A morte estava chegando novamente para o seu frio abraço e mais uma vez eu estava incapaz de lutar. Apertei meus dentes com força enquanto pensava na minha fraqueza, outra vez eu deixaria tudo escorrer pelos meus dedos enquanto todos morreriam devido a minha incapacidade? Por quê? Por que eu sou tão fraco e incapaz de lutar como os outros Guardiões?
Aqueles pensamentos obscuros continuavam crescendo descontrolados em minha mente enquanto a luta se arrastava. Minhas espadas quebraram nas mãos e fui forçado a usar meus punhos. Minha armadura não era das melhores, mas as manoplas eram boas o bastante para não despedaçar com alguns socos. Não havia mais nada para usar dentro da bolsa dimensional minúscula que eu tinha, maldita hora para ser pobre.
Entre socos e chutes eu podia sentir meu corpo voltado a se acostumar com aqueles movimentos. Quantos anos fazia que eu não brigava usando o meu corpo como arma? Lembrei de algumas coisas desagradáveis da época que vive naquele orfanato maldito, no lugar de brigar eu era saco de pancadas daqueles moleques.
Continuei desviando e batendo contra a couraça dura daquele escorpião. Com um impulso pulei para frente colocando toda a força em minhas pernas e bati com o joelho quebrando um pouco daquela casca de queratina. O animal chiou de dor e ódio, mas eu continuei batendo enquanto seu corpo tremia e suas pinças tentavam inutilmente me afastar. A criatura tremeu mais uma vez e então suas pernas perderam a força caindo para sua morte. Respirei aliviado, mas antes que eu pudesse recuperar o folego, mesmo que apenas um pouco, senti uma presença atrás de mim.
Pulei para frente tentando me afastar enquanto virava para assumir a defesa, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa senti meu braço esquerdo despregar do lugar. Vi o meu braço voar para longe enquanto o sangue vertia como uma cachoeira. Apertei os dentes para tentar segurar a dor e a mente fria, se esses escorpiões desgraçados não me matassem o sangramento o faria. O sangue que ainda restava dentro de meu corpo ferveu, provavelmente por conta da adrenalina. Ainda que eu sentisse que meus membros fossem sumindo eu continuava desviando, meu corpo parecia agir sozinho, por instinto. Se eu fosse mais forte, teria escapado sem dificuldades, mas até nisso falhei. Minha raiva só crescia enquanto minha mente se anuviava, mas pelo menos lembrei do que realmente importava.
— Ikki, fuja – Rugi com todo o ódio que eu continha em meu coração.
Eu já não conseguia enxergar muito bem. Meus olhos pareciam cheios de sangue, pois tudo o que eu via era uma pintura avermelhada a minha frente. Saltei para um escorpião e com o braço que ainda tinha colado ao meu corpo distribui alguns socos. Não estava mais sentindo dor e já não escutava mais nada. Tudo o que eu via eram pedaços de algo voando e um líquido escuro escorrendo pela cabeça da criatura debaixo de mim.
Enquanto batia sentia o equilibro acabar e saltei para o lado quando um pesado golpe me acertou nas costelas. Senti a metade debaixo de meu corpo vacilar e agora estava caído ao chão, minhas pernas fraquejaram? Respirar sempre foi tão difícil assim? Ainda com dificuldades meu corpo foi forçado a obedecer e levantou-se novamente.
A minha frente eu podia ver a Princesa qualquer coisa gesticulando e aproximando-se de mim lentamente, mas parando quando uma pequena figura negra pulou entre nós dois. Meus olhos estavam voltando ao normal e pude notar Ikki parado na minha frente.
— Ei, seu merda – ele rosnou – só porque...
Eu não conseguia ouvir direito o que Ikki dizia, sua voz era abafada e distante. Meu corpo reagiu sozinho abaixando-se bem em tempo de desviar de um ataque da rainha coisinha a minha frente. Minhas pernas ainda tremiam, mas eu podia perceber que me movia para cima dela com toda velocidade. Algo estava em minha mão quando saltei me prendendo em seu dorso. Parecia um espectador assistindo toda aquela cena dentro de meu próprio corpo.
Minha mente queria fazer e meu corpo reagia por instinto. Bati uma vez, depois outra e mais uma e a cada pancada eu ouvia os protestos cheios de ódio daquela rainha bestial. Ela tentava agarrar e me arrancar ali a força, mas um segundo antes de ser pego eu desviaria e me colocaria em outro lugar. A arma que estava em minha mão quebrou e pude ver o que estava segurando finalmente, meu braço decepado. Olhei surpreso para o braço completamente destruído que joguei para trás e então pulei para longe da rainha enquanto minhas pernas não conseguiam mais segurar o peso do próprio corpo. Desabei e Ikki pulou na minha frente desviando um ataque de um dos escorpiões.
