Capítulo 6: Nove Meses em Câmera Lenta
Os dias começaram a se arrastar depois da reunião com o hospital e minha conversa com Vicente. A gravidez, que antes parecia um choque distante, agora se tornava mais real a cada manhã. O calendário no meu celular passou a ser preenchido com compromissos médicos, aulas de yoga para gestantes e notificações de aplicativos que me lembravam exatamente quantos dias faltavam para o nascimento da minha filha.
O tempo parecia correr devagar, como se o universo quisesse que eu sentisse cada mudança no meu corpo, cada nova sensação, cada momento de dúvida.
No primeiro trimestre, o enjoo matinal foi meu maior companheiro. Eu mal conseguia comer, e o cheiro de café, algo que antes era meu maior conforto, agora me deixava nauseada.
Um dia, enquanto estava no supermercado, passei mal no meio do corredor de frutas. O funcionário que estava organizando os produtos correu para me ajudar, enquanto outros clientes olhavam preocupados. Foi constrangedor, mas serviu como um lembrete cruel de que meu corpo não era mais apenas meu.
Vicente, por mais que tentasse não ser invasivo, ligava quase todos os dias para saber como eu estava. Mesmo que eu não quisesse admitir, suas ligações começaram a se tornar algo que eu esperava. Ele nunca pressionava, mas sempre perguntava gentilmente se eu precisava de algo, se havia algo que ele pudesse fazer.
“Helena, você tem certeza de que está se alimentando bem?” ele perguntou durante uma dessas conversas.
“Estou tentando, Vicente. Não é fácil com os enjoos.”
“Se quiser, posso passar aí para te ajudar a cozinhar. Prometo que não vou ser inconveniente.”
Eu hesitei, mas no fundo sabia que precisava de ajuda. “Tudo bem. Mas sem exageros, ok?”
Quando ele apareceu na minha porta com sacolas de ingredientes frescos, fiquei surpresa. Ele não trouxe apenas comida; trouxe livros sobre nutrição na gravidez, chá para ajudar com os enjoos e uma paciência que parecia interminável.
Com o passar do tempo, meu corpo começou a mudar. A barriga que antes era apenas um leve inchaço agora estava claramente arredondada. Meus jeans favoritos foram substituídos por vestidos largos e calças de cintura alta.
Era difícil me olhar no espelho sem sentir uma mistura de admiração e estranheza. Ver meu corpo se transformando para abrigar outra vida era algo extraordinário, mas também me fazia questionar quem eu estava me tornando.
“Você está linda,” Vicente disse em uma das vezes em que passou por aqui para trazer comida e me ajudar a montar o berço.
Revirei os olhos. “Vicente, não precisa mentir.”
“Não estou mentindo, Helena. Você está carregando nossa filha. Não tem nada mais bonito que isso.”
Por mais que eu tentasse manter minha barreira emocional intacta, era difícil não sentir meu coração se aquecer com essas palavras.
No segundo trimestre, as coisas ficaram um pouco mais fáceis. Os enjoos diminuíram, e minha energia voltou o suficiente para que eu pudesse voltar a dar aulas. Ser professora sempre foi minha paixão, e estar na frente da turma me fazia sentir um pouco mais como eu mesma.
Mas, claro, as perguntas inevitáveis vieram.
“Professora Helena, você vai parar de dar aula quando o bebê nascer?” uma das alunas perguntou.
“Talvez por um tempo,” respondi, tentando manter o tom leve. “Mas prometo que volto.”
Os alunos riram, mas eu sabia que muitos deles estavam curiosos sobre minha gravidez, especialmente depois que os rumores começaram a circular. No entanto, ninguém foi além disso, o que me deu algum alívio.
O terceiro trimestre foi o mais longo. Cada semana parecia um mês, e cada tarefa simples se tornava um desafio. Amarrar os sapatos? Esquece. Dormir confortavelmente? Uma missão impossível.
Vicente se tornou ainda mais presente, especialmente quando começou a notar que eu estava lutando para manter o controle.
“Helena, você precisa descansar mais,” ele disse uma noite, enquanto me ajudava a colocar as compras na geladeira.
“Não posso simplesmente parar tudo, Vicente. Ainda tenho contas para pagar e uma vida para viver.”
“E é exatamente por isso que estou aqui. Deixa que eu cuido das compras e do que mais você precisar. Só… por favor, não exagere.”
Havia algo reconfortante na forma como ele sempre parecia tão calmo, tão confiante. Mesmo que eu não quisesse admitir, ele estava se tornando uma parte essencial da minha rotina.
Uma das partes mais difíceis desse período foi enfrentar o mundo fora do meu apartamento. Sempre que saía para uma consulta médica ou para resolver algo na rua, sentia os olhares curiosos e ouvia os cochichos.
“É ela,” algumas pessoas sussurravam.
Eu sabia que não poderia controlar o que os outros pensavam ou diziam, mas isso não tornava as coisas mais fáceis.
Durante uma consulta com a doutora Raquel, minha obstetra, ela percebeu minha tensão.
“Você precisa se blindar, Helena,” ela disse. “Se focar no que realmente importa: sua saúde e a saúde da sua filha.”
Assenti, mas sabia que isso era mais fácil de falar do que de fazer.
Quando finalmente chegou a reta final da gravidez, Vicente me surpreendeu com um presente: um quarto de bebê completamente mobiliado e decorado.
“Vicente, você não precisava fazer isso,” eu disse, com lágrimas nos olhos enquanto olhava para o quarto.
“Eu sei,” ele respondeu, com um sorriso tímido. “Mas eu queria. Ela merece o melhor.”
Cada detalhe do quarto mostrava o quanto ele estava investido nessa jornada: as paredes pintadas de um lilás suave, o berço de madeira branca, e até pequenos brinquedos cuidadosamente escolhidos.
Foi nesse momento que percebi que, apesar de tudo, Vicente não era apenas o homem que, por acaso, se tornou o pai da minha filha. Ele estava se tornando alguém em quem eu podia confiar.
E pela primeira vez em meses, senti uma pontinha de esperança.
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