Exagero

— Isso deve ser o bastante… – ele falou enquanto olhava para a quadra.

Ele usava uma regatafina, dava para ver os seus músculos bem desenvolvidos dos braços e das coxas, ele usava aqueles shorts de futsal. O típico professor de academia viciado em treinamento.

— Professor Marcos, é verdade que o senhor vai dar uma aula de artes marciais? – perguntei.

— Não – ele respondeu – Já fiz uma turma já tem um mês. A prefeitura só me liberou a usar a quadra. Você está interessado?

— Estou – falei – Mas eu não tenho dinheiro… É muito caro?

Ele olhava para mim pensativo. Não acho que a gente se conhecia de algum lugar, então provavelmente ele não sabia que eu era do orfanato. Fiquei constrangido com sua demora para responder, quase dizendo que estava tudo bem. Eu era um órfão, afinal, não tinha como eu ter dinheiro para pagar uma mensalidade.

— Você não é de um orfanato aqui perto? – ele perguntou – Você precisaria de uma autorização do responsável.

— Ah, eu posso tentar conseguir uma. – falei.

— As aulas são gratuitas, porque é a prefeitura que está custeando – ele disse com uma risada – Você pode ficar depois das aulas?

— Posso – falei – Por quê?

— A turma é depois das aulas – o professor falou – 5:30, para dar tempo arrumar tudo.

— Eu posso voltar a pé para o orfanato – falei – Não é como se fosse muito longe.

— Certo, mas consiga a autorização! – ele dizia.

— Aham – balancei a cabeça com um sorriso.

Logo que os outros alunos foram começando a chegar, o professor mandou todos se sentarem no centro da quadra.

— Boa tarde, turma! – o professor disse chegando mais para a frente dos alunos – Nós temos dois tempos hoje, então vamos pesar um pouquinho mais. Vou liberar vocês mais cedo para tomarem um banho depois da aula. Ninguém quer ir fedendo para a próxima aula, certo?

A turma inteira gemeu de desgosto, enquanto ouvia o professor falar.

— Os meninos podem tirar a camisa – o professor disse – E as meninas, espero que tenham trazido uma blusa extra como eu falei na última aula.

Fiquei um pouco receoso de tirar a camisa; meus hematomas seriam expostos se fizesse aquilo, mas era melhor do que vestir uma roupa fedendo pelo resto da tarde. Puxei a camisa, e para a minha sorte, a benção fez um verdadeiro milagre, não havia mais nenhuma marca no meu corpo, nem mesmo as antigas cicatrizes que vi mais cedo estavam ali. Minha pele brilhava, quase como a pele de um bebê. “Droga, eu fiquei mais novo?”, aquelas capacidades regenerativas estavam começando a me assustar. Será que ela funcionária com cansaço também?

— Só tem um jeito de descobrir! – falei.

Coloquei meus chinelos em um canto da quadra e dobrei a camisa sobre eles para não sujar. Fiz questão de ficar longe das pessoas para que nenhum engraçadinho pegasse minha farda.

— Prontos? – perguntou o professor, conferindo os alunos – É um percurso simples. Vocês vão dar 20 voltas na quadra, seguindo a linha branca e desviando dos cones.

Pude ouvir alguns resmungos enquanto o professor falava, mas ele parecia muito acostumado com isso e não chegou nem a deixar transparecer em sua face o incômodo.

— Nem é muita coisa! – ele disse com uma risada – Vocês correm muito mais durante os intervalos que eu sei. Vamos correr um pouquinho.

Ele disse começando a correr em um ritmo lento ao redor da quadra. Fui logo em seguida e pude ouvir as reclamações gemidas dos alunos atrás de mim. Alguns corriam mantendo um ritmo parecido, mas outros pareciam lentos de propósito. Mantive e fiquei bem atrás do professor, colocando bastante esforço. Podia sentir meus músculos esquentarem enquanto corria e minhas costas formigando. Uma sensação típica de quem não se exercita com frequência; o sangue começa a circular mais intensamente por lugares que teria pouco fluxo e assim os músculos "acordam". Pelo menos foi o que sempre me disseram.

