Capítulo 18

Yan suspirou, enfadado, ao encontrar Pierre com as mulheres. O Alfa mantinha um olhar abobalhado enquanto secava as gotículas de suor sobre a tez pálida, sentado na cama de Cibele, recurvava-se sobre a moça indiferente às mulheres que, espalhadas pelo Quarto da Noiva, encolhiam-se pelos cantos e fingiam não os ver. Esforçavam-se, sem muito sucesso, para não chamar a atenção.

Lana o encarou com seus olhos grandes e castanhos, as safiras do colar que a ligava a ele competiam com as bochechas rosadas que a davam um aspecto angelical, como querubins insuflando nuvens em quadros. Entretanto não havia meiguice ou qualquer sinal de que Lana o desejasse, como uma réplica barata dos Lypus, uma imitação humana e malfeita daqueles que há muito tempo foram autênticos Makrar, o encarava com o mesmo desdém. Ela deu a certeza de que Yan, em lugar de Pierre, seria o primeiro a reproduzir na alcateia.

E Yan se ressentia. Lana, até há pouco, era superior a todas as outras, a certeza de um filhote, uma Onnir por direito de nascimento, a única e melhor opção para Yan se provar mais viril e forte do que o irmão. Preparara-se para lutar contra Pierre em prol de ter o direito sobre Lana, e quando Arthur apresentou Cibele, Pierre simplesmente entregou Lana a Yan sem qualquer consideração. Seu irmão parecia saber que Cibele era Linaet desde a primeira vez que a viu.

Linaet!

Como odiava a bem-aventurança de Pierre! Um golpe de sorte e nasceu albino, outro golpe do destino e um par de olhos dourados como todos os Alfas antecessores, uma dádiva da lua e demonstrou ter poderes além de todos os lobos do clã. Parecia que o irmão estava sob uma poderosa proteção divina, tudo cooperava para o bem de Pierre. E qual diferença faria agora se Lana desse a Yan o primeiro filhote de sua geração, se Pierre poderia ter uma prole com Cibele?

— Como ela está?

Pierre o examinou. Suas pausas o irritavam. Lento, até mesmo para falar. Não havia limites para o poder do irmão, lia os humanos, seus pensamentos e sentimentos, como ninguém. E não perguntara nada complicado.

— O espírito dela está ausente — Pierre respondeu e deitou a cabeça de Cibele no travesseiro cuidadosamente. — Não há como saber, só o tempo nos dirá.

— Estão todos te aguardando no Conselho.

— Convocou o Conselho? — Pierre perguntou ao se levantar. — Sem me consultar?

— Tive que fazer alguma coisa! — Yan deu de ombros. — Em vez de conversar com o seu clã, se trancafiou aqui no Quarto da Noiva como se ela fosse mais importante do que sua alcateia.

Detestava quando Pierre o olhava de soslaio daquele modo e lançou um último olhar para Cibele, esparramada sobre os lençóis vermelhos, a derme repleta de hematomas, como um tesouro que jamais deveria se degradar até aquele estado. Pierre trocou algumas palavras com a Velha antes de deixar o aposento e precedeu Yan até a Câmara do Conselho.

Pierre manteve os passos firmes e o dorso ereto, como se os olhares assustados e desaprovadores de seus irmãos não o importunassem. Beijou, terno, a cabeça de Lisandra acomodada no assento acima do tablado e se sentou em sua majestosa cadeira, um trono de ouro cravejado de pedras preciosas que deixaria qualquer rei humano profundamente enciumado.

— Meu irmão está muito preocupado com o que presenciamos e com o bem-estar da alcateia. — Pierre disse, sossegado. — E creio que Yan fez certo em convocar esse conselho de modo que eu possa ouvi-los. Meu irmão sempre me ampara nos momentos mais turbulentos, e o agradeço por notar que precisava dele. Como preciso da compreensão e apoio de todos vocês. Linaet é um assunto sensível e está muito atrelada aos Alfas antecessores, meu pai Peter e meu avô Aubin. E não só isso, está intimamente ligada a nós desde a antiguidade.

— Cibele é mesmo Linaet? — perguntou Olavi, afobado.

