Sobre Reis Falsos

Conseguia ver o rosto estranho de algumas pessoas me observando, e algumas até forçavam um sorriso. Envolver-se comigo era um problema para a maioria por causa do outro “anjo” da diretora, Daniel. Ele era um babaca que agia como o Rei do lugar e a diretora encorajava isso. O único que batia de frente com ele em seu reinado imaginário era Alex. O Rei falso só ocupava esse lugar porque Alex nunca aceitava os avanços da mulher, apesar de fazer o mínimo para ela manter interesse nele.

Daniel não mexeria com ninguém enquanto não o irritassem ou interagissem comigo, você pode até achar isso injusto, mas aconteceu talvez por culpa minha. Logo que cheguei ao orfanato bati de frente com ele e lhe dei uma surra. Ele era o “maioral” aqui, até que um menino novo quebrou sua cara. Foi depois desse dia que minha vida aqui foi pro saco. Não lembro muito da minha vida antes do orfanato, mas lembrava como socar a cara de um otário. Naquele tempo, Daniel partiu para cima de mim depois de falar uma besteira qualquer e eu responder à altura. Ninguém o respondia além de Alex, por isso o garoto surtou, mas só precisou de um bom soco no meio da boca para ficar mansinho.

A diretora ficou furiosa na época. Daniel já era seu protegido e eu era só um pretinho problemático. Fui jogado por uma semana nas celas subterrâneas. Foi depois daquilo que todo o bullying começou, eu bati de frente algumas vezes, mas sempre era jogado nas celas como punição. Com o tempo, deixei de reagir e assim foi a vida enquanto estive sob aquele teto. Espancamentos, humilhações públicas e punições quando ousava me rebelar. Alex ficou do meu lado desde o começo, ele nunca gostou muito de Daniel e seus capangas. Bater neles conectou-nos imediatamente; pelo menos uma coisa boa no meio de toda aquela desgraça.

Quando chegamos à mesa, sentei de frente à Alex, precisávamos comer rápido e correr para o banheiro para tomar um banho antes da aula. Se não chegássemos cedo aos banheiros poderíamos nos atrasar para pegar ônibus.

— Você estudou para a sua prova? – Alex perguntou.

— Prova?! – engasguei na mesma hora.

— Como você conseguiu esquecer disso...? - ele disse com uma risada – Não passou a semana toda me evitando para ficar estudando Matemática?

— Ah, isso? – fiquei mais aliviado – Está tudo bem, eu dou conta.

— Mesmo você esquecendo dela agora mesmo?! – Alex perguntou sínico.

— Meh, está tudo bem. – falei enquanto comia um pouco daquela pasta de frango insossa.

Alex me olhou com uma cara estranha. Ele não parecia acreditar no que eu estava falando, mas apenas dei de ombros. Nunca fui muito bom nos estudos, mesmo me esforçando ao máximo, mas com o tempo acabei conseguindo melhorar um pouco, pelo menos. Não deveria ter dificuldades com uma prova simples de matemática. Até entrei em uma universidade pública quando fiquei mais velho, mas abandonei porque não conseguia conciliar o trabalho e os estudos. Quando o trabalho de Guardião finalmente veio, até pensei que poderia continuar, mas eu estava no hospital dia sim e dia também. Ferido e sem um tostão no bolso, mesmo que eu tivesse alguns auxílios e uma bolsa, não eram garantia que eu pudesse sobreviver, por tanto precisei desistir da vida universitária.

— Não me olhe assim! – eu disse – Se eu estudei tanto, vou dar um jeito nisso.

— Heh, tão confiante ele! – Alex disse debochado – Vamos esperar que a surra que você levou não tenha afetado sua cabeça!

