Segunda-feira 12 de Março de 2020
Preston dirigiu silenciosamente pelas ruas da parte mais esquecida da cidade. As calçadas desgastadas e as casas humildes contavam histórias de lutas e vidas difíceis, um contraste gritante com o mundo que ele agora frequentava. Quando parou em frente a uma casa simples, o motor roncando suavemente, ele respirou fundo, como se tentasse reunir forças antes de sair do carro. Aquele lugar era um santuário silencioso, mas também um lembrete do passado que ele nunca poderia deixar para trás. Pegou do banco do passageiro uma embalagem da doceria e saiu.
Ele caminhou até a porta com passos cuidadosos, o som de seus sapatos ecoando na quietude do bairro. Bateu algumas vezes na madeira antiga, ouvindo passos leves do outro lado. A porta rangeu ao abrir, revelando uma mulher de sorriso caloroso. Seus olhos brilharam ao ver Preston, e sem hesitar, ela o abraçou com um carinho que só a verdadeira afeição podia transmitir.
"Preston! Que bom te ver!" disse ela, ainda com o sorriso radiante. Ele retribuiu o abraço com cuidado, como se aquele momento fosse precioso demais para ser apressado.
"Como está a Nana?" perguntou, sabendo que a pergunta tinha um peso maior.
A filha da mulher, Sônia, de olhar gentil e cansado, suspirou levemente. "Ela está bem, na medida do possível... Sempre perguntando de você. Eu disse que você viria."
Preston assentiu, seus olhos desviando momentaneamente, antes de perguntar timidamente, quase como se o gesto fosse mais importante do que as palavras. "Ela ainda gosta de torta de limão?"
O sorriso de Sônia se alargou. "Gosta sim. É muita gentileza sua trazer."
A mulher o guiou até a sala, onde a velha senhora, de cabelos prateados e olhar distante, balançava suavemente em sua cadeira de balanço. O cheiro familiar de madeira e chá de ervas enchia o ar. Quando Preston entrou, os olhos da senhora brilharam por um instante, como se ela reconhecesse algo dele, mesmo que não fosse exatamente quem ele era.
Preston se aproximou, abaixando-se para lhe dar um beijo carinhoso no topo da cabeça. "Oi, Nana," disse ele suavemente, sabendo que ela, em sua confusão, o veria como uma figura do passado. Desde que era pequeno, aquela mulher fora mais mãe para ele do que qualquer outra pessoa, e agora, com a mente dela aos pedaços, ele era um fantasma do que já fora.
"Ah, você está aqui," murmurou a velha senhora, os olhos brilhando com uma ternura que ainda sobrevivia à demência. "Papai, a Sônia disse que viria." a voz dela saiu fraca, mas cheia de uma esperança infantil que partia o coração de Preston.
Ele se forçou a sorrir, segurando a tristeza e a dor que sentia ao vê-la assim. "Sim, Nana, estou aqui," ele respondeu, usando o tom suave que ela sempre esperava ouvir.
Ela estendeu a mão para ele, e Preston se aproximou, pegando a mão dela com cuidado. As mãos dela eram frias e frágeis, a pele fina e marcada pelo tempo. Ele se agachou ao lado dela, ficando na altura de seus olhos.
"Eu estava com medo de que você não viesse," ela disse, seus olhos começando a se encher de lágrimas, como se o abandono que ela temia fosse uma realidade iminente.
"Eu sempre venho, Nana. Nunca vou te deixar," Preston sussurrou, sentindo o pesar em cada palavra. Interpretar esse papel era um fardo pesado, mas ele sabia que isso trazia a ela uma pequena alegria, mesmo que fosse baseada em uma mentira.
Ela sorriu para ele, um sorriso que pertencia a outra época, a outra pessoa, e não ao garotinho que ela um dia reconheceu. "Podemos ir lá fora depois?"
"Claro, depois vamos andar um pouco," ele disse, embora soubesse que ela não poderia andar muito, e que, assim que saíssem, ela provavelmente esqueceria onde estava e quem ele era.
Eles conversaram por alguns minutos, o som da cadeira de balanço embalando as palavras, até que a atenção da mulher idosa se perdeu para a torta de limão na mesa ao lado. Com um sorriso discreto, Preston se levantou e foi para a cozinha com a filha da mulher, onde o clima mudou sutilmente.
Preston hesitou por um momento, mas então retirou alguns panfletos do bolso, entregando-os cuidadosamente para ela. "Eu vim aqui porque... consegui uma vaga em para ela no Morada Aconchego. É muito bom, bem recomendado. Eu acho que seria o melhor lugar para ela, com cuidados adequados."
Os olhos de Sônia se encheram de emoção, segurando os panfletos como se fossem um presente inestimável. "Mesmo? Eu... eu não sei como agradecer. Ela vai ter o cuidado que merece."
Ela o abraçou forte, lágrimas escorrendo, uma mistura de gratidão e alívio. Para Preston, aquele era o mínimo que podia fazer. Mesmo que sua vida tivesse tomado rumos sombrios e imprevisíveis, aquela mulher — que o criara com tanta devoção — sempre seria sua responsabilidade, e ele jamais a deixaria desamparada.
“Muito obrigada, Preston.” soluçou Sônia, ainda muito emocionada.
Preston entrou no carro e ligou o motor, mas antes de engatar a marcha, sentiu uma onda de emoção o dominar. Os olhos começaram a se encher de lágrimas, ameaçando transbordar, e ele apertou o volante com força, tentando controlar a maré de sentimentos que o cercava. O peso da vida dupla que levava, das responsabilidades que se acumulavam, que pareciam cada vez mais dolorosas, finalmente começou a pressioná-lo.
No entanto, antes que pudesse se entregar totalmente ao momento, o celular vibrou no bolso, interrompendo seus pensamentos. Ele tirou o aparelho e olhou para a tela. Uma mensagem de um cliente piscava, fria e direta, como todas as outras:
B: “Porra, preciso das pílulas!”
Preston suspirou profundamente, apagando qualquer vestígio de fraqueza. Sem hesitar, digitou uma resposta rápida:
Preston: “Estarei aí em 10 minutos.”
Ao enviar a mensagem, ele sentiu a familiar sensação de desconexão, como se estivesse colocando uma máscara mais uma vez.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 114
Comments