Treine, Jess!

As duas primeiras semanas de treino foram para ela como entrar num universo novo que ela jamais imaginaria conhecer, pela primeira vez ela entendia que ser um super herói envolvia muito mais coisas que ela não sabia.

Os dois estavam sentados no ferrovelho, de costas um para o outro, aquele gosto salgado que ela sentia ao ouvir sua voz não era mais tão desagradável, também havia se acostumado com o tom cinza que ele tinha, assim ficando cada vez mais fácil se concentrar com ele por perto.

- Eu não imaginava que aprender física seria tão útil para um super herói, quando você olha e vê o Justice, você nem imagina isso!

- Ele é um caso diferente, não precisa saber nada disso, ele simplesmente quebra tudo com um soco, assim fica mais fácil.

- E para enfrentar alguém com uma peculiaridade física como a dele, sempre evitar um combate corpo a corpo. - Disse ela puxando da memória uma das lições que Klaus havia lhe passado.

- Você tá boa nisso, Jess.

Ele se levantou e então sentou em sua frente, pegando em sua mão que estava enfaixada, a garota não sabia que demoraria tanto para seu corpo se recuperar da sua pesada rotina.

- Provavelmente algumas marcas nunca sairão da sua mão, garota. Elas vão servir de lembrança pra você, treinar muito não significa que irá evoluir, se você passar vinte horas treinando errado, continuará a mesma coisa, mas se treinar dez minutos da forma correta, você terá evoluído.

Ela nunca sabia quando era ele falando ou a bebida, mas o fato que era que ele sempre parecia estar certo e saber de muitas coisas, o que começou a lhe deixar curiosa sobre quem ele era, mas sempre que tentava conversar sobre sua vida pessoal, a resposta era sempre a mesma, "Treine, Jess!", até que ela finalmente desistiu de tentar saber mais sobre ele.

Havia algo que ela queria perguntar para ele a algum tempo mas tinha medo da resposta que ouviria, pois uma de suas principais características era sua baixa autoestima e sua inexistente autoconfiança,  dois defeitos que afetavam consideravelmente sua performance, não apenas nos treinos, mas na sua vida em geral e ouvir uma resposta negativa de alguém que tinha muita propriedade no assunto poderia ser mais do que avassaladora para ela, algo até mesmo traumatizante, mas ela havia tomado coragem enquanto ele ajustava a bandagem de sua mão e finalmente lhe perguntou.

- Você acha que minha peculiaridade é inútil? - Ela perguntou falando muito rápido, alto o suficiente para parecer um grito e de olhos fechados, ele levantou seu olhar para seu rosto, Klaus não era muito apegado a sentimentos, o máximo de empatia que sentia era pela bebida que o fazia esquecer do passado, mas essa garota tinha algo de diferente dentro de si.

- Sendo bem sincero, se for como a da sua mãe, é uma ótima habilidade, principalmente quando aprender a se revestir com ela. Sabe por que treinar a mente é tão importante, garota? Não apenas táticas e estratégias irão lhe ajudar, mas a criatividade com que você usará seus dons pode elevar qualquer habilidade a níveis inacreditáveis. Uma das pessoas mais poderosas que já conheci tinha a peculiaridade de mudar a cor dos objetos.

- Sério? - perguntou ela incrédula e animada com a resposta.

- Mais do que sério, ela é realmente poderosa e linda. - Jess fez uma careta para ele e deu uma risada, estava tão contente por não ter ouvido que era uma "inútil", pois era o que todos diziam quando sabiam que sua peculiaridade era disparar luz.

- Você conhece algum super herói que também era estragado?

- Não use mais essa expressão, garota. Vocês não são "estragados", quem está estragado e podre é esse mundo que vivemos, tirando o álcool, não sobra mais nada de bom nele, por isso confio em você para mudar ele.

- Até parece que eu vou mudar o mundo. Mas estou falando sério, você conhece?

- Eu também estou falando sério. Aposto nosso futuro nessa nova geração, não me decepcione, garota. E não, não conhece ninguém que tivesse algum problema genético e fosse um grande super herói, mas você será a primeira, basta não deixar esse negócio de cores e gostos te atrapalhar muito.

- E sons também! Eu consigo ouvir o toque das pessoas na minha pele. - Seu modo de disfarçar a decepção foi o humor, havia ficado um pouco para baixo ao saber que não havia nenhum super herói que ele conhecesse que fosse como ela, mas não queria deixar o clima que estava tão agradável virar algo chato.

- E alguma academia te chamou? - Perguntou ele ficando em pé, ela olhou para cima, para poder olhar em seu rosto.

- Até agora nada... Estou quase perdendo as esperanças.

- Não se preocupe, apenas treine, Jess, quando a hora chegar você receberá uma carta de admissão.

Queria ela ter essa confiança toda que Klaus tinha em seu futuro próximo. Não havia mais academia no país que ela não tivesse se inscrito, estava inclusive buscando algumas no exterior, em países que fossem menos conservadores e mais progressistas, assim quem sabe ela não teria uma chance.

- Agora, garota, é hora da despedida. Apenas treine, Jess, você está no caminho certo. Vou sumir o resto desse verão, mas logo mais nos veremos.

- O que? - Perguntou ela dando um salto, não estava preparada para ouvir isso, logo agora que sua evolução era nítida. - Porque? Como assim?

- Eu não posso ficar aqui o tempo todo, por mais que quisesse.

- Mas como eu vou fazer? Como vou treinar?

- Apenas continue com as lições que te ensinei e fique calma. Você tem uma aura forte, o destino sempre acaba ajudando pessoas como você.

Ela discordava totalmente do que ele havia falado mas agora não era para isso, mais uma vez ela estava sendo deixada para trás por alguém que ela gostava, e não era nem a primeira vez neste verão que isso acontecia. Por que todos tinham que lhe abandonar hora ou outra? Seu caminho deveria ser sozinho e solitário, talvez fosse isso que o destino quisesse lhe dizer.

Ele prometeu que logo eles se veriam novamente, assim como haviam feito seus pais antes de saírem pela última vez, assim como Manu havia feito antes de lhe dar o último abraço e agora mais uma vez alguém lhe daria as costas e com toda certeza não voltaria mais.

A vontade de chorar tomava ela enquanto via ele simplesmente caminhando para longe, mas uma força de vontade que surpreendeu até mesmo ela tomou sua alma, ela não queria ser do tipo que chorava por tudo, ser vista como fraca e chorona, que era como Aiko lhe via, ela queria ser lembrada como alguém forte e determinada, por isso as lágrimas que começaram a se formar no canto de seus olhos secaram. Ela decidiu que seu caminho para a vitória não estava em meio a lágrimas e sim rodeado por suor de seu esforço e determinação. E suas últimas palavras seriam o que a impulsionariam durante esta reta final de suas férias, "treine, Jess!".

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