A Sala

Aurora

P.O.V.

Eu solto um suspiro profundo, tentando conter o tremor nas minhas mãos. O espelho à minha frente reflete o meu estado deplorável: os olhos inchados, vermelhos, marcas de lágrimas ainda visíveis no rosto. Pego um pedaço de papel higiênico e, com delicadeza, passo debaixo dos olhos, limpando os vestígios do choro. Foram dois horários trancada no banheiro, afundada na tristeza.

Por sorte, nenhum professor pareceu notar minha ausência. Ou, talvez, simplesmente não se importassem. Eu suspiro novamente, uma tentativa inútil de me recompor. Jogo o papel no lixo e saio em direção à sala de aula.

Ao chegar diante da porta de madeira com a pequena janela de vidro, meus pés hesitam. Sinto o peso da expectativa nos meus ombros, como se o ar estivesse denso demais para respirar.

"Respira", sussurro para mim mesma antes de empurrar a porta. Ao abrir, uma onda de olhares curiosos me atinge como uma maré silenciosa. Abaixo a cabeça e sigo em direção ao meu lugar, ao lado de Adam.

Ele não se dá ao trabalho de me olhar, sua indiferença me cortando de uma maneira quase palpável. O professor de Artes, com sua camisa xadrez e calças bege, continua rabiscando algo no quadro, alheio ao ambiente.

"Muitos de vocês não entregaram o trabalho. Imagino que não precisem da nota extra. Então, já que é o último horário, pensei em fazer algo diferente...", ele diz, a voz monótona, o olhar cansado, claramente desejando estar em qualquer outro lugar. E eu me sinto igual a ele, exausta de estar ali.

Deito a cabeça sobre a mesa, os olhos fechados, ainda doloridos. O silêncio da sala é quase reconfortante. Hoje à noite haverá uma festa nas montanhas. Todos os alunos do terceiro ano estarão lá. Todos, menos eu. Por que eu iria? Não tenho nem uma roupa decente. Uma risada amarga escapa de mim. Talvez eu vá com o uniforme sujo de molho.

Mal começo a me desligar da realidade quando uma dor aguda explode na minha coxa, como se algo afiado tivesse cravado ali. A dor me faz saltar da cadeira, que arrasta ruidosamente pelo chão, atraindo a atenção de todos, inclusive do professor. O primeiro reflexo que tenho é de me virar e acertar uma tapa na nuca de Adam, que ri.

Ele se levanta devagar, empurrando a cadeira com um gesto agressivo, os olhos fixos em mim. Sem qualquer cerimônia, segura meus pulsos com força, erguendo-os à altura do peito. O aperto faz meus pulsos latejarem, a dor espalhando-se em ondas.

"Quem você pensa que é, sua vadia dos dentes grandes?", ele sussurra com calma, a voz baixa o suficiente para que só eu ouça.

Antes que eu possa reagir, ele me empurra com força. Minha cabeça bate com um estalo na travessa da janela semiaberta. A dor é instantânea, pulsante. Sinto o calor do sangue escorrendo pela minha testa.

"Já chega, Aurora! Saia da sala! Esse comportamento é inaceitável!" A voz do professor corta o ar com severidade. Ele finalmente se levanta da mesa de madeira, os olhos semicerrados agora arregalados de irritação.

_"Mas foi esse animal!" – Aponto para Adam, que me encara com os braços cruzados, um sorriso debochado brincando em seus lábios. Ele não diz nada, mas o desafio está claro em seus olhos, me provocando a reagir.

"Nenhuma palavra a mais", a voz do professor soa cortante. "Se continuar, farei você repetir de ano. Agora, saia."

Ignorando o que aconteceu, levanto-me, sentindo o mundo girar brevemente. Nox, que estava sentado atrás de mim, se ergue de imediato, aproximando-se para me apoiar. Ele me segura firme pelo braço, seus olhos lançando um aviso silencioso a Adam, que apenas ri, despreocupado.

Com delicadeza, Nox coloca meu braço sobre seu ombro, a outra mão repousa na minha cintura para me estabilizar. Sem perder tempo, ele ajeita minha mochila esfarrapada e a coloca nas minhas costas. O cuidado em seus movimentos me surpreende.