— Ainda é um pouco cedo para responder com precisão. Para termos certeza seria necessário que a despertássemos. Embora não seja do encargo dos Makrar despertar uma Linaet, do mesmo modo que nosso sangue nobre desperta Onnir e fortalece o corpo das humanas, podemos, por lógica, deduzir que nosso sangue nobre despertaria Linaet, em especial o meu e de Yan que somos descendentes de uma. Porém, não dispomos dos meios que os Lypus têm para lidar com Linaet, e despertá-la poderia ser perigoso até certo ponto. Digo “até certo ponto”, porque nem nós e nem Cibele temos o Colar de Ayin, objeto mágico e hereditário das Linaets que fica sob a proteção dos Lypus. E sabemos, através dos registros do meu pai e do meu avô, de que a Linaet pode fazer muito pouco contra nós sem estar de posse de seu objeto de poder.

— Mas, ela disse que seu nome era Linaet — enfatizou Olavi — Talvez se lembre ou saiba o que ela é.

— Sim, ela disse, e é bem provável que seja. Ainda assim não podemos descartar que recebeu a mordida de Vicente, algo nosso foi transferido para ela, e Linaet faz parte da nossa história como um povo, e não um caso particular de hereditariedade como no meu caso e de Yan. Mesmo os Lypus foram Makrar antes de se transformarem na aberração que são hoje. Foi por causa deles, os Makrar desertores, que o Deus Chacal concebeu a primeira Linaet. História que todos vocês sabem de cor.

— Não é sobre isso, Pierre. — Adruna avançou alguns passos em direção à plataforma. — É sobre a profecia. O povo bruxo disse o que aconteceria com os herdeiros de Aubin, falou sobre a Maldição da Mãe. Seu avô roubou o filho de uma Linaet...

— Dele — corrigiu Pierre, impaciente. — Meu pai era filho de uma Linaet e do meu avô Aubin. Ele não o roubou, era filho dele, que Lucina, a Linaet de seu tempo, queria que os Lypus criassem.

— Ela amaldiçoou seu avô e prometeu que voltaria para buscar o filho.

— Assim como meu avô e meu pai, a Linaet de seu tempo também morreu.

— Ela voltou, Pierre! Não vê? Voltou para te levar embora e nos destruir! — Adruna inquietou-se e aumentou o tom de voz. — Como não percebe? Nenhum lobisomem sai tropeçando em Linaets por aí. Você e Arthur encontraram Cibele por culpa do seu sangue e do seu destino. Para pagar uma dívida antiga.

— Se a questão fosse só levar Pierre embora não me preocuparia — disse Victor, outro Beta, que Yan tinha como um grande amigo. — O problema é que seríamos destruídos, nos transformaríamos numa lenda antiga que nenhum lobisomem faria questão de contar. Desaparecer como raça seria nossa plena derrota e maior vergonha.

— Falam como se eu não estivesse grávida! Como se eu não estivesse com um herdeiro de Pierre em meu ventre! — Lisandra incomodou-se.

— Por enquanto — replicou Adruna. — E tudo indica que não conseguirá manter esse filhote. Todos nós sabemos disso, Lisandra. Todos sabemos que seu aborto é só uma questão de tempo.

— Fala isso porque não deseja esse filhote! — esbravejou Lisandra. — Porque não consegue aceitar que não tem força o suficiente para se manter ao lado de Pierre, que não pode dar um filhote pra ele!

— Cibele pode. — Pierre soou pensativo, como se afirmasse para si, acovardado diante das fêmeas poderosas e briguentas que viviam se alfinetando para tê-lo, para sentarem-se ao lado dele e se transformarem numa Fêmea Alfa, a Matriarca que há muito não se via na alcateia.

— Se for Linaet, com certeza — Yan avançou, destacando-se de seus irmãos. — Ao conversar com Pierre ontem me pareceu, como já disse a vocês, de que ele não pretende abrir mão de Cibele mesmo com todos esses desastres em vista. Pierre não quer considerar a profecia, deixou isso bem claro.

— Ela não tem o Colar de Ayin — considerou Olavi em defesa do Alfa. — E se pode engravidar e gerar filhotes autênticos, com o que deveríamos nos preocupar? O Deus Chacal nos amaldiçoou para que não mais existíssemos e estamos aqui! A primeira profecia nunca se cumpriu! Nós existimos! E Pierre está certo, há um século temos reunido possíveis Onnir e não conseguimos procriar. Se temos Onnir entre nós agora, sou contra a qualquer ideia de renunciá-las.

