Por mais que tentasse a todo custo manter o ânimo, ela estava sentindo os recentes eventos de sua vida a pondo para baixo. A pressão do término da adolescência para seguir um novo caminho e decidir ali o rumo que sua vida tomaria, somado a rejeição nas academias e o distanciamento inesperado de seu mestre, foram suficientes para lhe fazer duvidar de si mesma e buscar apoio naquilo que era possível se agarrar.
Ela desceu do ônibus devagar, seu cabelo preso num rabo de cavalo sequer balançava. Andava olhando para o chão, pensando num turbilhão de coisas, reparando em como seu allstar que um dia fora branco agora tinha um tom amarelado, entrou no cemitério que ela conhecia bem e se dirigiu para a lápide de seus falecidos pais.
Não carregava rosas como de costume, dessa vez não estava prestando homenagem a um ente querido, era uma garota buscando conselhos de seus pais, por mais que eles não pudessem a responder diretamente, Jess acreditava que eles a orientavam de onde quer que estivessem, mesmo que não fosse real o que imaginava, apenas sentir isso já era o suficiente para lhe deixar calma e melhor centrada no que fazer.
Ao se aproximar do túmulo de seus pais, notou um jovem rapaz parado em frente, o que ela achou muito estranho pois ninguém além dela vinha os visitar, então devagar ela se aproximou com as mãos no bolso, ao chegar mais perto sua inquietação apenas aumentou, pois o rapaz parecia ser tão jovem quanto ela e tinha fundas olheiras que ela conhecia muito bem, eram as de quem não tinha tranquila e boa noite de sono a algum tempo.
- Você os conhecia? - Perguntou ela se aproximando lentamente, olhando direto para a lápide.
- O Sr. E a Sra. Kali foram grandes pessoas. Estava passando aqui por perto e resolvi visitar seus túmulos. E você, os conhecia?
Ela respondeu que sim com um aceno de cabeça e completou afirmando que eram seus pais, o garoto virou seu rosto para ela, seus olhos negros não tinham brilho, era como se a vida tivesse se esvaido deles. Até então ela não tinha reparado na sensação que sua voz lhe trazia e isso a entristeceu, normalmente os sabores e cores nada tinham a ver com a pessoa em si, eram apenas interpretações aleatórias que seu cérebro fazia, mas em certas ocasiões eram como se sua sinestesia revelasse a alma daquelas pessoas e essa era uma dessas ocasiões, sua voz não tinha um gosto mas um sentimento, o de agonia, ao invés de cor e textura, era apenas uma sensação gelada e vazia.
Jess deixou transparecer as sensações ruins que sentia e deu alguns passos para trás balançando a cabeça, o garoto notou e também se afastou, se virando completamente, incapaz de olhar nos olhos dela.
- Me desculpe, me senti desorientada! - Respondeu ela rapidamente, notando que ele pareceu ficar desconfortável.
- Você parece ter ótimos instintos. Eles sempre me falavam sobre você, Jéssica, a garotinha de ouro. Espero que seja como eles.
- Eles falavam de mim? - Perguntou ela, agora muito mais interessada nele, não imaginava que fosse conhecer alguém que conhecesse seus pais além de sua azeda tia que evitava ao máximo falar deles.
- Os conheci muito bem. Que mundo você almeja e o que lhe dá forças para lutar?
Ela não entendeu o motivo dessas perguntas e nem por que dele fazer num momento em que tudo que ela queria era saber mais sobre seus pais, mas resolveu lhe responder para prosseguir com a conversa.
- Eu não sei, um mundo melhor, mais justo para todos, principalmente para aqueles que estão aqui em baixo, como eu, sabe. E o que me dá forças é justamente isso, eu acho, querer provar pro mundo e pra mim mesma que todos tem valor e qualquer um pode alcançar o topo, independente das condições em que tenha nascido.
Não tinha como ela ter certeza mas ele pareceu dar uma risada, o que ela viu como um desrespeito.
- Você é idêntica a eles, tanto no olhar quando por dentro. Nunca pude retribuir o que o Sr. e a Sra. Kali fizeram por mim, mas talvez agora eu possa fazer algo que eu sei que eles adorariam.
