Quando desci do ônibus, dei uma boa olhada na escola. Ainda estava do jeitinho que eu lembrava. Aquela sensação de estar indo para uma cadeia pública; muros altos e um vigilante na porta, conferindo os estudantes com aquele olhar preguiçoso. O claro desânimo de alguns alunos que certamente preferiam estar em outro lugar. Ninguém pode culpar os pequenos de não gostarem de estudar, já que a escola não parecia ser feita para eles.
Passei pela portaria e fui direto para a sala. Segundo minhas anotações, a prova seria logo no início, então entrei rápido para dar uma olhada no conteúdo. Mesmo tendo certeza de que eu me daria bem, não machucaria me precaver um pouco. O conteúdo ministrado não era tão difícil assim.
Olhei o mapa da sala para confirmar onde eu ficaria e fui sentar-me em meu lugar. A sala ainda estava vazia. As carteiras de plástico azul tinham alguns riscos e desenhos estranhos. Rabiscos que as crianças faziam por estarem entediadas, provavelmente. Abri o caderno para ver minhas anotações da aula. Fiquei estudando enquanto as crianças iam entrando, e logo a antes silenciosa sala, se transformava em um poço de caos. Fico me perguntando como eles podem ter tanta energia assim para gastar. Era quase uma da tarde, estranho seria se eles fossem tão agitados assim às 7 da manhã.
— Hoje vai ter educação física! – ouvi uma das crianças falando do meu lado.
— Ah, cara… – outra falou desanimado – Odeio aquela quadra quente!
— Ah, você não viu ainda? – um deles falou – Eles finalmente colocaram aquele negócio lá. Como que fala...?
— A coberta? – perguntei.
— Isso! – o garoto falou olhando para mim.
— Então talvez o professor dê aquela aula de luta que ele prometeu! - o outro garoto falou animado.
Essa conversa me fazia recordar algumas coisas. Nosso professor de educação física era um ex-atleta que participou da liga semiprofissional da UFC. Ele tinha lutado um pouco e conseguido algum dinheiro com isso, mas precisou se afastar por conta de uma lesão na perna. Para a sua sorte, ele conseguiu passar no concurso público da cidade e agora trabalhava como professor. Não devia ser a carreira que ele realmente queria, já que tentou ser um lutador profissional, mas era uma profissão digna.
Eu lembro pouco daquele homem, já que eu nunca fui muito interessado por esportes no passado. Sabendo o que me aguardava no futuro, talvez me aproximar desse professor não fosse uma ideia ruim. Pensarei sobre isso depois.
— Boa tarde, turma! – um homem falou entrando a sala. – Prontos para a prova de hoje?
Ele era baixo e um pouco corpulento, e seu sorriso brilhante contagiava por baixo daquele bigode volumoso. Lembro dele. Aquele era um professor que dava a aula com piadas e brincadeiras. Tentava fazer o tempo em sala ser menos tedioso para os alunos, um professor palhaço. Era uma boa tática para as crianças manterem o foco na aula. Ele conversou um pouco mais fazendo uma piadinha e outra antes de pegar um maço de papel e começar a distribuir pelas carteiras.
— Boa sorte! – ele falou para mim, me entregando a folha e continuou andando.
Coloquei meu nome no cabeçalho e peguei um lápis para começar a responder a prova,até que ouvi um dos alunos fazer aquela pergunta clássica.
— Professor! – ele perguntou – A prova é em dupla?
— É sim! – o professor deu uma risada sonora – Você e Deus.
Ouvi algumas risadinhas se espalhando pela classe, enquanto alguns alunos reclamavam. Passei os olhos pelas questões, e pensei se pediria para ter uma folha de rascunho, mas dado as questões que não eram nada complicadas; achei que não fosse necessário.
— Primeira questão: - sussurrei o mais baixo que podia, praticamente só movendo os lábios - Sobre a equação 2ײ x – 3 = 0, podemos afirmar que as raízes dessa equação são…
Passei os olhos pelas alternativas e marquei a correta. “c) x’ = -3/2 e x” = 1", pensei enquanto marcava. Levantei os olhos para olhar o professor e fiquei na dúvida se deveria perguntar ou não, mas então resolvi que seria melhor perguntar.
— Professor! – levantei a voz e percebi algumas cabeças levantando-se para me olhar – Precisa colocar os cálculos das respostas ou posso só marcar?
— Com os cálculos! – ele respondeu aborrecido, como se sempre tivesse que responder aquela pergunta.
— Está bem – falei com um sorriso e baixei os olhos para a prova novamente.
Coloquei os cálculos no espaço que tinha ao lado e passei para a próxima. As questões quase todas tinham aquele teor, uma ou outra perguntava sobre porcentagem. As questões estavam tão fáceis que dava até sono só de pensar nelas. Terminei tão rápido que eu sabia que o professor iria reclamar, mas alguém precisava fazer isso. Levantei-me para entregar a prova e fui dando uma olhada novamente para ter certeza de que estava tudo certo.
— Mas já?! – o professor perguntou confuso, enquanto olhava para o celular.
— Já. - falei colocando a folha em sua mesa.
Ele me encarou por alguns instantes antes de pegar a folha e dar uma boa olhada nela. Pude ver uma luz de surpresa correr em seu rosto enquanto ele via que estava tudo respondido, mas certamente ele não lembraria do gabarito de cabeça. Ele voltou a olhar fundo nos meus olhos e deu um suspiro.
— Espero que não tenha colado – o professor falou.
— A não ser que eu fosse um ninja... – dei de ombro – a próxima aula é Ed. Física, posso ir logo para a quadra?
— Ninja, né? – ele deu uma risada – Vá, vá.
Ele disse balançando a mão, me expulsando da sala e rapidamente sai dali. Livre para perambular pela escola, fui andando devagar para a quadra. O colégio era como um enorme corredor, as salas ficavam todas de frente umas para as outras. Caminhei ao lado do canteiro central indo em direção à quadra, não havia reparado antes porque estava muito focado em meus próprios pensamentos, mas já era possível ver de longe a alta cobertura metálica sob ela.
Antigamente, aquela quadra recebia sol direto de manhã e de tarde. Durante as manhãs e até umas 3 da tarde o chão era insuportável. O professor de Ed. Física ou usava as salas de aula, apenas afastando as carteiras ou jogava água no chão para tentar resfriar um pouco, e quem sabe evitar que os alunos ficassem doentes.
Depois de meses sob os protestos e reclamações dos pais, a prefeitura resolveu colocar aquela cobertura e agora já se podia sentir a enorme diferença. Entrei na quarta e vi o professor organizando alguns colchonetes e colocando alguns cones formando um percurso. Pelo visto, a aula hoje seria mais pesada que o normal. O professor me viu entrar e levantou a cabeça desconfiado.
— Você não devia estar em aula? – ele perguntou em tom inquisitivo
— Prova de matemática – falei despreocupado – Terminei mais cedo e o professor me liberou vir para cá.
— É mesmo? – ele parecia radiante – Uma ajudinha, então?
— Claro! - falei enquanto ia pegando alguns cones.
Para além das histórias sobre a vida profissional daquele professor, eu não lembro de mais nada. Pelo jeito que ele falava, parecia ser daquelas pessoas muito empolgadas com o próprio trabalho. Ser professor para ele era bem mais do que apenas uma obrigação da vida adulta, parecia mais como uma vocação. Pela remuneração de educador de escola básica, acho que realmente o "gostar" tem que ser mais importante.
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Atualizado até capítulo 27
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