Uma Festa Nem tão Divertida Pt 1

Helena

P.O.V.

Os meus olhos se abrem lentamente, mas uma dor latejante irrompe na minha cabeça. Fecho-os novamente, tentando sufocar a agonia que se espalha.

O que aconteceu...?

A pergunta ecoa na minha mente, mas as lembranças permanecem embaçadas, como sombras fugidias. Ao abrir os olhos novamente, encaro o quarto branco ao meu redor. Uma agulha cravada em meu pulso me provoca uma sensação de estranhamento. O som ensurdecedor do bip da máquina me faz estremecer. Levanto-me, mas uma dor aguda nas costas me faz hesitar, como se um golpe invisível tivesse me atingido. O pano branco que envolvia meu corpo frágil deslizava para baixo, revelando a blusa azul que uso. Com um movimento hesitante, levanto a peça, e um frio na barriga me invade ao notar a grande faixa branca enrolada em torno da minha cintura.

"O que...?" sussurro, confusa.

"Vejo que você finalmente acordou", diz um homem, esboçando um sorriso que revela seus dentes brancos. "Meu nome é Bill, mas prefiro que me chame de Doutor Bill." Seus olhos azuis se fixam em minhas mãos, que tremem levemente enquanto seguram a blusa. "Ah, minha senhora, você teve sorte. O seu corte foi profundo", ele diz, fazendo uma pausa que pesa no ar.

Sinto meus lábios se apertarem, mordendo-os involuntariamente. Uma sensação estranha percorre meu corpo, como se metade dele tivesse desaparecido. Franzo as sobrancelhas, lutando contra a confusão. "Como... como isso aconteceu?", minha voz sai falhada, arrastada. A dor na minha garganta é intensa, queimando como se eu tivesse engolido fogo. "Água...", consigo sussurrar, quase implorando.

Ele se aproxima, segurando o copo com firmeza. Senta-se na maca e, com uma mão, ergue meu queixo, fazendo minha pele arder com seu toque. Com a outra, leva o copo com cuidado até meus lábios ressecados. Bebo lentamente, sentindo a água descer pela garganta, enquanto ele se afasta. “Sinto muito, senhorita, não posso explicar”, diz ele, desviando o olhar, como se uma sombra de arrependimento o acompanhasse. “Eu só vim ter certeza de que você estava bem.” Um sorriso gentil surge em seu rosto, mas seus olhos azuis perdem um pouco do brilho.

Nesse instante, a porta se abre, e dois policiais entram. Seus uniformes são típicos, mas uma diferença é visível, não apenas na altura, mas também na expressão que trazem. Um deles exibe um olhar gentil, enquanto o outro parece ter acordado de um pesadelo. Ambos são brancos. O policial mais alto tem pouco cabelo e aparenta mais de trinta anos. O mais baixo, com um olhar suave, parece ter menos de trinta, com cabelos escuros que lembram os do Doutor Bill. “Boa noite, senhorita”, anuncia o policial alto, sua voz ecoando na sala.

“Boa noite, policiais.” Um pequeno sorriso surge em meus lábios enquanto junto as mãos sobre as pernas. “Você consegue explicar o que aconteceu?”, pergunta o policial de olhar gentil.

“Eu não sei...” Olho para minhas mãos entrelaçadas, a testa franzida em concentração. “Não me lembro, desculpe, estou tentando.” Passo a língua pelos lábios rachados, enquanto os policiais trocam um olhar significativo. O policial alto cruza os braços, sua expressão se tornando mais severa. “Então a senhorita não vai poder explicar o corpo no seu porta-malas?”

“O que?” A sensação de pânico se instala em mim, e empurro as mãos contra o lado do corpo, levantando-me um pouco na maca.

 

Aurora

P.O.V.

De alguma forma, decidi que ir a essa festa no frio seria uma boa ideia. A neve cai lentamente, cobrindo o chão com um manto macio e escorregadio. A luz do sol, quase se pondo, sugere que já deve ser cerca de seis horas da tarde. Sinto os pés latejando de dor a cada passo, e me pergunto quem foi o gênio que teve a ideia de organizar uma festa nas montanhas durante a neve.

