Capítulo 17

[ Julie ]

Acordei com disposição. Levantei da cama e preparei logo um café da manhã pra minha mãe. Não tinha muita coisa, mas pelo menos pão, café quentinho e suco.

Deixei tudo pra ela arrumado e desci pra ir pra feira.

Seu João já estava arrumando tudo quando cheguei. Dei um abraço bem apertado nele dizendo o quanto era importante pra mim tê-lo em minha vida.

Com a barraca já arrumado as pessoas começaram a chegar e com o movimento intenso logo cedo já percebi que o dia renderia.

— HOJE TEM MAÇÃ, UVA, MORANGO, QUEM NÃO GOSTA? SÓ AQUI NA BARRACA DO SEU JOÃO! — Digo empacotando algumas vendas.

— Julie. — reconheço a voz e me viro para olhar.

— Sumiu heim Carol, depois que fez merda. — digo com um tom um pouco ríspido.

— Queria te pedir desculpas. — diz ela pegando algumas caixas de morango na banca.

— Você poderia ter me fodido sabia? Eu confiei em você.

— Desculpa Julie, não...foi minha intenção. Eu fiquei sabendo pelo Abel sobre tudo, e fico feliz agora que você e a Bree entraram em um acordo.

— Esquece isso. Mas você sabe que se fosse o meu irmão no meu lugar, você não colocava nunca mais o pé aqui. Na verdade, você estaria sem ele.

— Credo Morena! Não fala isso. Deus me livre.

— Leva essas frutas logo. — digo colocando tudo na sacola rindo da situação.

A tarde estava no mesmo ritmo e fluxos de pessoas e isso me deixava feliz.

......................

Subo o escadão enquanto fumo um cigarro de palha. Logo encontro Caim descendo e sorrindo ao me ver.

— Morena. — diz ele me abraçando.

— Oi. Está tudo bem?

— Suave.

— Veio fazer o que aqui em baixo? — pergunto.

— Te buscar.

— Sério? — indago assustada.

— Amigos faz umas caridade né?

Caim estende a mão e engulo em seco essa ação, o que estava me causando um certo frio na barriga. Entrelaça nossos dedos e subimos o resto do escadão despertando vários olhares curiosos.

Assim que chegamos no barracão me solto dele e vou para a varanda.

O clima entre nós estava carregado de tensão e emoção não ditas, mas estar ao lado dele e receber esse afeto me fazia bem.

Caim se aproxima do parapeito me olhando-a profundamente nos olhos. Ele coloca uma mão em meu rosto chegando mais perto e acariciando-o suavemente.

— Morena... — Caim começa a dizer, mas antes que ele possa continuar decido não deixar que o momento fique tenso demais e me inclino para beija-lo suavemente.

No entanto, quando vejo que minhas mãos já queriam percorrer por debaixo de sua camisa decido me afastar lentamente, olhando para ele com um olhar intenso.

— Quer conversar sobre isso? — pergunta.

Apenas assinto ainda com a respiração um pouco ofegante pelo beijo.

— Precisamos esclarecer tudo, mas ao mesmo tempo eu não quero.

O celular de Caim apita e ele verifica o conteúdo franzindo a testa.

— Vou resolver uns corre. Passo lá no seu barraco mais tarde. — diz ele me dando um beijo na testa e saindo do barracão.

Enquanto isso meu celular também vibra e visualizo que era uma mensagem de Bree que acabará de chegar na porta da minha casa.

Apago o cigarro que estava tentando fumar e pego minha mochila no velho sofá indo ao encontro de Bree.

Avisto a mesma de longe e aceno para ela que estava deslumbrado em um terninho cinza, moderno e cabelos soltos evidenciando cada traço do seu rosto.

— Desculpa a demora. — digo abrindo a porta de casa.

Ela apenas sorri e se entra colocando a bolsa em cima do sofá.

— Irei te fazer umas perguntas e você me diz tudo. Desde de que seja verdade. — diz ela olhando em meus olhos.

— Demorou. Aceita alguma coisa? — digo pegando dois copos e uma garrafa de água deixando na mesa central que estava uma bagunça.

— Não. Vamos direto ao ponto? — diz ela em um tom ríspido.

— Qual foi Bree? Eu não gosto de graça. Se você quer fazer uma comigo é melhor ir embora. — digo a encarando com o cenho franzido.

— Só estou tentando trabalhar.

— Ontem estava tentando dar pra mim.

— Não repita isso! — diz ela se levantando e vindo até mim.

— Mas não é a verdade?

— Eu estava bêbada. Fiz as pazes com o Carlos e vamos nos casar.

— Vai se casar no seu sonho né? Ele não quer isso, não percebe? — pego um cigarro no bolso já vendo que aquilo tudo estava me estressando.

— Quer. Ele quer, só que isso tudo só vai ser possível depois que eu lançar minha matéria e campanha sobre a Rocinha.

— Então realmente temos que acabar com isso tudo logo e rapido. Já não aguento mais ver sua cara.

Ela imediatamente me encara triste e se senta novamente recompondo sua postura.

— Você gosta daqui? — pergunta Bree pegando um papel e começando a anotar.