O garoto era mais estranho do que ela imaginava, que relação ele tinha com seus pais e o que ele queria dizer com essas palavras? Era tudo muito estranho, por fim ela sequer teve a chance de lhe perguntar qualquer coisa a mais, o garoto saiu andando e não respondia aos gritos de Jess que o chamava para tirar suas dúvidas. Ela tentou ir atrás dele em meio ao corredor de mausoléu a sua frente, mas após virar uma curva, o garoto havia sumido, ela teve um dejavu incômodo, onde mais uma vez alguém lhe dava as costas e saia andando, mesmo que não fosse uma pessoa importante para ela como as outras, uma sensação de abandono sempre se instaurava quando isso acontecia. Até quando as pessoas a abandonariam de forma tão leviana?
Ela voltou para a lápide de seus falecidos pais e sentou no chão de pernas cruzadas, de frente a eles e então começou a desabafar, contou tudo que havia lhe ocorrido e seus sentimentos em relação a isso, foi como tirar um enorme peso das costas, um verdadeiro desabafo que a fez se sentir mais leve.
Ao chegar me casa notou que a porta estava aberta, um toque de desânimo assolou seu estado de espírito que já não estava dos melhores. Ela abriu a porta devagar com uma das mãos e olhou para dentro, ali encostada no balcão falando no celular estava sua tia, com seus enormes apliques no cabelo, num tom de loiro que era possível ver de longe que não era natural.
Ela olhou para Jess enquanto falava no telefone e deu apenas um aceno com um esboço de sorriso, a garota devolveu na mesma medida o cumprimento e entrou de forma sorrateira para não a atrapalhar no telefone, indo direto para seu quarto, sua tentativa de fuga quase funcionou mas antes que pudesse alcançar a saída, sua tia lhe chamou. Aquela voz esganiçada que lhe soava como se alguém estivesse passando as unhas num quadro. Ela se virou de vagar com a cabeça baixa.
- Oi tia.
- Você fez sua matrícula no ensino médio? - Não queria mentir para sua tia, tinha noção de que era algo errado a se fazer, mas não sabia como iria lhe contar que não havia feito pois planejava ir para uma academia.
- Tia...
- Eu sei que você não fez, sinceramente, Jéssica, quando eu finalmente voltou para casa tenho que ficar correndo atrás das suas coisas, você é uma garota irresponsável.
- Mas tia, eu não quero cursar o ensino médio. - Ela revirou os olhos ouvindo isso, estava de saco cheio dos sonhos ilusórios de sua sobrinha.
- Você ainda está com essas besteiras na cabeça? Isso não dá futuro, Jéssica, olha seus pais onde estão agora, é isso que você quer para sua vida? - Um golpe baixo usado por uma impiedosa mulher, que quase fez ela desmoronar, ela sabia o quanto o assunto de seus pais mexia com ela e mesmo assim não exitava em usar isso para ganhar uma discussão. - Eu vou lhe inscrever em um ensino médio de período integral, assim você fica menos tempo de perna pro ar pensando besteira.
Não houve cumprimento ou algo do tipo, as duas apenas deram as costas uma a outra, Jess sabia que não teria como revidar essa discussão, pois não havia recebido resposta alguma de qualquer academia que fosse, menos de duas semanas para iniciar as aulas na maioria delas, mesmo que tentasse e convencesse sua tia do contrário, não havia uma academia sequer que houvesse lhe aceitado, ou ao menos lhe respondido.
Ela entrou em seu quarto e se jogou sobre a cama afundando a cabeça no travesseiro. Estava disposta a não derramar uma lágrima que fosse, ela não era uma derrotada chorona, não queria mais ter a sensação de impotência tomando seu corpo, ela iria para o ensino médio e se formaria, mas usaria este tempo para treinar e se desenvolver, seguindo tudo que Klaus havia lhe passado, afinal, para se tornar um herói efetivamente era necessário apenas passar nos exames, mas para alguém sem uma formação específica numa academia, passar nesses exames era uma tarefa que beirava o impossível, mas Jess estava disposta a encarar.
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Atualizado até capítulo 29
Comments
Socu
essa mulher dá gatilhos
2022-09-21
0
Lágrimas
Acabei de ler o aviso, pois então, fiquei intrigado com o novo nome, sinestesia é uma condição né? É algo tão difícil de explicar mano
2022-09-05
1
Lágrimas
humm, então a história mudou, lembro que estava no capítulo 28, é uma pena de qualquer forma
2022-09-05
1