Se eu encontrar essa pessoa, com certeza darei a ela o prêmio de “a mais burra do ano”. Desisto de usar meus saltos e decido carregá-los nas mãos, aliviando a pressão dos pés. À frente, avisto Milena, que brilha com seu vestido roxo em camadas, cortando o vento até os joelhos. O vestido não tem mangas, segurado apenas por dois laços delicados em seus ombros. Ela optou por botas pretas grossas, como se essa fosse uma escolha confortável.

Mais atrás, vejo Mia, sua aparência é uma mistura de ousadia e imprudência. Usa um short verde que mal cobre suas coxas e uma blusa de manga longa preta. As meias pretas que se estendem até o meio da coxa contrastam com o branco do terreno nevado. Seu tênis preto parece fora de lugar neste cenário. O coque apertado em seus cabelos a faz parecer ainda mais ansiosa, e seus olhos, sempre em movimento, vasculham os arredores como se estivesse à procura de algo.

"Estamos indo para Nárnia?", resmungo, já me sentindo exausta. Se eu andar mais um pouco, vou me deixar cair no chão, decidida a não me mover de novo.

“Calma, estamos quase lá. De acordo com meu GPS, estamos a poucos metros do lugar”, diz Milena, segurando o celular na mão e virando a tela para mim. Reviro os olhos, impaciente.

“Você disse isso há meia hora!”, reclamo, cruzando os braços. “Parece uma velha.” Milena solta uma risada.

“Vou te mostrar o que uma velha pode fazer.” Pego um galho seco e sacode, fazendo a neve cair em pequenas flocos.

“Nossa, você está pensando em usar isso como bengala? Interessante”, ela comenta, ainda rindo.

“Não, eu vou te matar com isso!” Grito, correndo atrás dela. Milena acelera o passo, subindo rapidamente pelo pequeno morro. “Se eu morrer, quem vai ser a madrinha dos seus filhos?”, ela grita, enquanto se distancia.

“A Mia!”, respondo entre risos.

Subo o morro e, ao alcançar o topo, meu coração acelera. A mão ainda firme no galho, que afundo na neve, percebo que perdi Milena de vista. Olho para trás, e Mia também não está mais lá. Um nó se forma na minha garganta. A névoa começa a cobrir tudo, dificultando minha visão. O chão de terra preta, coberto pela neve, desaparece. Algo escuro passa rapidamente entre as árvores. Levanto o galho, determinada; se eu for morrer, farei isso lutando. Caminho devagar, sentindo o ar se tornar denso e pesado.

Um barulho de galho quebrando ressoa atrás de uma grande árvore. Sigo na direção do som, e algo surge de trás do tronco: uma mulher. Sua pele é cinza, e seus olhos e boca são buracos negros, sem vida. Ela veste um vestido branco de manga curta, sem nenhum detalhe, e não tem cabelos, apenas alguns fios finos. Aponta um dedo grosso, com unhas maltratadas, na minha direção, e sinto a garganta secar instantaneamente.

“Ele está vindo te buscar.” A voz dela é quebrada, soando como o rangido de um disco velho. Seus lábios permanecem imóveis enquanto as palavras saem de sua boca.

Engulo em seco, apertando as mãos ao lado do corpo e dando um passo para trás. “Você não é real... Isso não é real...” Fecho os olhos com força, tentando me convencer. Após alguns segundos, abro-os novamente, mas ela ainda está ali. Minha respiração acelera e a visão se torna embaçada. A mulher abre a boca, revelando poucos dentes, alguns já podres e caídos. Um sorriso horripilante se forma em seu rosto, enquanto um líquido preto desce por seus lábios como um rio sombrio. Ela gargalha, e moscas começam a rodear sua cabeça enrugada. A cada instante, meu coração dispara; arregalo os olhos, observando as moscas pousarem em seu rosto, e vermes rastejando para fora de seus olhos.

