Capítulo 20

— Eu não sei. — Recurvou-se e tocou a ferida, havia cicatrizado, ainda que pontinhos vermelhos e permanentes indicassem a perfuração de cada um dos dentes. — Estou sonhando coisas estranhas. — Cibele tornou a focar Sasha. — E não sei o que pensar disso. São só sonhos, mas me perturbam, como se já os tivesse vivido, parecem mais lembranças do que propriamente sonhos. E isso não faz nenhum sentido. Estou com febre, não estou? Posso estar delirando.

— Pode — reconheceu Sasha. — Falou muitas coisas sem sentido na última semana.

— Semana? — exclamou, incrédula.

— Ficou desacordada por mais de uma semana. Quero dizer, houve momentos em que acordou, mas não parecia desperta, era mais como um sonambulismo. Como se seu corpo estivesse sem alma, agia automaticamente para se manter viva, ia ao banheiro, bebia água, mas nada além disso. Parecia uma morta-viva na verdade.

— Pierre veio me ver?

— Isso importa para você? — Sasha a encarou, preocupada. — Está gostando dele também?

— Também?

— Parece que ele gosta de você.

— Não acho que estou numa situação em que posso gostar de alguém de verdade. Estamos carentes, amedrontadas. Qualquer gentileza pode ser interpretada de forma equivocada.

— Então não acha que gosta dele?

— Não. Não acho que gosto. Ao menos não como gostaria de alguém por quem me atrairia em condições normais. Porque acho que me importo com ele, ele me atrai, mas é por causa do hormônio de lobos. É uma alucinação como pode ser toda essa situação.

— Eu não sei se consigo pensar que o que estamos vivendo é uma alucinação ou um pesadelo, porque não dá para chamar isso de sonho. Tudo me parece bem real pra ser sincera. E não me parece muito inteligente tentar explicar cientificamente algo que a ciência sempre se recusou afirmar. Lobisomens deviam ser só lendas, histórias de terror contadas por povos antigos ao redor de fogueiras. Mas, eu vi com meus próprios olhos o momento em que um lobisomem cravou seus dentes no seu dorso e fez essa ferida aí — apontou para o machucado de Cibele — e tenho ajudado a tratar dela, é impossível pensar de que estou alucinando. Tudo isso é bem real pra mim.

— Febre, dor, desespero e medo me parecem bons ingredientes para criar alucinações.

— Você precisa se focar em algo que sabe que é real, para não enlouquecer. Eu não sei dos efeitos do veneno dos lobisomens, o que sei é que deve ter uma quantidade imensa dele correndo em suas veias, e não descarto que possa ser alucinógeno. De toda forma, se continuar a encarar tudo como se fosse ilusão, não manterá sua sanidade, ficará como Lana ou pior. Não pode perder a porra do controle, Cibele. E não pode se apegar à ciência como uma religiosa. A ciência prova muitas coisas, mas não tudo. E se posso te dar um conselho é de que confie em seus próprios sentidos, por mais limitados que sejam, é tudo o que você tem.

— Se eu acreditar em tudo o que estou experimentando, terei que ceder à loucura de pensar que sou alguém especial, filha de um Alfa Diabo, aconselhada por um deus com cabeça de chacal e de que os Makrar são um bando impiedoso e truculento.

— Por que acha isso?

Cibele contou o sonho que tivera antes de despertar.

— Essa parte que fala sobre amar pedras preciosas e metais valiosos parece correta. Nossos colares simbolizam nossos donos. Safira de Yan, Jade de Olavi, Ametista de Arthur e Rubi de Pierre. Talvez seus sonhos não sejam só sonhos, afinal. Talvez sejam mesmo lembranças como você diz. Há tanto mistério no homem como há no mundo. Pode ser uma sabedoria arcana, algo que você como humana pode não saber ou compreender, mas sua alma entende. Você não morreu, deve ser uma Onnir, uma verdadeira Onnir e precisa começar a lidar com essa nova você a partir de agora.

— Isso não faz o menor sentido, Sasha. — Cibele inquietou-se.

— Deus permitir que crianças morram de fome pelo mundo não faz qualquer sentido, e as pessoas não acreditam menos Nele por isso.

— Isso sequer é um argumento, Sasha. Deus não existe, as crianças morrem de fome por uma questão de má gestão e má vontade da humanidade.

— Você não me parece diferente dessas pessoas que acreditam em Deus. Está se negando a encarar o que está bem diante de seus olhos para manter intacta a sua fé na Ciência. Isso não é científico, Cibele, é fanatismo. Ao ser humano é dado o livre-arbítrio, cabe a ele acreditar no deus que quiser. O seu deus certamente é a ciência e teme afirmar para si própria de que erraram em algum ponto e está tão identificada que prefere morrer a ter que confessar de que acreditou numa mentira. Lobisomens existem, Cibele. Lide com isso.

Sasha se levantou e a deixou.

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Comments

Claudia Franca

Claudia Franca

Espero ansiosa o caminhar do livro

2024-03-25

2

Deyse Pires

Deyse Pires

Gosto muito dessa maneira de ver os lobos, não é muito romântica, puxa mais para o lado selvagem, que seria o mais correto. Embora eu ame a coisa de companheiros, estou gostando muito do enredo.

2024-03-30

0

Rafaela Braga

Rafaela Braga

e a primeira história que leio sobre lobo que eles não são fiéis as suas companheiras em resumo a história e interessante ela lir prede mais acho que esse modo de homem das cavernas/lobo meio desumanos eles comer carne humana ser elas não pode dar Filhos elas morrem a história em cima e muito diferente de tudo que já lir em história de lobo bem homem das cavernas

2024-03-24

3

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