Depois de quase 5 voltas, meu corpo inteiro já latejava implorando para parar.

— Droga de corpo molenga! – pensei enquanto corria ofegante.

Enquanto eu corria, percebi que mesmo com o meu corpo reclamando, eu ainda poderia me forçar um pouco mais. Apertei os dentes com força e engoli a dor dos músculos, forçando mais um pouco a corrida. Acabei passando o professor e a cada passo ia aumentando a velocidade.

— Woah! – o professor pareceu surpreso – Ei, não exagere!

Eu o ignorei a princípio e continuei correndo com força total. Cada passo fazia meus músculos gritarem para parar. Meu corpo não estava acostumado com toda aquela velocidade e definitivamente eu me arrependeria em alguns minutos. O professor até tentou diminuir a distância entre nós enquanto gritava para eu me acalmar, mas continuei empurrando o máximo que podia.

Correr com tanta vontade dava uma sensação diferente. O vento no rosto era bom, mas os músculos gritando de desespero era definitivamente algo que não dava para suportar por muito tempo. Meus pés maus tocavam no chão e devido a velocidade, era difícil passar pelos cones da forma correta. Diminui a velocidade um pouco para desviar da forma devida. Pulei para o lado com facilidade e assim ia voltando a colocar intensidade na corrida.

— Menino, você vai desmaiar assim! – o professor gritou quando passei por ele.

— Só mais um pouco! - falei ofegante.

Continuei com aquele ritmo intenso pelo resto das voltas e quando dei a última, parei imediatamente. O mundo estava ficando escuro e a cabeça começava a girar. Parecia que eu acabara de sair da chuva, mas estava calor demais para ser isso. Meu corpo estava completamente banhado de suor. Ainda consegui dar alguns passos para perto de onde coloquei minha farda, mas senti quando uma mão pesada me puxou pelo ombro.

— Você ficou maluco?! – o professor parecia irritado.

— Eu... – falei ofegante – Converso daqui a pouco.

Isso foi a última coisa que lembro antes de o mundo apagar-se diante dos meus olhos. Acordei alguns minutos depois com o professor fazendo uma explicação sobre a aula.

— Capoeira é uma arte marcial brasileira – ele falou – Foi recriada pelos escravos quando os mesmos foram arrancados à força de sua terra ancestral e traficados para as Américas.

— Professor – um garoto interrompeu – Mas capoeira não é uma dança?

— A dança e a musicalidade fazem parte da capoeira – o professor falou – Os antigos usavam a música para disfarçar que estavam praticando uma luta, mas ela vem das raízes africanas. Cantar e dançar fazem parte da cultura que se misturou.

— Houve uma época que a capoeira era vista como crime de vadiagem – o professor continuou – Nessa época, as rodas eram clandestinas e havia uma música para quando a polícia chegasse. Isso avisava aos copeiras a hora de fugir.

Com o berimbau, o professor mostrou rapidamente o toque. Era um toque lendo que imediatamente se tornava cheio de urgência.

— Quando a capoeira deixou de ser crime? – um aluno perguntou.

— Na época, um Marechal do exército, depois de um golpe militar, passou uma Lei que fazia a capoeira ser crime – Marcos falou – Foi só quando o Mestre Bimba apresentou à Getúlio Vargas em 1930, mais ou menos, que a capoeira deixou de ser um crime.

— Por que era crime? - outro perguntou.

— Porque se dizia ser uma prática violenta e de vadios – Marcos respondeu – A capoeira não foi feita para matar, mas se pode facilmente matar alguém com ela. Um chute bem dado em um lugar certo, e uma briga acaba na hora. O que eu vou ensinar a vocês aqui é apenas para esporte, nada de saírem brigando por ai.

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