De repente, sinto uma mão segurando meu ombro, me virando. “Aurora, você está bem?”, pergunta Mia, sua expressão de preocupação clara.

Fico perplexa, olhando ao redor. A névoa se dissipou, e quando me viro, a mulher não está mais lá. Direciono o olhar para o chão e vejo respingos do líquido preto que escorreu daquela criatura, manchando a neve. Pisco algumas vezes, tentando afastar a imagem horrenda. “Não foi nada, pensei ter visto algo”, minto, forçando um sorriso. Não posso contar a Mia o que vi; ela iria me achar louca.

“Vamos...” Sem aviso, ela agarra minha mão e me puxa para uma área mais plana. Passo entre duas árvores que estão muito próximas, como se formassem uma porta para outro mundo. Inacreditavelmente, aqui não está nevando, e o chão é livre de neve, aquecido por uma brisa suave. À minha frente, alguns alunos arrumam uma grande mesa retangular, alinhando bandeiras em uma linha. Que brega. Ao redor, imensos pilares se erguem, como se fossem guardiões de um segredo antigo.

Um... dois... três... quatro... cinco... seis. São seis pilares. Como conseguiram trazer tudo isso para este lugar? A lua já brilha no alto, e uma fogueira crepita ao centro, iluminando o ambiente com suas chamas dançantes. Alguns alunos já estão bebendo; eu não me deixo seduzir. Depois de ver o que o álcool pode fazer com as pessoas, prefiro me manter afastada. Em vez disso, sigo em direção à mesa repleta de doces. Olho as guloseimas e hesito. Talvez não...

Balanço a cabeça, decidida. Vou até a mesa de frutas e sucos. O aroma das vitaminas frescas me atrai. Com determinação, pego um copo de vidro e o encho com o máximo de suco de morango que consigo. Depois, uso uma colher grande e redonda para colocar alguns morangos cortados dentro do copo. Sacudo o copo levemente, misturando os sabores, e levo o recipiente até meus lábios. Fecho os olhos ao sentir o sabor doce e fresco do suco, mas, de repente, percebo uma presença atrás de mim. Viro-me lentamente, ainda com o copo em meus lábios, o coração acelerando com a expectativa.

Akash me observa com aqueles olhos cinzas, atravessados por uma cicatriz vermelha no lado direito. Ele está vestido com uma camisa branca de mangas longas, coberta por uma blusa bege sem mangas, e usa calças de tecido branco e botas de couro. Sinto um frio na barriga enquanto tiro o copo dos lábios, perguntando, com desconfiança: “O que...?”

Meus lábios estão úmidos, e, nervosa, coloco o copo na mesa e levo a palma da mão até eles, passando suavemente, tentando secá-los. Akash segura meu pulso com firmeza. “Você sabe que isso é falta de educação. Uma dama não deve fazer isso”, diz ele, baixando minha mão. Assim que solta meu pulso, ele enfiando a mão no bolso e retira um pano pequeno, aproximando-se de mim.

Com um gesto delicado, ele limpa meus lábios, e eu arqueio uma sobrancelha, surpresa. “Obrigada, eu acho...” murmuro, sem saber o que pensar. Ele desvia o olhar para meus pés descalços, e sinto meus dedos se contraírem involuntariamente. “Precisa de ajuda?”, pergunta ele, a voz suave e o rosto impassível, como uma folha em branco. Que cara estranha. O silêncio entre nós pesa no ar, e não consigo decidir se devo aceitar sua oferta ou me afastar ainda mais.

Pisco algumas vezes, confusa. "Sim?" minha voz sai como uma pergunta hesitante. Ele segura minha mão, mas eu a puxo de volta, desconfortável. Ele não diz nada, apenas aponta para um tronco cercado por algumas árvores caídas, não muito distante. Respiro fundo e sigo seus passos, caminhando atrás dele. Ao contrário do irmão, ele é silencioso, sempre calado, o que o torna ainda mais enigmático.

