Cuidado De Amar

Cuidado De Amar

01

MARIANA

Bebeu mais um gole de café e circulou o último anúncio nos classificados do jornal. A vaga era para empregada doméstica e, diferente das outras ofertas, aquela não exigia experiência prévia, nem um mínimo de idade, apenas informava que a pessoa deveria dormir no local de trabalho com uma folga por quinzena, além disso o salário era mais do que ela precisava para sobreviver no mês.

Olhou para o relógio no pulso e cogitou se seria adequado ir até a casa do anúncio naquela hora, quase 17:00. Lembrou que aquele café foi comprado com as últimas moedas que tinha, o quarto da pensão em que ela estava só havia sido pago até aquela noite, o desespero tomava conta dela, precisava de um emprego o mais rápido possível.

O endereço era próximo da cafeteria, então não custava nada tentar. Com um suspiro de cansaço, Mariana levantou-se da cadeira, pegou a bolsa e saiu. Tinha começado a procurar emprego às 08:00 da manhã, sentia-se desanimada e cansada, recebeu respostas negativas em todos os locais que visitou, tinha tentado todo tipo de vaga: secretária, auxiliar de escritório, empregada doméstica… mas parecia que ela não era adequada para nada.

A jovem moça de 28 anos não tinha experiência no mercado de trabalho, apesar de ter formação técnica em enfermagem. Mas durante toda a vida só se dedicou a serviços domésticos, nada mais. A morte dos pais em um trágico acidente, quando ela estava no ensino médio, mudou o rumo das coisas.

Mariana era a mais nova de três irmãos. O mais velho saíra de casa muito cedo, em busca de uma carreira artística e se falavam muito pouco, enquanto sua outra irmã já tinha um emprego e era noiva de um rapaz da vizinhança. Quando os dois se casaram, ela foi morar com o jovem casal e, para “pagar” sua estadia na casa, fazia todos os serviços domésticos sem reclamar. Depois do nascimento dos sobrinhos, ela se dividia entre os cuidados com as crianças e os afazeres da casa.

Aquela vida simples era bastante para Mariana, não queria nada além de estar ali com a família, mas de repente tudo mudou. Em uma noite em que dormia na cama da sobrinha mais nova, o cunhado apareceu e tentou violentá-la. O homem nem mesmo se importou se a filha dormia ao lado da tia, ele tocou as partes íntimas de Mariana como se tivesse direito sobre ela. A moça tentou afastá-lo e chutá-lo, mas ele só soltou a cunhada quando a esposa entrou no quarto e o.pegou em flagrante.

A irmã nem quis ouvir Mariana, puxou a moça pelos cabelos e a expulsou de casa, afirmando que ela era uma traidora e uma prostituta.

Sentiu que as lágrimas que vinha reprimindo há alguns dias começavam a fugir dos olhos, por isso respirou fundo, limpou o rosto e seguiu. Não ia permitir que a dor da injustiça que sofreu a afetasse. Não deixaria que a tristeza tomasse conta dela, precisava do emprego, era imprescindível que estivesse bem quando chegasse ao local da vaga.

Poucos minutos depois parou em frente ao número 2708, um enorme portão de ferro ladeava o jardim da casa. A moça apertou a campainha e esperou. Alguns minutos depois, uma senhora rechonchuda de meia-idade, de cabelos cobreados presos em um rabo de cavalo, que trajava um uniforme branco, veio em sua direção, parecendo apressada.

- Pois não? – a mulher falou educadamente, a senhora parecia aflita, provavelmente não era a melhor hora para ir atrás daquela vaga.

- E-eu vim pela vaga de emprego. – gaguejou e mostrou o jornal – Mas se não for um bom momento...

- Não, querida, entre. – a mulher abriu o portão e permitiu que a moça entrasse – Nós estamos um pouco atarefados…

Então a mulher, que se identificou como Marta, a governanta da casa, explicou que o patrão, Sr. Eduardo, chegara do hospital há poucos dias, depois de algum tempo internado.

Ela explicou que essa era a razão da vaga, a pessoa ficaria responsável por ajudar o homem, servi-lo e cuidar da limpeza dos cômodos em que ele ficava.

