Capítulo 15

Um dos lobisomens colocou uma malga com carvão e ervas no meio do quarto, enquanto outro distribuiu uma dose de uma bebida amarga e escura para cada uma delas. Sasha quase regurgitou o líquido viscoso. Trocaram algumas palavras com a Velha e deixaram o recinto em seguida. As pontas dos dedos de Sasha formigaram e se tornou obvio. Entorpecente.

Sentou-se na cama de Lana, enjoada. A Velha brigou com Elis por emporcalhar o chão ao entregar um balde, que a moça aceitou de bom grado, e vomitou outra vez. Os uivos abafados pareciam vir de baixo. Os lobos estavam inquietos. Sasha procurou por Lana esperando que continuasse com sua história, contudo a moça dançava valsa com a colcha da cama, assoviando a melodia.

As meninas, nauseadas, corriam em busca do único balde. Sasha apertou o lençol, o formigamento se estendia para os braços, mal conseguia sentir os próprios pés. Os uivos a enlouqueciam, os tímpanos coçavam.

— Hoje começa a temporada, como anunciado pelo Alfa — a Velha anunciou. — Eu as examinarei regularmente, as férteis deverão se encaminhar para a Corte e ficarão sob os cuidados dos machos durante todo o período. As grávidas, quando chegar o momento certo, serão encaminhadas para o Ninho. O Alfa decidirá quem as tomará para acasalamento.

Nina constrangeu-se e encolheu, pois todas se voltaram para ela quando adentrou no quarto.

— Onde você estava, senhorita? — perguntou a Velha, aborrecida.

— Desculpe, Velha. Eu me perdi.

A Velha não acreditou e nem Sasha. Entregou uma dose da bebida asquerosa e Nina cuspiu, o que a fez tomar uma segunda dose. Sasha se levantou quando a moça se aproximou.

— Estive com Arthur — sussurrou. — Os colares significam que temos donos.

— Do que está falando, Nina?

A moça resumiu o que conversou com Arthur.

— Pierre gosta de Cibele, Sasha.

— E que diferença isso faz?

— Ele é o Alfa. Se Cibele não morrer e saber conduzir bem, talvez encontremos um modo de sair daqui. — Nina deu de ombros. — Talvez sejam como os homens apaixonados.

— Cibele foi mordida por um Gama. Só sobreviverá se for uma Onnir.

— Se ela for uma Onnir ficará ainda mais fácil.

— E se não forem como os homens, Nina? E se não se importarem com nossos sentimentos e desejos?

— Arthur parece se importar.

Sasha focou a porta por puro instinto. Pierre trazia Cibele nos braços e a colocou na cama vermelha. Cibele ainda estava nua e desacordada, porém limpa. Lana agitou-se, esbravejou, xingou e estapeou o peito de Pierre quando se aproximou delas. O Alfa sorriu como se achasse Lana engraçadinha. E como era bonito! Serviria bem de modelo em revistas de moda. Uma beleza intangível, sobrenatural. Havia calma e controle em seus movimentos ao afastar Lana, delicado, como se não quisesse machucá-la. E Cibele rosnou. Rosnou? Pierre se voltou para observá-la.

Sasha deu alguns passos na direção de Cibele, parou e o encarou, pedia a permissão dele em silêncio. Era assim que os lobos se comportavam, não? O Alfa controlava tudo. Pierre não se opôs. Pelo contrário, analisou Sasha. Curioso? Cismado? Cibele estava quente feito brasa, as gotinhas gordurosas de suor brotavam na pele como se toda a água do corpo se esvaísse. Ficaria desidratada.

— Água. Ela precisa de água — Sasha proclamou.

E Pierre caminhou até o gaveteiro ao lado da cama de Cibele, encheu um copo com água e entregou para Sasha. Entreolharam-se. Não sabia cuidar de uma humana? Cibele estava dura feito pedra e Sasha não conseguiu levantá-la com um braço só. Pierre subiu na cama, pelo outro lado, e a inclinou. Entreolharam-se outra vez. Sasha colocou o copo nos lábios de Cibele, entretanto, a água mais escorria pelo queixo do que para dentro da boca. Ufa, mesmo inconsciente a amiga engoliu sem se engasgar.

— Gosta dela? — Sasha arriscou.

Pierre não respondeu, contudo, olhou para o rosto pálido de Cibele, as olheiras fundas e escuras, os lábios ressecados a ponto de formar gotículas de sangue nas rachaduras esbranquiçadas. Cibele abriu as pálpebras, e Sasha saltou para trás. Toda a parte branca do glóbulo ocular estava vermelha, como se seus olhos estivessem cheios de sangue, a pupila estava tão dilatada que era impossível ver o tom avelã das irises. Arfava, furiosa, como os lobos. Rosnou e mostrou os dentes.