Sento-me no tronco, e Akash cuidadosamente tira os saltos da minha mão. Olho para meus dedos vermelhos e contraio-os, tentando sentir algo. Ele toca minha perna, levantando o vestido e colocando o tecido sobre meu colo. O anel de prata em seu dedo anelar toca minha pele, e um tremor involuntário percorre meu corpo. Ele observa os pequenos roxos que marcam a metade da minha perna, mas permanece em silêncio.

Com cuidado, ele pega um dos saltos vermelhos, que mais parecem tamancos, e começa a colocá-lo de volta em meu pé. Coço a nuca, arrancando pequenos pedaços da pele com minhas unhas. Nunca fui boa com homens; minha experiência com eles é escassa. Talvez minha aparência os afaste. Nunca soube o que é ser olhada com amor, mas ter um tão perto, me tocando, é uma sensação estranha e desconfortável.

Limpo a garganta, e ele levanta os olhos para mim. Seu olhar parece inocente, mas a cor que preenche seus olhos o trai, como se um demônio estivesse disfarçado de cordeiro. Agora noto que seu joelho está apoiado na terra, e antes que eu perceba, ele já termina o que estava fazendo. Levanta-se, passando a mão na parte da calça branca que agora está suja.

Eu me levanto também. "Sinto muito, mas a culpa é sua por ter sujado a calça. Eu poderia ter feito isso sozinha," digo, dando de ombros e cruzando os braços. "Não, está tudo bem—" Sua fala é interrompida pela chegada do seu irmão gêmeo, que corre em nossa direção, ofegante. Suas bochechas pálidas agora estão rubras.

Kaiser lança um olhar entre mim e seu irmão, como se sentisse a tensão no ar. Ele usa uma roupa idêntica à de Akash, mas em cores diferentes: uma blusa sem mangas preta e calças pretas. Seu cabelo platinado médio está preso para trás, mas alguns fios soltos caem sobre o rosto, duas mechas caindo na frente. As mangas estão arregaçadas até o cotovelo, e ele me oferece um sorriso que parece forçado. Continuo com a sobrancelha erguida, desconfiada do que está acontecendo entre os três.

Consigo ver a falsidade refletida nos olhos cinzas dele, como se desejasse me ver morta. "Desculpa, cubinho, estou levando meu irmão," ele diz, piscando para mim com um sorriso que não alcança os olhos.

Forço um sorriso, mantendo os lábios apertados, e ele se vira, Akash o segue. Antes de ir, o irmão me lança um olhar, como se tentasse me confortar, mas isso não faz sentido. Sento-me de volta no tronco, lembrando do que aconteceu alguns minutos atrás. Se aquilo foi uma alucinação, as coisas estão se tornando cada vez mais reais. A ansiedade aperta meu peito. Olho para a lua e sussurro: "Eu só queria que as coisas fossem diferentes."

Ainda sentada no tronco de madeira, que é muito menos confortável do que uma cadeira, olho ao redor em busca de Milena ou Mia, mas não vejo nenhuma das duas. "Por que elas sempre somem quando eu preciso delas?" reflito, e, de repente, um raio atravessa o céu, iluminando tudo ao meu redor, seguido por um estrondo de trovão que ecoa na minha mente. A lua, que antes brilhava intensamente, agora está oculta por nuvens cinzentas. Um vento gélido passa por mim, arrepiando minha pele. Como é possível chover enquanto ainda está nevando?

A cidade de Zalazar parece estar amaldiçoada, uma cidade esquecida por Deus. Apesar de seu tamanho, não vejo turistas ou qualquer sinal de pessoas interessadas em visitá-la. O isolamento, a proximidade com o mar e as ruas escorregadias contribuem para isso. Se algum turista tentou vir aqui, provavelmente sofreu um acidente de carro. Suspiro pesadamente, e um uivo alto vindo da floresta chama minha atenção e a dos outros alunos.

"Com certeza, hoje não é meu dia," penso, um nó se formando na minha garganta.

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Atualizado até capítulo 53

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