As duas entraram numa cozinha enorme, decorada em detalhes escuros e com os aparelhos de última geração. A mulher falava sem parar e explicava que a casa na verdade era uma Mansão de três andares. O patrão ocupava o terceiro andar que tinha a suíte dele, um escritório, além de uma pequena cozinha e, claro, o quarto que a nova empregada ocuparia. O andar de baixo e o intermediário eram ocupados apenas pelos pais do homem, mas estes já eram servidos pelos outros empregados.

A mulher não disse quantos empregados havia ali, mas a moça percebeu que precisaria de muita gente para manter aquela casa limpa. Marta não pediu referências, nem currículo, apenas perguntou quando Mariana poderia começar. Não sabia se aquilo era bom ou mau sinal, mas não estava em condições de desperdiçar um trabalho.

-Bem... – começou, sem saber se tinha entendido o que a governanta dissera.

- Eu sei que parece tudo apressado, mas estamos precisando de uma pessoa com urgência. Você acha que pode fazer tudo, querida? – a mulher perguntou, parecendo esperançosa.

- Claro que sim, senhora. - disse, embora tivesse receio de decepcionar a mulher e, claro, o homem que seria seu patrão.

- Então não vejo razão para que não comece imediatamente. – a mulher mais velha afirmou, sorrindo.

- A-agora? – perguntou confusa.

- Sim. Você tem filhos ou marido? - a mulher perguntou, preocupada – Talvez esse seja um problema.

- Não. Eu... – ela respirou fundo – Eu estou sozinha no mundo, mas não trouxe roupa, nem nada mais. Preciso ir até... – ela suspirou – até onde estou hospedada e pegar minhas coisas.

- Tudo bem. Posso pedir ao Pedro para ir até lá com você. – vendo que a moça não sabia quem era o homem, ela sorriu e completou – Ele é meu marido, é o motorista da casa.

- Ah, tudo bem. – Mariana disse, embora não estivesse menos nervosa. Aquilo tudo parecia ser sorte demais para ela.

A grande verdade sobre Mariana era essa: ela não tinha sorte, em nada... há poucas horas estava sem esperanças e, de repente, tudo parecia dar certo. Era estranho. MUITO estranho.

Ainda sentindo o corpo anestesiado pela sorte repentina, entrou no carro preto que esperava por ela e encontrou um homem de cabelos grisalhos, vestindo roupas formais, ao volante.

- Boa tarde. – disse, enquanto tentava se acomodar no banco de couro de cor creme.

- Boa tarde, senhorita. – o homem falou – Para onde vamos?

A moça explicou o caminho para ele e durante o percurso os dois conversavam sobre o patrão. Na verdade, o homem, sr. Pedro, era quem falava, explicou que aquela família era muito rica e importante, o patrão mais velho, Geraldo, era dono de indústria têxtil, e o mais novo, Eduardo, era o braço direito do pai, até o dia em que sofreu um acidente.

- Infelizmente, o sr. Eduardo sofreu um acidente terrível. – lamentou – Uma fatalidade. - o homem respirou fundo e continuou - A esposa e o irmão do patrão morreram, enquanto ele ficou preso àquela cadeira de rodas.

O motorista, que parecia gostar muito de contar histórias trágicas, falava que tudo era pior porque a moça estava grávida, então a situação se tornava mais triste.

Mariana ainda nem conhecia o tal homem, mas ficou comovida com a história. Ela sofrera perdas suficientes para entender a dor.

- Sinto muito por tudo isso. - disse.

- Nós também, menina. Ele passou meses internado, entre a vida e a morte. Voltou do hospital há poucos dias e não parece o mesmo de antes, é ranzinza e quer sempre ficar sozinho. Além disso, a mãe dele… - o homem não completou a frase, deu um suspiro de lamento e continuou - Não fique triste se ele for duro, menina. Ele é como um animal ferido, está acuado, dolorido, mas é uma pessoa maravilhosa.

Mariana não disse nada, de certa forma já estava habituada a ser tratada com dureza, por isso só suspirou e pediu forças aos céus para suportar mais isso, precisava daquele emprego e estava disposta a aguentar o que fosse preciso para mantê-lo.

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Comments

Ana Maria Rodrigues

Ana Maria Rodrigues

tô gostando da narrativa acho que vai ser maravilhoso

2023-12-21

0

Nicole Fernandes

Nicole Fernandes

Vamos começar

2023-07-18

3

Ver todos

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