Desespero

A criatura parecia um escorpião ainda maior que todos os outros, mas acima da cabeça daquele ser estava o dorso de uma mulher de longos cabelos flamejantes. Seu corpo pálido pintado com as gotas do sangue da humana que acabara de matar e na mão esquerda uma gigantesca espada que eu teria dificuldades de balançar com as duas mãos. Olhei para ela, nunca tinha visto nada parecido antes e acima da cabeça dela havia um nome: Princesa das Chamas – Gwendolin. Um monstro nomeado fora de uma masmorra? Não, isso devia ser um erro, uma criatura dessas não poderia sair, se isso escapasse para uma cidade seria muito pior que uma onda de monstros.

— Mestra! – o pequeno urso gritou desesperado correndo para o corpo dilacerado de sua falecida dona.

O pequeno Djin correu para o lado do corpo partido ao meio da sua falecida mestra. Seu corpo tremia e ele choramingava lamentando a morte daquela Guardiã. Seu sofrimento parecia o deixar cego ante a situação que nos encontrávamos. Gwendolin balançou a espada em direção aquele Djin, se aquela espada havia partido um humano ao meio, o Djin seria transformado em pó instantaneamente.

Coloquei-me entre o Djin e o ataque. Uma de minhas espadas desapareceu dando lugar a um escudo. Meu corpo inteiro tremeu quando fui atingido, minhas pernas quase não suportando o peso daquele golpe poderoso. No mesmo instante todo o meu corpo ficou dormente, pude ouvir o som estalado e esquisito que meu escudo fez, parecia a ponto de se transformar em pó.

Aquele golpe me fez dar vários passos para trás, não havia força o bastante em meu ser para resistir àquela pressão. A Princesa balançou o braço novamente contra o Djin e mais uma vez eu me movi, mas não fui rápido o bastante para desviar totalmente. Um profundo corte percorreu o meio de minhas costas e me fez gemer de dor. Apertei os dentes para não gritar e reunir forças para desviar de um outro ataque que veio em minha direção.

— O que está fazendo, Mestre!? – Ikki perguntou irritado.

— Eu não vou deixar um Djin morrer seu posso impedir – respondi com alguma dificuldade.

Enquanto falávamos, notei assim que Gwendolin trocou a arma de mão. De sua mão direita um turbilhão de chamas formou-se e com um balanço longo e perigoso aquele revoar de chamar escarlates foi jogado contra nós. Não era como um ataque de fogo, era mais como um poste de chamas maciço disparado. Coloquei rapidamente o escudo entre meu peito e aquela estaca flamejante. Saltei para trás tentando amortecer o impacto, mas eu ainda senti como se meu braço fosse partido em dois.

Ele estava um pouco velho, mas era ótimo escudo, ainda que eu não soubesse se iria aguentar um golpe como aquele. Além de reduzir bastante o dando recebido por conta do seu bônus de bloqueio ele aumentava ainda mais minhas reações quando seu buff ativava.

Quando o golpe me empurrou para trás aquele escudo fez todo o trabalho de aguentar o impacto, sem ele meu corpo agora estaria atravessado por um pilar de chamas. Mesmo sendo o melhor que eu tinha só parecia o bastante para segurar um dos ataques dela. Senti então quando o escudo trincou e recebi a mensagem flutuante.

“Escudo quebrado”. - é, não brinca.

Ainda que itens dropados em masmorra fossem mais fracos, não esperava que toda a durabilidade dele fosse para o saco em um único ataque. Quando a Princesa deu o segundo golpe com aquele poste gigante que chamava de espada tive que jogar o escudo fora como sacrifício ou eu que seria cortado em dois. A tampa de lixo que uma vez foi um escudo estilhaçou no meu braço e voei alguns metros para trás.

Assim que parei percebi quando aquele Chefe disse e apontou para mim em um piscar de olhos uma manada de escorpiões correram em minha direção.

— Essas criaturas estão seguindo as ordens daquilo? – ouvi Ikki falando do meu lado e apenas confirmei com a cabeça.

Estava muito preocupado com o pequenino em meus braços. Ele se debatia tentando desvencilhar-se do meu braço. Sabia que ele estava tentando alcançar o corpo de sua mestra. Ele ainda não parecia ter aceitado que sua dona morreu. Pobre criatura, imagino o quão difícil deve ser.

Precisava tirar ele dali então com um movimento joguei ele para o lado o mais longe que podia. Aquilo, porém, degringolou de uma forma completamente inesperada; eu esperava, com aquele ato, estar salvando o pequeno Djin, mas eu o joguei para dentro de uma situação ainda pior. Saindo de dentro das sombras, quase como se já estivessem esperando pela oportunidade três escorpiões gigantes saltaram. A pobre criatura não teve tempo de fugir, ela caiu e logo os ferrões dispararam contra seu corpo indefeso.