Ao ver isso, Adam se enrijece. "Já chega, cara. A dentuça não é alejada, larga ela." Ele se aproxima, puxando Nox pelo braço. Nox, sem discutir, apenas cede, seus olhos ainda presos nos meus, como se dissesse que vai ficar tudo bem.

Eu me forço a levantar, ainda atordoada, e caminho na direção da porta. A madeira range quando a empurro, e meus passos ressoam pelos corredores vazios. Meu corpo treme levemente; o ar gelado atravessa a blusa branca de mangas longas que vesti apressadamente, depois de tirar a parte de cima do uniforme no banheiro. O tecido fino é insuficiente para aquecer meu corpo.

Mais à frente, duas figuras familiares caminham lado a lado. Milena é a primeira a me notar. Ela acena freneticamente, seu sorriso largo iluminando o rosto de lábios carnudos.

"Oi?", murmuro, levantando uma mão fraca em resposta.

"Oh, meu Deus! O que aconteceu com a sua cabeça?", o sorriso de Milena desaparece num instante, substituído por uma expressão de choque ao ver o sangue que ainda escorre pela lateral da minha cabeça. Mia, ao seu lado, apenas observa, em silêncio, o olhar desviando pelos corredores como se estivesse à procura de algo ou alguém.

"Vamos para a minha casa", Milena sugere com uma voz ansiosa, já me puxando com determinação. Suas unhas pintadas de roxo pressionam levemente minha pele enquanto seu cabelo, preso em dois coques laterais perfeitamente simétricos, chama minha atenção. Ela só faz esse penteado em dias importantes, aqueles que prometem grandes eventos. E algo me diz que hoje ela espera por um desses momentos.

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Guardião Azul

P.O.V.

Caminho lentamente, um passo após o outro, como se cada movimento exigisse um esforço sobre-humano. Chamas dançam ao meu redor, e os elementares da terra correm desesperados, como ratos em um labirinto em chamas. O meu uniforme é uma lembrança distante quando estou fora da área dos guardas celestiais. Odeio aquele lugar, onde gasto todo o meu poder para proteger. Esse não é o meu estilo; eu gosto de destruir, não de construir. Meu nariz se enruga sob a máscara preta, cujo bico pontudo lembra o de um corvo, enquanto sinto um puxão na minha capa escura que se conecta ao capuz.

Viro-me e encontro uma jovem de cabelos castanhos e pele morena, sua aparência é um caos. O rosto sujo de terra, as vestimentas beges desgastadas, e os olhos arregalados me observam com uma súplica silenciosa.

Um olhar de desespero brilha em seus olhos, mas o que realmente capta a minha atenção é a sujeira em suas mãos. Olho para a sujeira que se espalha entre suas palmas e minha capa preta. "Ah, não! Você não fez isso, seu verme da natureza!" O desdém transborda em minha voz.

Viro-me completamente e coloco a bota na sua testa, empurrando-a com força. Mas, em um último ato de rebeldia, ela encosta as mãos em minha bota, sujando-a ainda mais. É a gota d'água. Explodo em fúria, chutando-a com toda a força. Ela geme de dor, mas não paro. Continuo a atacá-la, como se fosse uma barata indesejada. Quando seu rosto se transforma em uma massa ensanguentada, finalmente paro. Ela já está desmaiada, incapaz de me desafiar novamente. Coloco as mãos enluvadas nos bolsos da calça preta, buscando um momento de calmaria.

Tiro um pequeno pedaço de chocolate de um dos bolsos. Levanto a máscara até o nariz, saboreando o doce que se dissolve em minha boca, meus dentes pontudos marcando a delícia do momento. Um sorriso ladino surge em meu rosto, e coloco a máscara de volta no lugar.

Saio do acampamento em chamas, a fumaça negra se entrelaçando com a terra, enquanto o sangue carmesim pinta o chão. Vários corpos, todos com cabelos castanhos e o símbolo da terra pendurado no pescoço, estão espalhados pelo chão, estacas pretas afiadas atravessando suas gargantas. As cabanas que planejavam a rebelião ardem, e os restos carbonizados de crianças e idosos se misturam à cena. O sorriso permanece em meus lábios, e o gosto doce do chocolate continua a preencher minha boca enquanto mastigo, saindo pela trilha de terra que me trouxe até aqui. Mais um trabalho concluído.

