Retrógrado

Dentro do carro, já à caminho da residência dos Harrison, Lucy toca meu ombro e seus olhos penetram profundamente os meus.

-Tyler, obrigada por me fazer sentir viva pelo tempo em que esteve comigo, eu senti raiva de você, afeição, gratidão e coisas profundamente carnais que há muito tempo eu não sentia. Sei que você fez o que pôde por mim e sei que o que vai acontecer daqui pra frente não tem absolutamente nada a ver com você. Eu não te culpo.

-Lucy... -Penso no que posso dizer a ela, mas não tenho a menor ideia.

-Senhor, chegamos. -Oswald anuncia do banco da frente.

Eu não prestei atenção no caminho, a única coisa em que me concentrei foi a ruiva ao meu lado, chorando baixinho, absorta em seus pensamentos, encarando a paisagem sem realmente enxergar. Eu gostaria de poder fazer mais por ela, gostaria que ela não tivesse nada a ver com isso, mas o que posso fazer? Como ela mesma disse, o que acontece à partir de agora não tem absolutamente nada a ver comigo. É o fim dessa história.

Entramos na mansão dos Harrison e quando chegamos encontramos Charles e Judith esperando nossa chegada.

*Judith e Charles Harrison*

Aperto a mão de Lucy tentando consolá-la de alguma forma, ela me olha intrigada e entristecida. Sinto muito garota...

-Ty! Meu querido. -Sra Harrison caminha em minha direção e me abraça. -Como você está?

-Estou bem, Sra Harrison. Espero que também esteja.

-Estou querido. Tentando convencer o Charles a me dar um cãozinho, mas ele é impossível.

-Querida, deixemos isso pra depois, okay? -Charles se levanta e dá um beijo na testa da esposa, logo em seguida me cumprimenta com um aperto de mão. -Ty, tudo certo?

-Sim, senhor. Tudo certo!

-Então, esta é a pobre filha do maldito White? -Pergunta se dirigindo a Lucy, que praticamente se esconde atrás de mim.

-Sim, senhor. Sou eu. -Ela confirma.

-E você pode me explicar por que você é importante pra mim, querida? Por que devo mantê-la viva?

Lucy começa a contar a mesma história para Charles, sobre o pendrive, o conteúdo e todas as outras informações, Charles ouve atentamente e balança a cabeça em afimartiva, indicando entender o que está sendo dito.

-Bom, querida. Temos um cirurgião de nossa confiança e chamaremos ele para avaliar. Depois de tirar o pendrive, você não terá mais serventia, e infelizmente você sabe demais...

-Não, senhor! Por favor, eu juro que nunca conto nada a ninguém. Por favor, não me puna pelos erros do meu pai.

-Tyler, pode vir aqui um instante? -Charles caminha até o fundo do saguão e eu o acompanho. -Sabe que não há outra forma, não é? Temos que matá-la. Pobre garota...

-Na verdade, estive pensando... O senhor poderia vendê-la. Ela é jovem e bonita, não é mais virgem, mas acredito que pagariam um bom preço por ela.

-Ela não é mais tão jovem assim, tem quantos anos? 25, 26?

-Por aí... Mas ela ainda pode gerar herdeiros, tem boa aparência, se bem cuidada ela seria uma das senhoras mais bonitas da máfia americana.

-Tem razão. Vou mandar o Ernest preparar a lista de compradores, depois de conseguirmos o que queremos, ela será leiloada.

-Excelente decisão, senhor.

Olho para Lucy, parada de pé em frente a lareira de pedras claras, seus cabelos parecem fazer parte das chamas, pelo menos consegui um leilão para ela, não morrerá, afinal.

Charles sai da sala para ligar para o tal cirurgião mafioso, Judith o acompanha e eu me aproximo de Lucy no objetivo de tentar acalma-la.

-Ele concordou em leiloar você. Pelo menos não vai te matar.

-Ele não, mas e o cara que me comprar?

-Dificilmente um senhor da máfia maltrata sua esposa, se você souber se comportar, será tratada como uma princesa. Não vê Judith? Ela também foi leiloada e hoje, ela e Charles são inseparáveis.

-Mas isso não acontece em todos os casos, Tyler. Enfim, pelo menos eu ganho algum tempo...

-Querida, tenho uma boa notícia, o cirurgião chega esta noite, então logo estaremos livres de você. Enquanto isso, Tyler leve-a para um dos quartos e fique com ela lá, não quero risco de fuga. -Charles retorna ao lado de Judith, com um charuto na mão.

-Sim, senhor. Com licença.

Começo a andar e Lucy prontamente caminha atrás de mim, me seguindo pelas escadas até o amplo corredor de acesso aos quartos e demais cômodos, entro no primeiro quarto de hóspedes que vejo e me sento na poltrona de couro preta ao lado da cama espaçosa, king size.

Conheço Charles há muitos anos e apesar dele ser uns 15 anos mais velho que eu, ele me trata como um pai, a senhora Harrison também me trata como membro da família, embora seja pouco mais velha que eu. Conheço essa casa como a palma da minha mão, já dormi aqui várias vezes depois de ser atingido por algum golpe ou alguma bala. Eles sempre cuidam de mim e me pagam extremamente bem por cada alvo eliminado.

Lucy se joga na cama de bruços, com os pés pendurados pra fora. Ela fecha os olhos com força e cruza os braços embaixo do rosto. Imagino o tanto de coisas que estão passando pela cabeça dela agora e em nada posso ajudá-la.

-E se eles não puderem tirar o pendrive sem me matar? Vou morrer numa mesa de cirurgia...

-Não vai. Eu conheço o tal cirurgião, doutor Pavlovic, ele é croata. Já me operou várias vezes...

-Jura? Que tipo de operação? -Ela levanta a cabeça, realmente curiosa.

-Extração de balas, estilhaços, facas, e outros objetos que se usamos em conflitos. Também já me costurou várias vezes, cuidou de hemorragias internas, coágulos e etc...

-Você é todo retalhado, parece o Frankstein.

-Pareço, não é? -Não posso evitar rir dessa comparação. -É por isso que tenho tantas tatuagens, elas são como camuflagens para as cicatrizes.

-Eu gosto das suas tatuagens... -Ela faz uma pausa e se senta sobre as pernas cruzadas. -Você acha mesmo que eu posso ser feliz? Quero dizer, num casamento forçado?

-Acho. Muitas mulheres são felizes assim. É só você se comportar bem, tratar bem seu marido, estar disponível pra ele...

-Você quer dizer dar pra ele mesmo se eu não quiser, não é? Como eu vou fazer isso? É desumano...

-Desumano foi o que seu pai fez com você. Mulheres dormem com caras por dinheiro desde o começo do mundo, no seu caso, você fará em troca de bom tratamento.

-Que coisa mais retrógrada...

***Esta obra está sob contrato com a NovelToon, e a pirataria, como a reimpressão sem permissão, é estritamente proibida.***

***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***