MARIANA
Voltaram para a mansão por volta das sete horas da noite. Mariana tinha apenas uma pequena mala no quarto da pensão, nada mais além disso. Quando ela e o motorista retornaram encontraram Marta esperando.
- Vamos, menina. Vou mostrar seu quarto e o terceiro andar. - a mulher disse, apressada. Mariana pensou que a governanta estivesse aflita, mas suspeitava que aquele era o seu jeito natural, ela parecia sempre estar com pressa.
A mulher mais velha levou a moça até um pequeno elevador que havia na lateral da cozinha, as duas entraram e a governanta apertou o número três no painel.
- Você pode usar esse elevador ou as escadas, o que preferir. - explicou – Vou mostrar tudo para você.
Poucos segundos depois, a porta abriu e Mariana viu um cômodo muito amplo, todo decorado em tons escuros.
- Aqui é a sala de estar. - Marta apontou para o cômodo à esquerda. Era uma sala ampla, com um sofá cinza, uma televisão na parede e uma estante com alguns objetos de decoração. Tudo era impessoal, nada estava fora do lugar e nem tinha rastros de que estava habitado, não havia fotos nem quadros que humanizassem a paisagem.
As duas andaram até o corredor e a mulher mais velha abriu a primeira porta.
- Aqui é a cozinha. - o cômodo era uma réplica da cozinha que Mariana já conhecia, tons escuros e objetos de tecnologia avançada adornavam o espaço. A mulher mais velha abriu os armários, mostrando os utensílios e mantimentos que havia ali.
Saíram para o corredor novamente e entraram em outra porta que levava ao quarto de Mariana, um cômodo mais simples, com uma cama de casal, um guarda-roupa, uma penteadeira e uma escrivaninha.
- Pode deixar suas coisas aí, querida. - Marta falou, sorrindo – Venha aqui. - disse enquanto ia até uma porta no canto do quarto – Aqui é o seu banheiro particular. - o pequeno cômodo era simples, mas tinha tudo que a moça precisava.
As duas voltaram para o corredor, mas não avançaram. Marta tocou o braço da moça e disse:
- Ali é o escritório e o quarto do Sr. Eduardo. - a governanta apontou e de repente, sem explicação, Mariana se sentiu nervosa, não sabia o que esperar daquele homem depois de tudo que ouvira sobre ele - Acredito que você não vai vê-lo...
Antes que a mulher pudesse terminar a frase, a porta foi aberta e de lá saiu um homem numa cadeira de rodas automática, ele não notara a presença das duas, por isso Mariana aproveitou para examiná-lo.
Era um homem de cabelos castanho-claros lisos, que pareciam precisar de um corte, pois caíam pelo rosto dele. Ele parecia alto e magro, as pernas pareciam grandes demais para aquela cadeira. Vestia um conjunto de moletom de cor preta e os pés estavam calçados com um tênis também preto. Ele exalava uma aura de autoridade, raiva e melancolia.
Quando os olhos azuis frios dele se fixaram nela, Mariana quis se esconder atrás da governanta. Era um olhar azul frio e perfurante, nada acolhedor, que lhe causou calafrios.
- Boa noite, Sr. Eduardo. - Marta disse numa voz calma – Esta é Mariana, a nova empregada. Ela vai ajudá-lo.
O homem a encarou sem piscar, sem fazer nenhum gesto.
- Eu não preciso de ajuda, Marta. Pode mandá-la embora. - falou enquanto se virava e entrava no quarto novamente.
Mariana fechou os olhos e sentiu o sangue gelando nas veias.
A maré de sorte tinha durado menos que o esperado.
EDUARDO
- Sr. Eduardo, perdão, mas a contratação dela foi uma ordem do seu pai. - Marta disse, calma – O Sr. Geraldo disse que, caso você a despedisse, desconsiderássemos a ordem.
A voz da empregada fez com que Eduardo parasse a cadeira. Ele não se virou para falar com a mulher.
Ele apertou as mãos em punho, tentando conter a raiva que sentia. Não bastava ter sido exilado na própria casa, agora era desautorizado pelo pai.
- Então, além de tudo, também perdi minha autoridade nesta casa. - disse, rilhando os dentes.
- Sr. Eduardo, eu só cumpro as ordens. - a governanta respondeu.
Apesar de tudo que sofrera naqueles meses, não ia discutir com a empregada. A traição, o acidente, não tiraram a sua humanidade totalmente. Eduardo a conhecia desde pequeno, ela fora uma parte importante de sua infância, não era capaz de desrespeitar a mulher que considerava como uma parte da família.
- Marta… - começou, um tom cansado, um pouco áspero.
- Senhor, vamos. - parecia que a mulher não se importava com os protestos dele – Mariana é uma boa moça e está disposta a ajudá-lo no que for preciso. - ela empurrou a cadeira dele para dentro do quarto e fechou a porta – Eu sei que você está triste, menino, todos nós estamos.
Era assim que Marta o tratava, como um menino, mesmo que ele já tivesse 35 anos. Ele sabia que ela o tratava de maneira formal apenas na frente de pessoas estranhas, mas a mulher sempre o tratou com carinho, como se ele fosse filho dela.
Ela era carinhosa com ele, amorosa e paciente, mesmo nos dias que ele se comportava como um garoto birrento.
- Você sabe que nós estamos tristes por você e por eles. - ela falou se referindo a Edgar e Rafaella – Mas a vida continua, menino. Você não pode ficar sozinho aqui, seja menos orgulhoso e aceite a ajuda da moça. E você sabe que precisa de ajuda.
A verdade era que os empregados não sabiam da história completa, ninguém sabia que o filho que a esposa carregava era fruto da traição… todos pensavam que ele estava apenas enlutado pela perda.
- É claro... eu sou um imprestável, mas devo dizer que foram meus queridos pais que me isolaram aqui, Marta. – relembrou, magoado – Minha mãe preferia me ver no túmulo, dentro de um caixão. Eu não preciso de ninguém. - disse, teimoso, afastando-se da mulher.
Não queria que Marta sentisse pena dele, não ia se tornar fraco só porque estava preso àquela cadeira, não queria que ninguém tivesse pena dele.
Sabia que tinha que sofrer, conformar-se com a vida preso à cadeira de rodas, aquele era seu castigo.
Ele ouviu a mulher suspirar, resignada.
- Não seja duro com essa garota, menino. - ela pediu – Lembre-se que ela está aqui apenas para fazer o trabalho dela. E seu pai irá mantê-la aqui de qualquer jeito, é para o seu bem.
Logo em seguida ouviu a porta ser fechada e estava sozinho novamente.
Sabia que Marta tinha razão, mas naqueles dias não agia racionalmente. A raiva era tudo que sentia, era seu alimento dia após dia.
A raiva o tornava forte, ele não chorava, não sentia saudade. Não sentia pena de si mesmo. Apenas raiva, pura e latente.
Se o pai pensava que poderia controlá-lo, estava enganado. Ele não precisava de cuidados, estava aleijado, mas ainda conseguia se virar sozinho. Provaria a todos que estava melhor sem companhia e, se precisasse infernizar a vida daquela moça, ele faria, sem remorso nenhum.
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