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3 P.O.V.

"Co-co-como?" Aurora pergunta, confusa, enquanto passa a mão delicadamente pela cabeça, tentando entender o que aconteceu.

"O quê?" Milena responde, olhando para Aurora enquanto coloca uma panela de chocolate sobre a cama de tecido fino roxo. A cama é típica de uma garota rica, cercada por várias fotos de cantores pop da época, que adornam as paredes como se fossem troféus.

"Tinha um machucado aqui? Como eu adormeci?" Aurora arregala os olhos castanho-escuros, a ansiedade crescendo em seu peito.

"Não sei do que você tá falando." Milena leva uma colherada de brigadeiro à boca, ignorando a pergunta. "Você quer?" Ela empurra a panela fria com chocolate em direção a Aurora, como se nada tivesse acontecido.

"Tinha um machucado aqui, bem aqui," Aurora insiste, colocando o dedo na lateral da cabeça. Milena dá de ombros, despreocupada. "Não tinha nada aí, talvez você tenha sonhado," ela diz com um sorriso, como se dissesse que não há motivo para se preocupar.

Aurora balança a cabeça, tirando o pano macio e fofo de cima do corpo. O frio a atinge, e ela hesita em sair da cama quentinha, mas não quer parecer louca. Resolve se levantar, sentindo a textura do tapete de pele sob os pés. Antes que consiga sair, Mia entra no quarto, segurando um vestido vermelho longo que exibe um decote generoso, com mangas longas feitas de um tecido deslumbrante. Ela sorri, segurando-o em frente ao corpo. "Eu fiz para você," Mia diz, ajustando os óculos redondos de armação preta.

Aurora observa com desconfiança, o coração acelerado. "É como um pedido de desculpas, por tudo aquilo," Mia fala timidamente, colocando o vestido sobre uma poltrona rosa. "Bom, estou fazendo macarronada ao queijo com carne moída." Seus olhos brilham enquanto ela se concentra nos sapatos.

Sem pensar, Aurora se aproxima e a abraça. "Está desculpada, mas... espero que tenha muito queijo nessa macarronada." O riso dela flui leve como o chocolate na panela.

"Vocês tão me deixando de lado ou algo assim?" Milena se aproxima, juntando-se ao abraço. O que antes era um afago entre duas amigas se transforma em um abraço de três, um momento de união e alegria. No entanto, a felicidade é interrompida pelo cheiro de algo queimando.

"Meu Deus!" Mia se afasta com os olhos arregalados, correndo em direção ao corredor e descendo as escadas brancas de degraus longos.

"Eu vou matar ela se ela colocar fogo na minha casa!" Milena aperta a mão de Aurora que repousa em seu ombro, a preocupação estampada em seu rosto. Aurora apenas dá uma olhada rápida, soltando uma risada.

"Ei, isso não é para ser engraçado! Imagina se minha mãe chegar com a casa em chamas? Vou perder minha viagem para a faculdade!" Milena diz, dramatizando com uma falsa tristeza, enquanto Aurora ri ainda mais, contagiada pela situação absurda.

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Quebrar de tempo...

As três garotas estão sentadas em cadeiras de madeira, uma mesa circular entre elas repleta de pratos brancos que transbordam macarronada quente. No entanto, a cor da massa não é como a de qualquer macarronada comum; alguns pedaços estão queimados, um preto profundo que faz Milena franziu o nariz, os lábios curvados para cima em desagrado. Ela pega o garfo e cutuca a comida, como se esperasse que ela ganhasse vida, transformando-se em um monstro que a ameaçasse.

Enquanto isso, Mia parece alheia a qualquer preocupação estética, deliciando-se com a comida. "Isso tá muito bom!" ela exclama, a boca cheia e um sorriso largo no rosto. Aurora, incomodada, dá um tapa suave no ombro de Mia. "Não fale de boca cheia, é nojento..."

Aurora, então, pega um garfo e enrola a massa grudenta no utensílio de prata, levando-o à boca. Ao experimentar, seus olhos se enchem de lágrimas, não de tristeza, mas de satisfação. "Isso tá... delicioso," ela diz, a voz tremendo enquanto engole a comida.

