Última vez

-É retrógrado, mas é assim que tem que ser. Você vai ganhar roupas, jóias, carros, terá empregados de todos os tipos, que mulher não quer isso?

-Eu não quero, pelo menos não desse jeito. Meu pai era milionário Tyler, antes de me trancafiar, ele me dava de tudo. Eu já tive um vida luxuosa, não é nenhuma novidade pra mim. Eu prefiro ter escolha, do que ter dinheiro.

-Mas você tem escolha... É a morte ou o leilão. -Perco um pouco a paciência e acabo soando com rispidez.

Lucy se cala e encara as mãos por um tempo, eu entendo a menina... Que merda de opções ela tem, mas pelo menos ficará viva e a maioria das mulheres vendidas para máfia são felizes e bem tratadas, lógico que tem aquelas que dão azar de cair na mão de algum troglodita, mas isso não vai acontecer com ela, assim espero!

O restante da tarde passa se arrastando, Lucy pega no sono, ainda fraca pela má alimentação, mas com o rosto um pouco mais corado, a menina é forte. Ouço uma batida na porta e me levanto para abrir.

-Sra Harrison. -Cumprimento.

-Tyler, vim avisar que o cirurgião já chegou. Onde está a moça?

-Está dormindo. -Me afasto da porta, abrindo o campo de visão para a senhora. -Vou acordá-la e desceremos.

-Ela é linda, não acha? -Sra Harrison me encara com uma expressão que desconheço.

-Sim, realmente.

-Charles me contou que você deu a ideia de leiloá-la. Pretende fazer algum lance?

-Não, senhora. Uma esposa não está nos meus planos, é incompatível com a vida que eu levo.

-Mas ela gosta de você, deu pra ver pela forma como ela se esconde atrás de você, se agarrando em seu braço. Ela se sente segura ao seu lado.

-É compreensível, fui eu quem a libertou daquela jaula. É só um comando do subconsciente dela...

-Não acho que seja só isso... Mas enfim, Charles está esperando junto ao doutor Pavlovic, na sala de operações. -Ela vira de costas e aos poucos some de vista.

Caminho até a cama e me permito admirar a bela dama dormindo esparramada em cima dos lençóis, lábios cheios e rosados, algumas sardas espalhadas pelas bochechas e nariz, cílios longos e avermelhados como os cabelos. É a última vez que a verei, depois de acompanhá-la até a sala de operações, será o fim da nossa história... Poderei retomar minha vida e ela irá recomeçar a dela.

-Lucy, acorde. -Todo seu ombro e ela desperta.

-Está na hora? -A sonolência dá lugar ao alerta.

-Sim, vamos.

Lucy se levanta e respira fundo, se preparando para o que está por vir, descemos às escadas até o saguão, atravessamos alguns cômodos e descemos mais um lance de escadas para o subsolo da residência, onde existem os mais variados tipos de cômodos, para tortura, operações virtuais, operações médicas, porão, e etc... Entramos na sala de operações médicas onde Charles e Pavlovic nos aguardam.

-Olá, senhorita White. -Doutor Pavlovic cumprimenta e eu sempre tenho vontade de rir do sotaque dele. -Me chamo Adam Pavlovic, sou médico cirurgião há uns 30 anos. Então fique tranquila que estará em boas mãos.

-Pavlovic, sem enrolação. Quero esse pendrive nas minhas mãos ainda esta noite.

-Isso depende da complexidade da cirugia, Capo. Não posso garantir o tempo, sem antes avaliar o caso.

-Certo, mas não enrole. -Charles murmura rabugento. -Tyler, vamos deixar o doutor trabalhar. -Ele abre a porta e mantém aberta para que eu também saia.

Antes de sair vejo que Lucy me olha assustada e com os cantos dos olhos cheios de lágrimas, meu coração aperta e acho isso incrível, por que na maioria das vezes me esqueço que tenho coração, só que agora não há mais o que fazer e me surpreendo por uma parte de mim ter ficado triste com isso.

Ouvimos um reboliço vindo da sala de operações e logo a porta se abre, Pavlovic nos olha exasperado, passa as mãos pelo rosto frustrado e suspira.

-A garota é impossível, disse que só vai me deixar anestesiá-la, se antes puder falar com Tyler. Está fazendo um estardalhaço lá dentro.

-Tyler! -Charles me olha furioso. -Resolva isso. -Ordena.

Confirmo com a cabeça e volto até a sala onde a ruiva está, quando entro ela está sentada no chão, encolhida num canto da parede, ela levanta o rosto embrulhado em lágrimas e seus olhos encontram os meus.

-Tyler! -Ela corre em minha direção e se agarra a mim. -Estou com medo, com muito medo. Eu vou morrer nesta mesa, sei disso.

-Shhh. -Afago os cabelos da menina. -Você não vai morrer, vai ficar tudo bem. Eu prometo.

-Não sei se devo confiar em você. -Ela sussurra...

-Você não tem escolha, menina. Fique calma e deixa o doutor fazer o trabalho dele, quanto antes ele começar, antes ele acaba.

-Está bem. -Ela respira fundo e me solta. -Mande-o voltar, vamos acabar com isso.

-Vai dar tudo certo. -Me viro em direção a porta.

-Tyler! -Lucy chama e eu paro. -Nunca mais vou ver você, não é?

-Nunca mais. -Repito, me virando para encara-la.

-Então, obrigada. -Ela sorri e eu saio, fechando a porta atrás de mim.

-Pavlovic, a menina está pronta. -Digo quando chego ao fim do corredor, me juntando ao doutor e ao Capo.

-Que porra foi essa, Tyler? -Charles indaga quando o doutor retorna a sala.

-A menina só estava assustada, chefe. Acha que vai morrer na mesa de cirurgia.

-Bem, se isso acontecer, perdemos o conteúdo do pendrive. E por que a garota te trata como um protetor?

-Não sei, talvez ela me enxergue assim, eu quem a tirei da jaula.

-Não, Ty. Você é grande mas tem coração mole, deve ter tratado a menina como hóspede e não como prisioneira.

Apenas sorrio, se ele soubesse a forma como tratei a garota, diria que foi bem mais do que como hóspede e com certeza eu ouviria uns bons sermões. Devo confessar que algo em Lucy mexe comigo, me desarma e eu tratei ela como nunca trataria alguém que acabei de conhecer, ainda mais sob essas condições. Acho que ela já sofreu demais na vida e merecia um pouco de gentileza e cuidado. Os olhos dela naquela sala, quando se despediu e me agradeceu ficaram marcados na minha mente, estampados como uma tatuagem e algo dentro de mim, me faz desejar que essa não tenha sido a última vez que nos vimos.

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