07

MARIANA

Os dias seguintes não foram muito diferentes.

O patrão era sempre seco, mas a moça já estava acostumada, não se sentia de nenhuma forma ofendida.

Ela viu o rapaz como uma criança ferida, uma alma perturbada, por isso ignorava os grunhidos e rosnados que vinham dele.

Mariana desenvolvera a paciência depois que os sobrinhos nasceram por isso, quando o patrão agia como criança, ela fingia não perceber.

Ele sempre reclamava de tomar os remédios, mas no final acabava tomando tudo, mesmo de cara feia. Parecia que ele tinha que reclamar antes e depois aceitava de bom grado tomar o remédio.

O pai não visitara mais o filho e nem houvera mais nenhuma tempestade de fúria do patrão. Tudo corria relativamente bem.

Naquele dia, o sr. Eduardo saíra com o motorista, ele tinha uma consulta com o médico ortopedista e Mariana aproveitou para limpar o escritório, que estava sempre ocupado pelo patrão e assim ela não limpava tudo.

Espanou os cantos mais altos usando uma escada que havia ali. Aproveitava para ler a contra capa dos livros na estante, maravilhada pela diversidade das estórias.

Amava ler, principalmente romances de época, por isso estava particularmente distraída com uma edição linda de ‘Orgulho e Preconceito’, quando ouviu uma voz dizer:

- O quê você está fazendo?

Era Eduardo.

Mariana tentou colocar o livro no lugar, mas se desequilibrou.

E tudo que pode esperar foi o impacto do seu corpo com o chão.

#

EDUARDO

Mais uma consulta sem fundamento.

Não entendia porquê o pai insistia em levá-lo a especialistas.

Seu caso não tinha solução.

Era um aleijado.

E ficaria assim até morrer.

Quando Pedro o ajudou a entrar na casa e subir no elevador que o levaria ao terceiro andar, suspirou, aliviado.

Não queria mais ouvir promessas vazias dos médicos.

Não se submeteria a cirurgias.

Sua pena era ficar preso àquela cadeira pelo resto da vida.

Quando saiu do elevador foi direto para o escritório, queria ler algum livro para se distrair.

Mas levou um susto ao ver a moça que o ajudava ali, pendurada numa escada, limpando a prateleira mais alta da estante.

Na verdade, ela não estava limpando.

Ela folheava um livro.

E parecia estar sorrindo.

- O quê você está fazendo?

Não quis assustá-la, a verdade era que já tinha se acostumado com aquela jovem, ela era calada e não o importunava.

Mas a pobre moça se assustou, como se estivesse cometendo um crime.

Ela tentou se segurar, mas os degraus da escada eram estreitos demais e, então, caiu.

A altura era suficiente para quebrar um braço, uma perna ou ter uma concussão, por isso ele movimentou a cadeira rapidamente e conseguiu evitar algo pior.

A moça caiu diretamente em seu colo.

- Meu Deus... – ela falou – Sr... Sr. Eduardo, perdão. – dizia sem parar, com a mão no peito.

E foi aí que ele percebeu uma coisa.

Uma coisa que Eduardo pensou que nunca mais perceberia em ninguém.

Aquela era uma moça bonita. Não era uma beleza estonteante como era Rafaella, mas uma beleza simples. Os olhos castanhos eram claros e pareciam caramelo, naquele momento estavam arregalados do susto e pareciam tão bonitos, a pele pálida com algumas sardas no nariz fino, a boca carnuda e vermelha, que continuava falando sem parar.

- O senhor está bem? – perguntou, tentando se levantar, mas Eduardo nem tinha percebido que a segurava com uma certa determinação.

- Estou bem. – disse enquanto a soltava e sentia como se algo o aquecesse por dentro.

E dessa vez era verdade.

Ele estava bem e isso era o mais estranho depois de todo aquele tempo.

#

MARIANA

A jovem estava satisfeita com o seu novo emprego. Há pouco mais de um mês trabalhava ali e, apesar do mau humor do patrão, o trabalho em si não era pesado.