— Ei, você ficou maluco? - Ikki rosnou.
— O-o quê? - eu falei, minha voz vacilando pelo cansaço.
— Aquilo foi muito foda, seu merda - Ikki disse com um sorriso largo - eu sabia que você era forte, mas aquilo foi foda.
Eu não conseguia ouvir direito, meu corpo estava exausto e completamente dolorido, parecia que meus músculos estavam rasgando. Meus olhos então passaram pelo campo de batalhas e ali estavam pilhas de escorpiões, havia mais deles? Minha mente ia e vinha, como se estivesse querendo apagar, não consigo dizer quantos tem ali, mas o chão que antes era terra seca parecia feito de lama.
— Ikki, o que aconteceu aqui? - eu falei cansado.
— Como o quê? - Ikki riu - Você...
Ikki foi interrompido por um ataque pesado de um escorpião. Ele suportou todo o golpe com seus braços pequenos e quase afundou na lama. Ele urrou de ódio e atacou dilacerando a carapaça daquela coisa. A rainha ainda parecia atordoada enquanto olhava para mim, eu podia ver seu ódio por trás dos olhos trêmulos, mas algo a impedia de continuar dando ordens.
Lutava para ficar de pé, percebendo que minha força anterior havia se esgotado. Meu corpo estava exausto e exigindo uma folga. "Péssimo lugar para querer parar, parceiro", eu pensei e olhei para a rainha que parecia ter percebido que a selvageria me abandonara.
— Merda – falei cheio de dores.
Senti mais uma vez minha mente querendo apagar e por um instante eu quase cai de cara contra a lama, mas ainda havia um pouco de resistência em minhas pernas.
— Só um pouco mais, eu vou... – antes que ele pudesse terminar de falar algo foi disparado contra mim. Ouvi quando Ikki gritou algo e seu corpo pequeno se colocou na frente do meu, mas não mudou nada.
Pude sentir algo varando o corpo de Ikki e o meu. Aquela maldita havia arremessado a espada. A força foi tamanha que atravessamos algumas árvores antes de batermos e ficarmos cravados contra o chão. A espada era pesada demais, não conseguia puxar ela para fora mesmo que colocasse toda a força que me restava. Ikki ainda estava vivo, mas pelo tamanho do buraco em seu corpo pequeno não havia escapatória para ele. E pensar que é assim que vamos morrer...
— Que humilhante – falamos e quando percebemos que estávamos pensando a mesma coisa, rimos.
A Princesa aproximou-se puxando a espada. Ela olhava para nós dois com um sorriso sádico, mas ficou ali parada sem fazer nada. Nosso sangue se acumulava criando aquela piscina macabra. Ikki levantou-se e eu segui seu exemplo. Era um milagre que ainda pudéssemos ficar de pé. Eu sei, falei que Guardiões eram difíceis de matar, mas eu mesmo estou surpreso com o quanto estava aguentando naquele dia. Ikki tremia e baixou levemente o corpo enquanto os pelos de seu corpo foram arrepiando e um urro cheio de poder ecoou mata adentro. Senti aquela onda me encher de poder, mas do que vale uma perola dada aos porcos e um melhoramento para um homem já morto?
Meu coração batia rápido mais uma vez e junto com meu Djin saltamos para um último ataque desesperado. Se vamos morrer, vamos morrer com alguma classe. Não lembro de mais nada depois daqui. Minha cabeça não se mexe como eu quero e tudo o que estou vendo agora é um céu avermelhado. A noite estava chegando e eu podia sentir o beijo gelado de sua última brisa. Não conseguia perceber meus braços ou minhas pernas, céus, eu não conseguia sentir mais nada.
— Merda, eu queria ser um pouco mais forte – disse rouco.
— Se houver uma próxima vida – ouvi a voz fraca de Ikki – talvez se não for tão covarde você possa ser mais forte.
— Haha – tossi sem graça – você tem razão. Desculpe por tudo, filho.
— Meh, você se saiu bem ali – Ikki falou – eu vou dormir um pouco, estou com sono.
— É – falei, meus olhos ficando pesados – irei dormir também. Boa noite, Ikki.
Não houve resposta.
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Atualizado até capítulo 27
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