— Os Lypus estão procurando por Lana — Yan salientou — e embora os Gamas não saibam muito, todos os Betas estão conscientes do quão próximo de Malik eles chegaram. E estou falando de Lana! Só por ser uma descendente deles, a protegem como parte do clã. Agora tentam imaginar se os Lypus descobrem que estamos com uma Linaet, a qual juraram ao Deus Chacal que protegeriam por toda a eternidade?

— Desde quando temos medo de lutar pelo nosso território, Yan? — Pierre insinuou. — Não há e nunca houve covardia em meu peito. E não será uma profecia que me fará curvar.

— É uma questão de números — apontou Arthur. — Estão em maior quantidade que nós. Nove Betas se incluirmos Lisandra e Adruna nessa conta. Podemos dizer qualquer coisa sobre a desorganização dos Lypus, mas Frederik é um Alfa poderoso, não o subestime.

— Reforçaremos nossas defesas — Pierre disse. — Estamos em Malik, não entrarão aqui com facilidade.

— Mate a Linaet! — choramingou Adruna. — Mate-a, Pierre, antes que ela te mate.

— Se Cibele despertar...

— Eu posso controlá-la, Yan — Pierre afirmou. — Posso a despertar e controlar. E vou provar.

Buchichos preencheram o ambiente.

— Ou vocês perderam a confiança no Alfa de vocês?

— Não, não perdemos — declarou Arthur, subserviente. — Nós confiamos que tudo o que faz e deseja é para o nosso bem, por mais difícil que seja entender suas decisões.

— Babaca submisso! — rosnou Adruna ao encarar Arthur. — Pierre está nos guiando para o precipício, e cairemos todos com ele.

— Isso não resolve os Lypus — Yan aferiu, ao notar que o clã se dobrava aos caprichos de Pierre.

— Eles jamais a tirariam de nós se Cibele quiser ficar ao nosso lado — Pierre observou.

— Mas, jamais houve em toda história qualquer Linaet que tivesse ficado do nosso lado — contrapôs Adruna.

— Não tivemos contato com outra Linaet que não a mãe de meu pai — considerou Pierre. — E Lucina amou meu avô a ponto de engravidar-se dele.

— Está agarrado a só uma parte da história, Pierre — contestou Yan. — E só o pedaço que te agrada. Nosso pai deixou inscrito na Tábua de Rubi para nunca nos envolvermos com a Linaet. Deve seguir a tradição, já que não quer se preocupar com a profecia, e fazer o que nosso pai ordenou que fizesse.

— Está decidido — informou Pierre ao se levantar. — Aumente a vigia, proteja nossas fronteiras e provarei que posso controlar Cibele.

— Só se a despertar com o meu sangue! — Yan avançou um passo em direção a Pierre. — Se provar que pode controlá-la sob a influência de meu sangue, admitirei a permanência dela!

— Tudo bem — Pierre admitiu. — Com o seu sangue então, meu irmão, e te provarei porque sou o Alfa dessa alcateia.

Pierre se retirava da câmara, mas parou ao ouvir Victor dizer.

— Está desobedecendo nossos princípios e uma ordem expressa do seu pai, Pierre. Se falhar, seja qual falha for, Cibele deverá ficar aos cuidados do seu irmão Yan, e ele decidirá por ela e pelo clã.

— Feito! — concordou Pierre. — Não te decepcionarei.

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Comments

Regiane Pimenta

Regiane Pimenta

O PESTE DEIXA ELA EMBORA EM PAZ JA FEZ ELA SOFRER DEMAIS

2024-04-10

2

Regiane Pimenta

Regiane Pimenta

MEU DEUS QUE CRUELDADE ESSES LOBOS SÃO PERVERSOS

2024-04-10

0

Maria

Maria

Olha só pra Yan, com inveja do seu irmão e pra ter o que quer que é ser o alpha da alcateia pretende fura o olho de Pierre, tô achando o Yan muito covarde com o próprio irmão 😠😠😠😠😡😡😡😡😡😡🤬🤬🤬🤬🤬🤬. Yan safado, será?

2024-03-29

2

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