No Limite do Gelo

Aurora

P.O.V.

O mundo ao meu redor ganha forma lentamente quando abro os olhos. A primeira coisa que vejo são os de Mia, grandes e preocupados. "Você está bem?" sua voz soa suave, mas carregada de inquietação.

Esfrego os olhos, tentando afastar a dor insistente que lateja em minha cabeça enquanto me levanto com esforço. "Minha cabeça está explodindo, o que você acha?" O sarcasmo escapa antes que eu possa evitar.

Mia franze o cenho, a mágoa refletida em seu olhar. "Desculpa, só estou preocupada," murmura. Tento conter minha irritação, mas é como segurar uma tempestade dentro de mim.

"Deixa pra lá," digo, esfregando a nuca com uma sensação estranha. Não há nada ali – o machucado que Ava causou simplesmente... sumiu. Como se nunca tivesse existido.

"O quê...?" minha voz falha, mas Mia não percebe.

"Tá doendo ainda?" ela pergunta, tocando suavemente minha cabeça, como se pudesse curar algo invisível.

"Não... é... nada," respondo, desviando o olhar. "Que horas são?"

"São 17:05. Por quê?"

"Merda, estou atrasada!" Num ímpeto, me levanto tão rápido que o mundo ao meu redor gira. Sinto o chão sumir, e preciso de um segundo para estabilizar a respiração. Pego meu casaco e o coloco por cima da roupa de banho, ignorando o desconforto da pele molhada. Quando olho pela janela, a neve cai lenta e silenciosamente. Minha mente, no entanto, grita perguntas: não estava chovendo há poucos minutos?

"Trouxe uma calça pra você. Sabia que ia esquecer," diz Mia, estendendo-me um par de calças pretas.

Visto-as apressadamente, agradeço com um aceno de cabeça e arranco minha mochila do banco. "Valeu," digo, já correndo pelos corredores vazios da escola. O eco dos meus passos reforça a sensação de que sou a única alma viva por ali. Empurro a porta da frente com força, mas ela nem se move. Está trancada.

"Merda." Respiro fundo, tentando controlar o pânico. Olho para o teto, uma prece muda aos deuses que, pelo visto, decidiram se divertir às minhas custas. "Eu não fiz nada de errado, e vocês me odeiam!" minha voz sai trêmula, mas não cedo ao ataque de pânico que ameaça me engolir. Eu posso sair daqui. Eu vou sair daqui.

Faço meia-volta e sigo em direção à sala 08. O vento lá fora uiva, assombrando os corredores escuros. A sensação de estar sendo observada cresce com cada passo. Não acredito em fantasmas, mas o medo arrepia minha pele.

Quando passo pela sala cinco, um vulto surge no canto do meu olho. Paro bruscamente, o coração disparado. Espio pela pequena janela da porta; a sala está vazia, como deveria estar. Estou imaginando coisas? Engulo em seco, acelerando o passo em direção à biblioteca. Só mais alguns metros, e eu estarei fora.

A biblioteca de CherryPree nunca foi convidativa. Hoje, porém, suas estantes altas e o grande símbolo enigmático na parede parecem saídos de um pesadelo. Cada sombra parece se mover, cada som ecoa com uma ameaça oculta.

"Aurora..." Uma voz grave e distante me chama, fazendo o sangue gelar em minhas veias.

Viro a cabeça lentamente, mal conseguindo respirar. Ao lado de uma estante, uma figura encapuzada me observa. Uma máscara cobre o rosto, mas os olhos azuis brilham como gelo sob a luz fraca. Um arrepio percorre minha espinha.

Sem pensar, corro. As prateleiras passam por mim como borrões. Sinto os passos pesados atrás de mim, a presença sombria cada vez mais próxima. Ao longe, avisto a porta da sala cinco. Colido com ela, o som do impacto ecoa pelos corredores. Passo pelas cadeiras, quase tropeçando, e tento abrir a janela. Lá embaixo, o chão coberto de neve parece prometer uma queda suave, mas estou no segundo andar.

Não tenho escolha. Metade do meu corpo já está para fora quando o homem encapuzado aparece, seus olhos azuis fixos em mim. Meu coração martela no peito. Escorrego e caio.

A queda parece eterna até que meu corpo encontra o solo congelado. Uma dor aguda dispara pelas minhas costas, roubando o ar dos meus pulmões. Sinto lágrimas se acumulando enquanto olho para cima. Ele está lá, de pé, me observando com aquela frieza inabalável.

Com esforço, levanto-me e corro em direção à floresta. As árvores oferecem abrigo, mas a casca áspera machuca minhas mãos, já dormentes pelo frio. Devia ter comido algo, devia ter pegado curativos... Sinto um formigamento estranho nas mãos. Quando olho, a parte da árvore onde as toquei está branca, como se tivesse congelado ao meu toque.

"O quê?" Minha mente tenta processar, mas o farfalhar das folhas me tira desse transe. Começo a correr de novo, cada passo é uma batalha. Meus pés descalços mal suportam o contato com o gelo.

O lago surge à minha frente, sua superfície completamente congelada. Paro por um instante, virando-me para trás. O homem encapuzado está parado na linha das árvores. Não tenho escolha. Piso no gelo, tentando manter o equilíbrio. Minhas habilidades de patinação não me traem, e avanço.

Mas, ao olhar para frente, dou de cara com os olhos gelados do estranho. Ele está lá, sem fazer som algum. Sinto uma mão fria na nuca, empurrando minha cabeça contra o gelo. O estalo de rachaduras se mistura com o gosto metálico do sangue.

Um gemido escapa dos meus lábios, mas com esforço, me ergo. Minhas mãos pressionam o gelo, tentando me afastar da borda. Ele está de pé, olhando fixamente para mim, sem expressão.

Com um soco no gelo, ele quebra a superfície do lago. A rachadura se espalha em todas as direções, e eu sou arrastada pela água gélida. Tento lutar, mas o frio paralisa meus músculos. Meus pulmões queimam enquanto procuro desesperadamente uma saída.

A voz sussurra: "Coloque suas mãos no gelo."

Sem pensar, faço o que me mandam. Algo dentro de mim responde. O gelo se parte, e consigo puxar meu professor, Gilbert, para a superfície.

Mas quando finalmente o vejo, meu corpo congela de novo. Gilbert está pálido, seus olhos vazios. A metade de seu pescoço foi brutalmente arrancada. "Meu Deus..." sussurro. O terror me domina, e tudo fica preto enquanto desabo, impotente.

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Naiara Reis

Naiara Reis

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2024-06-20

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Atualizado até capítulo 53

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