— Gosto.

— Porque?

— Aqui é onde cresci.

— Responde mais profundamente. Você precisa impactar o público.

Respiro fundo andando de um lado pro outro e fumando, tentando encontrar as palavras certas para explicar o que sentia.

— A Rocinha é minha raiz, minha história. Nasci e cresci aqui. Passei por muita coisa, coisas que me fizeram ser quem sou hoje. É uma comunidade com muitos problemas, sim, mas também é cheia de pessoas incríveis, de histórias de superação. Aqui, as pessoas se ajudam, se apoiam. É uma verdadeira família, mesmo com todos os desafios que enfrentamos. E eu quero mostrar isso ao mundo, quero que as pessoas vejam aqui além dos estereótipos negativos que costumam associar a favelas.

Bree parece absorver minhas palavras, anotando tudo em seu papel.

— E o que você acha que precisa para melhorar? — ela pergunta.

— Educação, oportunidades, investimento em infraestrutura. As pessoas aqui são talentosas, têm potencial, mas muitas vezes falta acesso a recursos. Precisamos de escolas melhores, de projetos sociais, de empregos. Mas acima de tudo, precisamos de oportunidades para que os jovens não sigam o caminho da criminalidade por falta de opção. Em falar nisso você podia me ajudar com uma questão.

Explico pra ela a situação do posto de saúde e que já estava deixando a desejar da minha parte por não ter corrido atrás.

— Resolvo para você até amanhã. — ela junta seus papéis os colocando dentro da bolsa.

Me sento na frente dela e pego em suas mãos.

— Bree, obrigada. — digo isso mas minha vontade era de beijar seus lábios e aquela atração estava tomando conta de mim.

Ela me encara por alguns segundos deixando nossas mãos ainda juntas mas seu celular logo chega uma notificação tirando nós duas desse impacto.

Bree franzi o cenho ao ver o que acabará de ver no visor.

— Esta sim! Carol me mandou uma foto do convite do chá de bebê da Mirela, mas ela não falou nada. E não sei porque vai ser tão distante daqui.

Suspeitava que tudo que aquela amiga de Bree tivesse falado fosse verdade, mas não iria insistir neste assunto novamente.

— Talvez ela tenha esquecido. — digo tentando amenizar sua preocupação.

— Ela pode ter mandado pro Carlos.

Bree se levanta e se dirige até a porta. No mesmo instante alguém bate nela e vou para abrir.

— Caim? — digo engolindo um pouco em seco.

— Não sabia que estava com visita Morena, desculpa. — diz ele recuando para trás e aparentemente desconfortável.

— Não, ela já estava de saída. Entra logo.

Ele sorri e me dá um selinho na frente de Bree. A mesma olha aquilo com uma expressão indecifrável

— A chave do meu carro. — menciona ela.

— Sim, me desculpa. Ele tá...estacionado aqui no beco da frente, eu não tenho garagem, se você percebeu. — digo pegando as chaves em cima da geladeira.

Entrego as chaves pra ela me despedindo.

— Até logo. — diz enquanto sai.

Fecho a porta atrás de mim e vou para a sacada velha me juntando a Caim.

— Vocês treparam?

— Me respeita! Faz o favor.

— Responde Morena.

— Não Caim. E não é da sua conta. Viu, foi isso que falei. A gente tá levando isso pra uma parada meio sentimental.

— Então vamos dar um basta nisso! — diz ele um pouco alterado.

— Não é isso. Eu só não gostei da sua cobrança.

— Fico preocupada com você Morena, é só isso.

— Eu já sou bem grandinha e sei me cuidar.

— Agradece seu irmão por isso. — diz ele me olhando aparentemente com raiva.

— Sai daqui Caim. — engulo em seco aquilo e vou me dirigindo para a sala.

— Foi mal.

— Eu agradeço ao meu irmão sim, por ele ter me protegido até aqui. Mas depois que ele foi presso por burrice dele eu tive que parar de estudar, cuidar da minha mãe que ficou sem sair da cama por dois meses, e me sujeitar a fazer entregas dessas porras ilícitas para não morrer de fome.

Me altero completamente e percebo meu tom de voz subir e as lágrimas rolarem em minhas bochechas.

Caim vem até mim e me abraça vendo eu desmoronar por inteira me sentando no chão e enfim me entregando ao choro que estava guardado aqui a meses.

— Desculpa. — digo em soluços.

Ele limpa minhas lágrimas me dando um beijo na testa e me abraçando novamente.

Eu gostava desse insistindo de proteção que Caim tinha comigo, mas ao mesmo tempo não queria que essa nossa amizade acabasse como eu já vi acontecer por conta do que chamamos de fuga.

— Acho melhor eu dar o fora. — diz ele se levantando.

— Não, por favor. — seguro em seus braços e ele me olha com carinho.

Caim me puxa gentilmente e nos acomodamos juntos no sofá. Ele me abraça novamente, e confortavelmente me acomodada em seu colo, sinto meu cansaço e todas as tensões do dia finalmente se dissipar. Deixo-me levar pela sensação de segurança que ele me proporcionava e, antes que eu perceba, adormeço.

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