Capítulo 6

Como Neto havia previsto,choveu o resto da semana.  

O mau tempo impedia a continuidade dos trabalhos no rancho e nos deixava inquietos. Ana passava a maior parte do tempo colorindo seus livros de desenho ou brincando com seus amigos imaginários. Enquanto seu pai,bem, Neto sempre sumia quando eu estava por perto.

Naquela sexta ele desapareceu depois do jantar, como de costume. Coloquei Ana para dormir e quando me vi sozinha me sentei a varanda para admirar a noite. Eu adorava a chuva, pra mim ela era como uma benção que vinha do céu para lavar as coisas ruins do dia. 

Fiquei ali por um bom tempo, apenas saboreando o doce gosto da liberdade que aquele lugar me trazia. Eu não sabia nada sobre meu ex marido e como as coisas iam em São Paulo, muitas vezes me pegava pensando que talvez aquela vida não passasse de um sonho, talvez um dia eu abriria meus olhos pela manhã e ele estaria lá com seu ódio e crueldade a me assombrar. Eu ainda podia ouvir a voz dele me ameaçando, me fazendo sentir como lixo, e naquele momento eu me perguntava, como eu havia sido capaz de me manter calada tanto tempo? Como eu fora tão tola, tão submissa... ?Mas ali estava eu, uma sobrevivente, alguém que jamais iria se curvar aquela vida novamente.

Permaneci fitando a noite. Passava das dez e Neto ainda não havia voltado. Não sabia por que minha mente registrava seus horários de saída e de chegada.

Onde poderia estar? Talvez tivesse uma namorada. Era um homem jovem, viúvo a algum tempo, certamente precisava de alguém para saciar seus desejos masculinos.. Não que isso me importasse, é claro!

Meia hora mais tarde a caminhonete estacionou diante da casa. Neto subiu as escadas da varanda, usava uma jaqueta pesada e botas enlameadas:

-Onde estava?- meus olhos se arregalaram assim que pronunciei a frase. Onde eu estava com a cabeça?Merda!

Ele me encarou franzindo o cenho:

- Ana estava preocupada..- gaguejei.

- Fui até a propriedade vizinha, estão precisando de ajuda com alguns dos cavalos.

Corei.

-Oque ta fazendo acordada até essa hora?Estava me esperando voltar?

Mas que presunçoso!Levantei-me indignada.

-Acho que estou um pouco grandinho pra tanto zelo senhorita.-ele emendou cheio de ironia.

-Eu estava sem sono,foi só isso..

Ele sorriu.

Oque estava acontecendo comigo?Perguntei a mim mesma. Aquele homem me perturbava, era tao difícil me comportar normalmente estando perto dele.

Na verdade eu tinha vontade de arrancar aquele sorrisinho idiota do rosto dele.

-Vou me deitar...-informei dando-lhe as costas.

-Me desculpe se a irritei senhorita... Como já deve ter percebido, não sou muito bom com as palavras...

Parei a soleira da porta e o encarei. Deus aquele homem ficara tão charmoso ao dizer aquilo. Parecia um daqueles caubóis de novela, como o Malvino Salvador em uma daquelas novelas do horário das seis horas. Um matuto charmoso ou sei lá...

-Sarah. - eu disse.- Meu nome é Sarah.

Quando me afastei pude ouvi-lo murmurar algo. Sorri. Pelo visto as coisas pareciam começar a melhorar entre nós.

                   ★★★

Passava das duas da manhã quando a caminhonete de Kit estacionou diante da casa. Vesti um casaco e sai para ver oque estava acontecendo. O vento havia acalmado um pouco assim  como a chuva. Ao chegar do lado de fora dei de cara com Neto que parecia tão preocupado quanto eu.

Observamos Kit descer da caminhonete,abriu um guarda chuva e meu coração se acalmou, Laura estava com ele. Fiquei com medo que algo tivesse acontecido a ela e ao bebê.

-Oque houve?- Neto perguntou ajudando Laura a subir as escadas.

- Problemas no rancho dos Müller.

-Oque aconteceu?- indaguei impaciente. -Francis esta bem?

-Sim, a ventania derrubou parte do telhado e colocou o celeiro ao chão. Eles acionaram a arvore telefone.. Estão todos indo pra la para ajudar.

- Vou pegar minhas coisas. -prontificou-se Neto.

-Eu vou com vocês. -falei.

- Não.- ele rebateu de imediato.

- Vão precisar de toda a ajuda possível...

-Sem chance..

