Ela vai ter que aceitar - Felipe

Enquanto Morgana dormia, Joana e Luigi conversavam no corredor. Eu fiquei perto da porta para ouvir.

— Conseguiu resolver, Joana? — perguntou Luigi.

— Sim, senhor, eu tirei os dois ali de dentro. Acho que seria melhor conversar com eles para evitar esse tipo de situação. A menina ainda está se recuperando; desse jeito, ela vai acabar tendo um treco de novo — respondeu Joana.

— Os dois estavam no quarto dela? Quando você me disse que estavam discutindo, eu imaginei um cenário diferente. Me conta essa história direito — Luigi insistiu.

— Eu prefiro não comentar — Joana respondeu, hesitante.

— Mande os dois irem para o escritório — ordenou Luigi.

Joana fez o que ele pediu, aliviada por não ter que entrar em detalhes. Agora, estávamos no escritório. Após indicar uma cadeira para cada um de nós, Luigi nos observava e tentava escolher as palavras. Não seria uma conversa fácil, porém ele estava decidido a colocar as cartas na mesa, mesmo que tivesse prometido não interferir na vida de Morgana.

— Bom, suponho que vocês já sabem por que os chamei aqui. Vou direto ao assunto. Afastem-se da minha neta! Nenhum de vocês é bom o suficiente para ela. Eu sei que o episódio de hoje para ela não passou de uma brincadeira, mas eu sei bem do que se trata — disse Luigi, com firmeza. Ele não sabia exatamente o que havia acontecido, mas na sua imaginação as coisas estavam da pior maneira possível.

— Padrinho, eu posso explicar. Não é nada disso que o senhor está pensando. Eu jamais faria algo desse tipo — Salvatore tentou se defender.

— A Joana ficou até constrangida, não venha me dizer que não é nada — retrucou Luigi.

— Você estava agarrando a Morgana na cama dela, vai tentar explicar isso? Boa sorte — provoquei, sem conseguir me conter.

— Cala a boca, pirralho — Salvatore respondeu, irritado. Ele era uns três anos mais velho e me chamava de pirralho. Cara arrogante, prepotente e idiota.

— Eu prefiro ser poupado de certos detalhes. Eu já tive a idade de vocês, sei como é se apaixonar e não conseguir expressar corretamente. Contudo, nunca na minha vida fiz papel de idiota como vocês estão fazendo. A Joana precisou intervir, olha o ponto que as coisas chegaram. Vocês deveriam se envergonhar. Felipe, eu não tinha a intenção de me opor ao relacionamento de vocês, já considerava algo inevitável, tendo em vista a maneira como ela abriu mão de tudo no Brasil para vir te socorrer, mas as coisas mudaram drasticamente quando você a rejeitou — Luigi continuou, sem rodeios.

Eu fui obrigado a ouvir, engolindo tudo o que ele estava dizendo a seco. Não podia argumentar, pois sabia que Luigi estava dizendo a verdade.

— Salvatore, meu sobrinho e afilhado, eu não tenho nada contra você, muito pelo contrário. Porém, vocês são primos e vão trabalhar juntos. Você já é um homem experiente, use o seu bom senso para separar as coisas e agir com profissionalismo — Luigi aconselhou.

“Será mesmo? Eu não acredito em nada disso”, pensei.

Nenhum de nós se atreveu a responder o todo-poderoso Don Luigi, muito menos admitir nossos sentimentos perto do rival.

— Essa conversa morre aqui, não comentem nada com a Morgana. Salvatore, você pode ir, por enquanto é só isso. Felipe, eu tenho uma proposta para você. Se aceitar, tudo vai se resolver da melhor maneira possível. Eu preciso de alguém da minha confiança para cuidar dos meus negócios no Brasil. É uma empresa nova, então, nada mais apropriado que um CEO jovem e criativo. Se tudo der certo, podemos ser sócios. O que você acha? — Luigi propôs.

“Claro que ele quer me afastar para abrir caminho para o sobrinho”, pensei.

— É tudo o que eu preciso no momento. Deixar a Itália me fará bem. Estraguei qualquer chance que poderia ter com a Morgana, sei disso. E não pretendo voltar a trabalhar com o meu pai. Mas, por outro lado, eu duvido que a Morgana vai aceitar isso numa boa — respondi. Na verdade, eu não queria e não iria sair de perto da Morgana. E também não podia assumir isso.

— Ela não tem que aceitar. Vamos contar depois da reunião com o Conselho. Não quero que nada a atrapalhe — Luigi afirmou.

— Desculpe, Don Luigi, mas você acha mesmo que ela está pronta para assumir tanta responsabilidade? — mudei de assunto enquanto pensava no que fazer a respeito.

— Estranho logo você fazer essa pergunta. Ela foi bem nos negócios lá no Brasil, resolveu a questão com a sua filha de maneira rápida e eficiente e está mantendo vocês em segurança desde então — Luigi respondeu, com um olhar penetrante.

— Eu não sabia que sou o motivo para ela estar aqui. Até agora eu não entendi o que ela fez, não sei dizer se fui salvo ou sequestrado. Não sei mesmo, porém não me importo mais — admiti, confuso.

— Depois de tudo o que você aprontou, sua cabeça está a prêmio. Você irritou gente importante, ela arriscou muito interferindo nisso. Pagou todos os prejuízos, cobrou favores e fez ameaças. Por isso eu acho melhor vocês se afastarem, você é uma grande distração para ela, para não dizer outra coisa — Luigi explicou, com um tom severo.

“Parece mesmo que estamos falando de uma mafiosa. E eu tenho culpa nisso. Que jeito maluco ela arranjou para me proteger. A Morgana está ficando cada vez mais forte e eu só faço besteira”, pensei.

— Olha, eu troquei o que eu queria pelo que eu achei que devia fazer. A Patrízia me usou para chegar aqui e conseguir dinheiro, fez questão de esfregar na minha cara que já tem outro e a Morgana está com o idiota do Salvatore. Estou arrependido por não ter conversado com a Morgana antes, pois teria evitado tudo isso. Eu idealizei aquele momento muitas vezes. E quando aconteceu, fiz besteira. Em relação ao dinheiro desviado, eu não tenho nenhum envolvimento nisso — confessei, sentindo o peso das minhas palavras.

— Eu não posso dizer que lamento, sinceramente, eu acho que você não a merece. Se não foi você, então, quem foi? — Luigi perguntou, com desconfiança.

— Só o meu pai e eu temos acesso às senhas das contas envolvidas no desvio — respondi, tentando manter a calma.

— Entendo, vamos cuidar disso. Mas espero que você entenda que não pode simplesmente voltar atrás. Minha neta não é prêmio de consolação, não tente usá-la agora, não é certo. É melhor vocês esquecerem. Ela vai ter que aceitar a sua partida pelo bem de todos. Apenas vá e cuide bem da sua filha e da empresa. O importante é que a Morgana fique longe de problemas e com vocês por perto isso não será possível. Já é tarde, vamos descansar — Luigi concluiu, encerrando a conversa.

Durante o longo caminho do escritório até o meu quarto, eu tive tempo para pensar. E finalmente tomei uma decisão.

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