a quadra. Marcos falou que seria hoje à tarde, resolvi esperar um pouco e ver o que aconteceria; e para a minha surpresa, já havia um senhor sentado nas arquibancadas. Ele estava segurando um chapéu inteiro de palha, tinha a pele escura como a minha, muito mais escura falando a verdade. Parecia que tinha até um tom “original” nela. Seus cabelos brancos me remetiam a pedacinhos de flocos de neve que caem do céu; era um contraste lindo. Seus olhos eram serenos, porém, de algum modo, conseguia penetrar fundo na alma. Eram como uma tempestade, intimidadora, mas de algum modo causavam certa paz quando se fixavam em você.
O homem estava um pouco curvado sobre si, rugas denunciavam sua idade; poderia até dizer que parecia um “bisavô”. Quando entrei na quadra, seus olhos riscaram o ar rapidamente em minha direção, foi ali que eu tive a certeza do que havia sentido quando vi seu olhar ao longe. O senhor abriu um sorriso no mesmo momento.
— Olá, garotinho! — disse ele com um sorriso no timbre.
— Olá, senhor — falei me aproximando.
— Veio para a roda?
— Roda? — perguntei, confuso.
Com um suspiro cansado, ele olhou para mim cheio de ternura. Sua postura e sua voz mostraram que viveu uma vida longa e cansativa.
— Haverá uma roda de capoeira daqui a pouco. Veio para participar?
— Sim! — respondi. — Isso mesmo.
O semblante do idoso iluminou-se como o de uma criança quando respondi, e, novamente, o olhar sereno, jovem e feliz se direcionou a mim.
— Isso é ótimo! Você, meu “fio”, tem um ótimo físico para isso.
— Eu tenho?
— Tem sim. Você vai se dar muito bem com a capoeira, menino.
Ouvi o som dos portões da quadra abrindo e notei quando Marcos entrou com outras pessoas. Empolgado, me virei dizendo “O professor chegou. Você…”, mas aquele senhor já não estava mais ali. Um arrepio percorreu todo meu corpo, até a espinha. “O que diabos foi isso?” Eu tinha visto um espírito? Meu corpo tremeu, e virei para o professor que foi chegando mais para o centro da quadra.
— Espero que não tenha gazeado aula — Marcos disse com uma risada.
— Eu ia ficar quase uma hora sem fazer nada aqui?! — falei, tentando manter minha voz mais natural possível.
O professor olhou para mim por um momento e virou-se para falar com o homem ao seu lado. Ele voltou a atenção para mim e aproximou-se com uma expressão confusa. Parecia um pouco preocupado, tocou meu ombro com a mão direita, apertando um pouco para prender minha atenção a ele.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não sei se você iria acreditar em mim… — falei com um sussurro.
— É mesmo? — Ele abriu um sorriso. — Me diga.
— Eu… — Hesitei por um momento. — Tinha um velho aqui antes de você entrar.
— Um velho?
— É. — Apontei para as arquibancadas. — Tinha um velhinho sentado bem ali. Ele era... um velho negro, tinha um sorriso lindo, mas esse jeitão meio sobrenatural de olhar.
— E o que ele falou? — o professor perguntou, olhando para onde tinha apontado.
— Que eu tenho um ótimo físico para a capoeira.
Marcos ficou calado por um momento, enquanto olhava sério para mim, mas logo seu rosto iluminou-se em um sorriso.
— E pensar que você viu um Preto Velho. — Marcos deu uma risada. — Bem aqui, na escola.
— Um o quê? — Levantei a sobrancelha.
— É uma entidade, alguém que oferece conselhos — Marcos respondeu. — Se você viu um, então é muito bom para você e bem impressionante para falar a verdade.
— Impressionante?
— Sim, mesmo quem acredita e segue o candomblé não vê as entidades assim tão naturalmente. Se você viu então você é um cara bem especial.
Era bom ouvir que eu era especial, mas fiquei com dúvidas sobre isso, nunca ouvi falar de algo assim. Já vi todo tipo de coisas. Aranhas gigantes, escorpiões do tamanho de um carro, ursos que podiam rasgar aço como papel, mas espíritos? Espíritos eram definitivamente algo assustador para mim. Marcos deu um tapa no meu ombro parecendo querer me tranquilizar. Devia ter deixado transparecer minha preocupação com o assunto.
— Está tudo bem, Pretos Velhos são conselheiros, amigos e companheiros. Se ele apareceu para você, é porque sabia que você estava precisando ou vai precisar de sua ajuda.
— Se é assim, por que ele não aparece para todos? Nunca vi alguém falando que viu uma entidade dessas quando precisava de ajuda.
— Essas entidades só aparecem para quem tem a espiritualidade muito forte. Normalmente, elas abençoam a todos, mas ver tão fisicamente como você… Isso, apenas pessoas especiais podem ver.
— Tipo, xamãs?
— Tem vários nomes. Cada religião tenho o seu, mas, no geral, é isso aí mesmo.
Com o canto dos olhos, abri minha janela de Estatísticas para dar uma boa olhada nos meus números. Minhas estatísticas de "Mente" e "Intuição" eram melhores que as demais, provavelmente.
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Atualizado até capítulo 27
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