No início fora bem difícil, o homem era bem rude, mas agora ele melhorara.

Não, não se engane.

Ele não tinha se tornado um anjo, com voz suave ou sorriso no rosto. Mas, pelo menos, não rosnava, grunhia ou gritava.

Ultimamente até conversavam amenidades (está chovendo? está fazendo sol?) enquanto ela limpava.

Além disso, o homem não ficava mais o tempo todo trancado no escritório, o que já era algo a se comemorar.

Naquela tarde, aproveitou que Eduardo tinha saído para uma consulta médica e pediu a Marta algumas horas de folga.

Mariana queria ir até os sobrinhos, tinha comprado alguns brinquedos para eles, com o primeiro salário que recebera.

A governanta disse que ela poderia ir, uma vez que ainda não usara nenhuma folga semanal que tinha direito.

A moça escolheu um vestido florido longo que ganhara dos sobrinhos no último natal e uma sandália sem salto. Pegou a bolsa, colocou os documentos e um pouco de dinheiro dentro e saiu.

Depois de alguns minutos no ônibus, desceu na esquina da rua em que morara por anos.

Era bom voltar ali, ver as pessoas na vizinhança, as crianças brincando na rua, lembrava-se do tempo em que fora parte de uma família, o tempo em que tinha sido realmente feliz.

Percebeu que algumas senhoras que era vizinhas dela, olhavam para ela e cochichavam, mas ignorou. Só queria ver os meninos e saber se estavam bem. Sentia muita saudade das crianças, só precisava vê-los.

Parou em frente à casa de portão gradeado e parede branca, com o número 41. Respirou fundo e apertou a campainha.

Minutos depois ouviu alguns barulhos e Igor, o sobrinho mais velho, veio correndo em sua direção. O menino tinha oito anos, mas parecia ter crescido nos últimos tempos. Sentiu o coração enchendo de amor ao ver a criança de cabelos castanhos lisos e olhos risonhos. Ele parecia lindo como sempre.

- Meu amor! – ela disse quando ele chegou ao portão.

- Tia? – o menino disse sorrindo – Ana! A tia tá aqui. – ele gritou antes de impedi-lo.

E esse foi um grande erro.

Porque ao invés de a sobrinha mais nova de cinco anos vir, foi sua irmã quem apareceu.

Furiosa.

Ela veio com tanta raiva no rosto que Mariana se afastou um pouco do portão e deixou a sacola com os presentes cair ao pé do portão.

- Eu... – tentou dizer, mas logo sua irmã a atacou. A criatura agarrou nos cabelos da outra e os puxou, com ódio.

- Como você ainda aparece aqui, sua vagabunda? – ela puxava a cabeça de Mariana com tanta força que a jovem começou a ver estrelas – Sua imunda, eu disse que não pisasse aqui! Você destruiu minha vida!

Ela sentia tanta dor no couro cabeludo que gemeu.

- Irmã... – ela implorou, sem saber muito bem pelo que, mas a outra não ouvia. A irmã bateu no rosto de Mariana com toda a força, diversas vezes, proferindo os piores insultos e calúnias.

A moça não conseguia revidar ao ataque, a outra mulher era mais forte e a surpresa com que tudo aconteceu tirara sua capacidade de agir.

A surra só terminou quando uma das vizinhas conseguiu tirar a irmã mais velha e levá-la para dentro, junto com as três crianças que choravam inconsoláveis.

- Vá embora, Mariana. Não apareça mais aqui. – uma das vizinhas falou – Não basta ter roubado o marido da sua irmã? O quê você quer mais?

Ela olhou para a mulher sem entender.

Então a irmã dissera isso aos vizinhos?

- Vá. Esqueça essa família. – a mulher disse empurrando a moça.

Mariana não discutiu, ela não conseguia falar naquele momento.

Apenas saiu, anestesiada, andando sem rumo.

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Comments

Marcia 🌻

Marcia 🌻

Nossa coitada é difícil ser julgada sem fazer nada 😔 fiquei com dó da Mariana 😐😐

2023-12-20

4

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