Pierre se ajeitou na frente de Cibele, segurou a cabeça dela e a forçou encará-lo. Pequenas veias roxas se romperam em sua face, os ossos das mãos dela estalavam como se estivessem a ponto de se alongar. Rosnou e em seguida falou alguma coisa no idioma dos lobos. Os lábios do Alfa ameaçaram um sorriso. Recostou a testa na dela, os olhos se encontraram, e o lobo parecia se esforçar para não permitir que ela desviasse a atenção dele. Sibilou e aproximou a boca na dela. Os dentes se fecharam, no entanto, ele afastou em tempo de evitar uma mordida dolorosa no lábio inferior.

Cibele cuspia palavras ininteligíveis com uma fúria perturbadora, como os possuídos por demônios em filmes de terror. Pierre sibilou outra vez e disse algo no idioma dos lobos. Ela respondeu ou assim pareceu. Fechou os olhos por alguns segundos e os abriu de novo quando o Alfa disse outra frase no idioma misterioso. O vermelho ainda teimava em colorir o seu olhar, entretanto, as irises mais largas apresentavam um verde-esmeralda intenso, como no momento em que Lisandra adentrara na Câmara das Mulheres para buscá-la.

Pierre apertou a boca contra a dela, e Cibele mordeu o lábio inferior. O sangue escorreu, viscoso, grosso, tão rubro quanto vinho. Ela sugou o lábio sangrento como um bebê faminto atracado ao seio farto da mãe. Pierre acariciava o rosto dela, devotava um olhar terno e paciente, protetor, compreensível. Por que diabos a amiga bebia sangue? E por que ele permitia? Cibele o abandonou, repentina, satisfeita, e jogou-se para trás. Permaneceu estirada e imóvel.

— Morreu? — Sasha ameaçou tocá-la.

— Não — Pierre respondeu, impassível.

— Ele a está envenenando — acusou Lana.

Os olhos de Pierre escorregaram para o canto em direção a Lana, como um garotinho levado, esboçou um sorriso e acariciou o braço de Cibele.

— O sangue de lobo é venenoso — Lana insistiu.

— Isso é verdade? — Sasha o focou.

— Sim, é, meu sangue é venenoso.

— O que conversaram? Como Cibele é capaz de falar a língua de vocês?

Pierre não respondeu.

Nina sentou-se na cama, enrolava a ponta da camisola entre os dedos enquanto assistia a amiga. A mordida no baço estava inchada, as marcas dos dentes assimilavam-se a furos negros de onde uma secreção purulenta emergia. Pierre cuspiu no machucado e espalhou a saliva. Reagiu como um ácido efervescente, e Cibele gemeu. Acariciou a cabeça dela, carinhoso.

— Ela ficará bem? — Sasha indagou.

— Não sei... — Pierre esboçou um sorriso maligno, e justamente por ser terrível parecia o deixar ainda mais bonito. Beijou a testa da adoentada e se retirou.

— Ele gosta dela — Nina sussurrou.

Pierre ouviu e fez questão de se voltar e encarar a loira. Fez uma vênia e deixou por fim o aposento.

— Gosta — concordou Sasha e o observou sumir no corredor.

Lana debruçou-se sobre a cama e segurou o dedão do pé de Cibele, o analisou e depois abriu os outros dedos como se estivesse procurando por frieiras. Resvalou as pontas dos dedos sobre as unhas dos pés e depois se arrastou feito cobra sobre a cama e tomou a mão de Cibele. Não havia nada de inumano, a pele estava arroxeada, as veias escuras e saltadas, mas febril, devia estar com frio.

— Acha que ela vai se transformar em lobo? — Nina perguntou.

— Acho que Pierre ficaria feliz se isso acontecesse. O problema é que Cibele é humana. Não agirá com razão como os lobos autênticos se acontecer. Não será senão uma fera faminta e selvagem. Não nos reconhecerá. Acordará e só então tomará consciência da carnificina.

— Gamas não podem transformar humanos em lobos, foi o que disseram — lembrou Sasha.

— Devíamos amarrá-la por precaução — sugeriu Nina.

— Está louca? — Sasha examinou Cibele, gemia de dor. — Não vamos amarrá-la. Precisamos cuidar dela. Aliás, você sabe quem é Linaet, Nina?

— Não faço a menor ideia. Também pensei sobre isso. Acho que a Belinha estava alucinando. O nome dela é Cibele Cellier e nunca conhecemos ninguém chamada Linaet.

— Sobreviva. Não me desaponte. Não me prove errado — Cibele murmurou e repetiu uma e outra vez.

— Viu? Está delirando! — assegurou Nina.

— Está tremendo, acho melhor cobrirmos ela. — Sasha se levantou e retirou uma manta do gaveteiro, a cobrindo em seguida.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!