Ele não estava mentindo, eu nunca tinha levado uma surra como aquela antes, e pareceu ainda pior do que eu lembrava. As costelas ainda doíam um pouco, mas espero que daqui alguns dias eu esteja melhor, minhas capacidades de recuperação estavam melhores. Será que era por estar mais jovem ou por que sou um Guardião? Talvez um pouco dos dois. Comemos rapidamente e depois seguimos caminhos separados.

Alex não era bobo, então usava os banheiros particulares que só os “anjos” podiam usar. Nessas horas você quer os privilégios, né, seu merda. Tomar banho no banheiro comunitário era constrangedor, mas as crianças normais não podiam fazer outras coisas além de engolirem o sapo. Felizmente, as meninas tomavam banho em outro lugar ou então os hormônios falariam alto naquele banheiro.

Passei pelo quarto para pegar uma toalha e o uniforme da escola. Ele era simples e surrado, mas éramos obrigados a usar, como se fôssemos presidiários. O propósito deveria ser outro, mas estudar em um lugar com uniforme e grades por todos os lados, para mim, era muito parecido como estar num presídio. Não que eu já tenha estado em um, mas essa era a impressão que aquilo passava.

Já no banheiro, conferi os hematomas, e para minha surpresa, eles estavam começando a sumir. Sua coloração estava bem menos intensa que antes, e apesar de ainda doer um pouco, estava bem melhor. Mesmo com minhas estatísticas mais altas no passado, nunca tive uma recuperação tão rápida, o que era bastante estranho para mim.

— Isso está errado... – pensei enquanto abria minha lista de efeito.

Deveria ter alguma coisa ali que explicasse essa velocidade de regeneração incrível, e de fato havia:

— “Benção da primavera, 30 dias”. Nunca vi isso antes. Essa benção era incrível! “Efeito: pela duração, sua velocidade de regeneração melhora em 500%.”, enquanto eu lia meu queixo caia com tamanha apelação.

Eu acho que já tinha ouvido falar de algo assim antes, mas era algo extremamente caro para se obter um ticket, e apenas Djins Sombrios podiam vender essas coisas. Meu corpo estava tremendo de empolgação, e notei que ainda haviam algumas linhas a mais para ler. “O Rei Djin presenteia seus escolhidos para que se destaquem dos demais. Ter essa benção significa que o Rei reconheceu seus esforços.”.

— Obrigado, vossa majestade! - eu disse com uma risada.

Deixei aqueles pensamentos de lado e comecei a tomar banho, pois quanto mais tempo eu perdesse aqui, mais eu arriscava a ir de pé no ônibus ou pior perdê-lo, e precisar ir à pé. Me sequei rapidamente e corri para o quarto já vestido com parte debaixo do uniforme, afinal eu não sairia andando nu pelo orfanato. Coloquei a blusa e notei que ela estava enorme em mim.

— Sinto falta dos meus músculos... – pensei alto enquanto olhava para aquela roupa, larga como um saco de dormir.

Eu organizei antes meu caderno e livros para as aulas de hoje. "Obrigado, meu "eu" do passado", pensei. Havia um calendário das aulas semanais e vários lembretes da prova que eu não tinha visto antes. Me encaminhei para a parada de ônibus e algumas das crianças do orfanato estavam esperando. Os “anjos” da diretora podiam frequentar uma escola particular paga pelo orfanato, mas as outras crianças eram obrigadas a ir para a escola pública. Alex não estava ali e nem o arrombado do Daniel, mas eu podia ver alguns de seus capangas.

Fiquei o mais longe que pude para evitar um confronto direto, brigar agora seria problemático, porque o motorista não nos deixaria subir. Para o meu azar, os idiotas acabaram me percebendo, mesmo eu fazendo de tudo para evitá-los. Que meninos irritantes.

— Eu não sou sortudo...? - pensei

Felizmente o ônibus não demorou muito para dobrar a esquina, mas assim que o fez percebi uma movimentação estranha ao meu redor. Respirei fundo tentando me conter. Eles iam agir. Eu deveria manter a calma ou eu deveria revidar? Que escolha difícil...

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