Amanhã

Acordo com um estrondo vindo do andar debaixo, a garota está tentando fugir, tenho certeza. Me levanto e amarro o cabelo num coque bagunçado, saio do quarto e desço as escadas, ouço mais uma vez um barulho forte de alguma coisa se chocando, o barulho vem da cozinha. O que essa doida está fazendo?

Paro de frente à cozinha e encosto no batente da entrada, Lucy joga insistentemente uma das minhas cadeiras caras de madeira de sândalo, sobre a parede de vidro que dá para o quintal. Pobre garota, esse vidro nunca vai se quebrar, é blindado. Rio por dentro e assisto a cena repetidas vezes até ela desistir e sentar no chão chorando.

-Foi um belo espetáculo. -Me aproximo e paro de frente para ela.

-Eu tinha que tentar fugir, mas isso aqui é uma fortaleza. -Ela chora ainda mais alto.

-Ouça, pequena. -Me abaixo e levanto o queixo dela entre meus dedos, forçando-a a olhar em meus olhos. -Só aceite seu destino, eu já disse que vou lhe arranjar um leilão, pelo menos ficará viva.

-Mas a que custo, não é mesmo? Pra você é fácil falar. Não é você que está passando por essa merda toda. Amanhã sua vida vai se resolver e seguir normalmente, mas e eu? Aposto que você não vê a hora de se livrar de mim, que não lhe importa nem um pouco o que vai me acontecer, você só quer sua paz de novo e eu nem posso te culpar por isso.

-A decisão é sua, pode passar o resto dessa noite em paz ou ficar se corroendo até amanhã. Eu vou voltar para o meu quarto e dormir tranquilamente.

Subo as escadas em direção ao quarto e me deito na minha cama novamente. Eu entendo a moça, claro que entendo, mas ela não pensou por um segundo sequer que a deixei livre nessa casa justamente porque ela não teria como fugir? E ela tem razão, amanhã tudo se resolve pra mim, já não terei mais responsabilidade sobre ela e poderei seguir com minha vida em paz. Pode parecer crueldade, mas não vejo a hora de tudo isso acabar.

Lucy entra no quarto alguns minutos depois, já não está mais chorando, porém seu olhar se mantém triste. Mas que inferno, porque a tristeza dela me incomoda tanto? Talvez porque eu nunca tive que lidar com um alvo vivo e inocente, é isso o que ela é agora, um alvo.

-Posso me deitar com você? -Ela pergunta parando em frente a cama.

-Já não estava deitada antes?

-Que horas você vai me levar, amanhã? -Lucy se senta na cama ao meu lado e me encara, alguma coisa em seus olhos me deixa em alerta.

-Ainda não sei. Estou esperando a ordem do Capo.

Lucy deita sobre mim, me agarrando como um filhote de macaco e me pegando completamente de surpresa, ela esconde o rosto entre meu ombro e meu pescoço e mais uma vez fico imóvel. Sinto cada partinha do corpo dela pesando sobre o meu, as pernas nuas sobre as minhas, o sexo desnudo roçando em mim. Porra!

-Eu sei o que está pensando. Mas não me importo, não me importo de parecer louca ou atirada, amanhã tudo isso acaba e eu nunca mais verei você. Então foda-se o que você pensa sobre mim, eu preciso sentir algum calor humano e você é o único por aqui.

-Só durma, menina. Descanse, temos pouco tempo até o amanhecer. -Digo fechando os olhos e abraçando a cintura dela, lutando com todas as minhas forças contra a ereção entre minhas pernas.

Mas que porra está acontecendo comigo, afinal? Estou deixando uma garota ruiva com pouco mais de um metro e meio dominar completamente minha noite, fazer o quer comigo, invadir meu quarto, minha cama e minha mente. Logo eu, assassino de aluguel contratado especialmente para o Capo dei capi, o monstro da máfia americana, que cumpre as piores tarefas, elimina as piores pessoas, eu já trabalho com isso há tanto tempo que perdi as contas de quantos homens e mulheres matei, no entanto agora estou aqui, deitado com uma ruiva adormecida em cima de mim, semi nua, prestes a morrer e mesmo assim eu tenho sido quase uma lady com ela, abraçando, beijando e controlando meu pau dentro das calças só para não magoá-la. Mas também, não posso ser mau com ela, levando em consideração tudo o que irá acontecer amanhã, conhecendo Charles, ele fará a menina passar pelo inferno até conseguir extrair o tal pendrive. Enfim, já são quase 5 horas da manhã, preciso me desligar desses pensamentos e dormir um pouco, amanhã o dia será cheio e eu espero de verdade que tudo isso acabe, de forma simples, rápida e eficaz, sem machucar a garota e sem que eu tenha que vê-la novamente.

Fecho os olhos e luto contra todos os pensamentos, Lucy se agita em cima de mim e se aninha em meu peito, gemendo alguma palavra indecifrável... Em que merda de situação eu fui me meter?

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