"Então você vai querer mais," Milena diz, decidida. Ela se inclina e coloca uma porção do macarrão queimado no prato de Aurora. Sem pensar, Aurora levanta uma garfada da massa e a coloca perto do rosto de Milena, desafiando-a. "Não, você precisa comer. Está uma delícia! Abra a boca, aaaaah," ela faz o gesto de aviãozinho, com um sorriso travesso.

Em resposta, Milena se joga da cadeira, caindo no chão em um acesso de risos. "Vamos, abra a boquinha!" Aurora se levanta, seguindo Milena, que se arrasta pelo chão. "Socorro!" Milena grita, rindo enquanto tenta escapar.

Milena se levanta rapidamente, pegando uma banana da tigela e apontando a fruta na direção de Aurora. "Não se mexa, tenho uma arma e não tenho medo de usar!" Ela se aproxima, e, em um instante, as duas caem na gargalhada, as lágrimas formando nos cantos dos olhos de ambas.

Enquanto isso, Mia continua comendo a macarronada queimado, limpando a boca com as costas da mão antes de apontar para o prato de Aurora. "Vai comer?"

"Não," Aurora sorri, um brilho nos olhos. "Amo macarronada, mas a sua é demais para a minha barriga. Não posso me dar a esse luxo," ela completa, deixando escapar um pequeno sorriso, como se saboreasse a ideia de comer um pouco mais.

"Vem, Aurora! Vamos ver seu vestido!" Milena a puxa pelo braço, a empurrando gentilmente em direção às escadas. "A festa é daqui a algumas horas, mas é melhor estarmos adiantadas do que atrasadas!" Aurora revirou os olhos, um sorriso nervoso no rosto, compreendendo a ansiedade contagiante da amiga.

Ao chegarem no quarto de Milena, Aurora encosta a porta atrás de si e vai direto ao armário, pegando o deslumbrante vestido vermelho. Enquanto isso, Milena se acomoda animadamente na poltrona vazia, seu entusiasmo evidente. Ela mergulha a mão na barra da saia, puxando o celular para conferir mensagens, sem tirar os olhos da tela.

Aurora avança em direção ao banheiro, que exala um ar de beleza com suas paredes em um tom de roxo suave. Assim que entra, tira as roupas rapidamente, jogando-as descuidadamente sobre a pia. Ao vestir o vestido vermelho, sente a seda suave contra a pele, o tecido vibrante destacando seu longo cabelo castanho. Com as mãos tremendo ligeiramente, ela coloca os braços para trás e puxa o zíper, sentindo o frio do metal em contraste com o calor de sua pele.

Quando se olha no espelho, a visão a surpreende; o vestido realça suas curvas e a faz parecer uma verdadeira rainha. Contudo, ao se virar para abrir a porta, ela descobre que está trancada. Aurora puxa a maçaneta com força, um nó de frustração se formando em seu estômago. "Milena, isso não tem graça!" Ela grita, batendo a mão fechada contra a porta, um misto de irritação e impaciência na voz.

Um barulho repentino corta o silêncio do ambiente, como o girar de uma chave. A porta se abre, e uma luz intensa inunda o espaço, fazendo Aurora colocar as mãos no rosto e fechar os olhos com força. A luz é quase ofuscante.

"Você está bem?" Uma voz masculina, suave e reconfortante, penetra o silêncio. Aurora, hesitante, remove as mãos do rosto, piscando várias vezes para se acostumar com a claridade que a envolve.

À sua frente, uma sala de aula se revela, com bancos dispostos em camadas, lembrando um auditório. O espaço é dividido em dois, e um quadro verde de mais de seis metros se ergue ao fundo, sua superfície brilhando com uma luz esmeralda. Pequenas luzes verdes flutuam pelo ar, como vagalumes em uma noite tranquila. As janelas, altas e estreitas, se assemelham a raízes de árvores, trazendo uma sensação de conexão com a natureza.

Perplexa, Aurora fixa o olhar no homem de cabelos longos que está diante dela, seu semblante sereno contrastando com a confusão que a envolve.

"Eu..."

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Atualizado até capítulo 53

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