- Sarah tem razão Neto- interveio Laura.- Eu posso ficar com Ana, não creio que uma gravida vá conseguir fazer muita coisa numa situação como essa. E alem do mais, todas as mãos jovens  e bem dispostas serão necessárias.

Ele olhou para o irmão como se esperasse ajuda mas Kit deu de ombros. Então ele cedeu.

                 ★★★

Neto

A caminhonete já estava ligada quando Sarah saiu de casa usando uma capa de chuva amarela e carregando uma mochila que segundo ela estava cheia de mantimentos.

Entrou na caminhonete e me encarou com um sorriso vitorioso no rosto.

Chegamos ao rancho e logo começamos a trabalhar. Sarah, com sua capa amarela divertia-se, apesar do serviço pesado. Ria com as brincadeiras de Kit e zombava das reclamações de Fred,o jovem irmão da professora Jude. Os três pareciam em perfeita harmonia. Eu trabalhava sempre atento aos movimentos dela. Ela era frágil e poderia precisar de ajuda a qualquer momento. Como assim? A verdade era que eu não queria admitir a superioridade dela em relação a muitos homens que conhecia. Era uma mulher e não poderia estar fazendo o trabalho de um homem. E o fazia muito bem, tinha de reconhecer. Na realidade, não estava acostumado. Meu modelo de mulher sempre fora como Esther, fiel e dedicada a sua família.

Eu estava habituado a ver as mulheres como seres frágeis, carentes de proteção.E lá estava Sarah, contrariando todas as minhas expectativas. Mas, não podia negar, ela era frágil como uma flor e forte como uma pedra.

Passava das quatro da manhã quando paramos para um café quente. Havia cerca de quinze homens trabalhando ali para reerguer o celeiro e o mais importante,concertar o telhado que havia sido parte arrancado. Jude havia levado Merilu, que era sua tia para passar a noite em sua casa,mas Frank ainda estava por ali e tentava ajudar no que era possível. Eu estava na varanda quando Sarah se aproximou com uma caneca de café.

O rosto dela estava corado pelo esforço do trabalho, mas havia um brilho de satisfação que a deixava ainda mais bonita.

— Está fazendo um bom trabalho — admiti.

Ela recostou-se no batente da varanda.

— Obrigada senhor!- sorriu batendo continência, um gesto que me fez sorrir de volta. Era admirável que com todo aquele trabalho a chuva e a madrugada fria ela ainda conseguia manter-se positiva.

Era quase seis horas quando terminamos de concertar o telhado com a promessa de voltar dali a algumas horas para reerguer o celeiro,o tempo parecia estar colaborando pois o céu já não exibia mais aquelas nuvens escuras e a chuva se fora. Sarah estava exausta,mal deixamos o rancho e ela cedeu ao sono,ali mesmo, na caminhonete. O corpo foi lentamente pendendo para o meu lado, senti o calor dela penetrar em meus ossos fazendo meu corpo enrigecer.

Não entendia como aquela forasteira teimosa e determinada podia abalar meu controle de ferro.

Como sabia que estava sendo observado por Kit  mantive o olhar fixo na estrada.

Na porta da casa, ela deu sinal de que iria acordar. Estava realmente cansada. Kit deixou o carro, e foi o primeiro a entrar na casa. Respirei fundo ao sentir que ela se aconchegava em meus braços.

Olhei para seu rosto adormecido, os cílios longos protegendo os belos olhos. A pele mulata do rosto era emoldurada pelos fartos cabelos pretos. Com a palma da mão, me atrevi a fazer-lhe um carinho. Ela acordava, mas lentamente.

Abriu os olhos e piscou. Parecia adorável, sonolenta e inconsciente dos fatos. A boca semi-aberta era um convite para sentir-lhe os lábios. Os vidros da caminhonete estavam embaçados, conferindo-nos certa privacidade.  Segurei seu queixo delicado. O corpo dela tremia ao simples toque.

Nossos lábios foram se aproximando.

O cachorro começou a latir e a luz da varanda foi acesa. Kit surgiu na porta. Sarah agora desperta, afastou-se de pronto. Descemos da caminhonete sob o olhar perspicaz de meu irmão. Nada havia acontecido entre nos,mas de alguma forma eu me sentia culpado. Não sabia oque estava acontecendo comigo,onde eu estava com a cabeça? Oque aquela pequena de cabelos selvagens estava fazendo comigo?

— Laura esta dormindo.- Kit informou .

— Bom, eu também vou dormir...Ainda temos muito trabalho pela frente.- ela disse e afastou-se, acompanhei seu andar felino com o olhar. Deus,eu estava perdido!

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