Ikki viu aquela cena acontecer com o canto dos olhos e logo trocamos olhares. Meu rosto deveria entregar tudo, mas eu não sabia o que eu deveria estar sentindo naquele momento. Medo, culpa ou desespero? Isso não importava agora; aquela pobre e indefesa criatura estava morta, toda aquela situação era responsabilidade minha; foi minha decisão de afastá-la, foi minha falha não a manter perto de mim. Mais uma vez as minhas escolhas idiotas tinham causado a morte de alguém inocente, mais uma vez as minhas escolhas destruíram uma vida.

Naquela breve troca de olhar Ikki sabia do turbilhão que estava passando em minha cabeça, minha falta de foco naquele momento acabaria matando nós dois e sabendo disso ele resolveu agir. Seu pequeno punho disparou como uma bala de cachão atingindo meu estomago tirando todo o meu ar. Aquela dor me fez esquecer momentaneamente aquele problema.

— Vai me ajudar a esmagar todos esses vermes bombados, ou vai morrer e me arrastar junto, seu merda!? – Ikki gritou para mim balançando-me pela armadura.

Segurei o choro e agarrei meu pequeno companheiro rolando para o lado desviando de um golpe daquela pesada espada. Aquele foi o provável momento que saltei para a morte certa e aqui estou eu me afogando no próprio sangue. Minha mente se afoga em pensamentos obscuros e meu coração afunda no pouco sangue que ainda há dentro de mim.

Aquela batalha foi algo incrível, claro que lembrar dela e gostar me faz sentir quase como um masoquista, mas o que eu poderia dizer, além disso; aquela foi uma luta incrível. Não havia nenhuma possibilidade de vitória, não importava o quanto eu analisasse a situação. Ikki falara a verdade, aquele monstro Nomeado realmente parecia controlar todos os escorpiões a sua volta. Fico me perguntando como diabos um monstro assim surgiu. Já não basta todo o problema que nós passamos? Os monstros tinham comportamentos e táticas de batalha quase humanos, atacavam em conjunto, distraiam, protegiam. Utilizavam brechas deixadas pelos escorpiões, flanqueavam e rotacionavam, distribuindo o dano entre os feridos e os intocados. Era como lutar contra um batalhão muito especializado em lutas de grupo.

Recuamos enquanto nossa luta pela vida prosseguia intensa. Sempre de costas um para o outro, protegendo os pontos vulneráveis. Ikki desviava dos ataques daqueles escorpiões com suas garras e eu usava as armas que ainda tinha e minha armadura para me defender.

Meus equipamentos representavam perfeitamente minha fraqueza como Guardião. Aqueles eram itens largados por monstros que encontrava durante minhas caçadas. Os Djins que eu tinha comigo até podiam fabricar armaduras e outros equipamentos para mim se eu tivesse os materiais necessários. Esse era o problema, no entanto, ter os materiais necessários.

A empresa que trabalho deveria ficar com tudo, mas como eu precisava me equipar as vezes o chefe do departamento o qual trabalhava me deixava ter as sobras, ou seja, todo o lixo que não tinha tanta utilidade. Aquelas armas e armaduras estavam muito distantes em relação as que eram refinadas por Djins artesões. Não podia culpar outro senão a minha própria fraqueza por não conseguir equipamentos melhores. Claro, o preço desses equipamentos inflacionou muito nos últimos anos, mas quem poderia prever isso?

Enquanto a batalha continuava eu me sentia como uma presa, apenas recuando e evitando golpes fatais. Aguentar 3 golpes era demais para aquelas armas frágeis, eventualmente fiquei apenas com uma espada já completamente estragada que não seria melhor que um porrete e uma armadura cheia de buracos.

— Os ataques desses bichos são previsíveis – Ikki falou – esses merdas atacam com a pinça para distrair e atacar com aquele rabo maldito.

— Ok capitão obvio - falei com raiva - agora como a gente sai disso?

Ikki tinha um senso de batalha melhor que o meu, não era apenas um Djin bonito e estiloso. Por ter sobrevivido tanto tempo sozinho ele podia ser muito confiável quando se tratava de lutar. Ikki me ensinou muito, muito mais do que qualquer outra pessoa O que eu poderia ter ensinado a ele afinal? Nunca fiz nada de realmente grandioso. Sempre fui um merdinha que fui cuidado pelos outros e não fiz nada quando aqueles que eu amava precisavam de mim. Suas mortes só me deixaram ainda mais certo do quanto eu era lamentável.

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