Cap 20

Vicent havia passado algumas horas sentado em uma das mesas do café, mantendo sua postura descontraída enquanto eu continuava minha carga horária. Ele não dizia muito, mas seu olhar seguia cada movimento meu, como se estivesse sempre à espreita. Zeck e Heather já haviam ido embora, e antes de saírem, Zeck garantiu que viria me buscar, como sempre fazia. Apesar disso, ele parecia mais atento hoje, talvez por causa do corte em meu dedo.

Eu finalizei as tarefas com dedicação. Limpei as mesas, lavei a louça acumulada e passei o esfregão pelo chão manchado. Cada pequeno trabalho me ajudava a manter a mente ocupada, mesmo que temporariamente. No fundo, tudo o que eu queria era esquecer os olhares de Zeck e Heather, as risadas deles ecoando em minha cabeça como um lembrete cruel.

Quando o expediente chegou ao fim, senti um alívio misturado com apreensão. Clarisse ficaria encarregada de fechar a loja naquela noite, então, ao menos, essa responsabilidade não era minha. Peguei meu casaco e me preparei para enfrentar o frio crescente do lado de fora.

Zeck chegou pontualmente, como havia prometido, mas trouxe Heather junto. Meu coração apertou ao vê-los. Eles estavam de mãos dadas, algo tão simples e tão devastador para mim.

— Vamos? — Zeck perguntou, o tom casual, mas seus olhos analisando minha reação.

Eu engoli seco, tentando controlar a dor que parecia querer transbordar.

— Vamos... — respondi baixinho, sentindo um nó se formar na garganta.

Começamos a caminhar pelas ruas da cidade. A noite estava fria, e uma leve neblina começava a se formar, tornando o ambiente melancólico. As luzes dos postes criavam halos de luz amarelada no ar úmido, e cada passo parecia mais pesado que o anterior.

Heather, sempre educada e gentil, quebrou o silêncio.

— Você está bem, Olívia? — perguntou ela com um tom genuíno de preocupação. — Soube que se machucou hoje no trabalho. Você chorou bastante... Está se sentindo melhor agora?

Eu queria odiá-la, mas sua gentileza tornava isso impossível. Mesmo assim, a dor no meu peito crescia.

— Hm... Sim, estou melhor... — murmurei, desviando o olhar.

Heather sorriu suavemente, sem perceber o peso das minhas palavras.

Zeck, por outro lado, parecia tenso. Ele sempre tinha um jeito possessivo de demonstrar preocupação, como se quisesse reafirmar sua autoridade sobre mim.

— Ainda vamos conversar sobre aquele cara. — disse ele, a irritação evidente em sua voz. — Nunca vi ele por aqui.

A pergunta veio com uma pontada de ciúmes mal disfarçado, algo que eu sabia que ele nunca admitiria em voz alta.

— Bonitão, hein? Ele é seu namorado? — Heather perguntou com curiosidade, mas sem malícia.

Eu estava prestes a responder algo evasivo quando uma voz grave e familiar cortou o silêncio.

— Agapi mou.

Meus olhos se arregalaram ao reconhecer Vicent. Ele estava ali, surgindo das sombras como se fosse parte delas. Vestia-se impecavelmente, e um sorriso convencido brincava em seus lábios.

Ele caminhou até mim com passos firmes e controlados, sua presença exigindo atenção. Antes que eu pudesse reagir, ele segurou meu rosto entre as mãos com uma gentileza inesperada, como se estivéssemos protagonizando um filme romântico.

— Me atrasei? — perguntou ele, seu tom sedutor, mas com um toque provocador que só eu conseguia captar.

Eu fiquei sem palavras, mas sabia que ele estava começando o plano. Precisava me adaptar rapidamente para não estragar tudo.

— U-um pouco... — murmurei, sentindo o rosto corar.

Vicent sorriu, satisfeito com minha resposta.

— Perdoe-me, agapi mou. Tive um imprevisto.

Heather e Zeck ficaram em silêncio, claramente surpresos. Eu podia sentir o desconforto de Zeck ao meu lado, seus olhos queimando sobre nós enquanto Vicent permanecia próximo a mim, como se nada mais no mundo importasse.

Era minha deixa para começar a atuar.

— Está tudo bem, Vicent... — respondi, tentando soar casual, mas meu coração batia rápido demais.

Vicent parecia se divertir com a situação, seu sorriso se alargando enquanto ele envolvia minha cintura com um braço.

— Vamos? Não quero que você passe mais frio do que o necessário.

Zeck deu um passo à frente, sua expressão rígida.

— Quem é você, afinal? — perguntou ele, sua voz baixa, mas carregada de tensão.

Vicent sequer olhou para ele, mantendo os olhos fixos em mim.

— Um homem que sabe o que tem. — respondeu ele, finalmente se voltando para Zeck com um sorriso presunçoso. — Diferente de alguns por aí.

A provocação estava clara, e Zeck apertou o maxilar, tentando controlar a raiva. Heather parecia desconfortável, percebendo que algo mais estava acontecendo ali.

— Vamos, agapi mou. — disse Vicent novamente, ignorando completamente a tensão. Ele me puxou suavemente, e eu o segui, ainda nervosa, mas determinada a continuar com o plano.

Enquanto nos afastávamos, pude sentir o olhar de Zeck cravado em minhas costas. A dor que eu havia sentido o dia todo foi substituída por uma estranha sensação de alívio misturado com adrenalina.

Vicent inclinou a cabeça em minha direção e murmurou baixo para que só eu pudesse ouvir.

— Isso foi apenas o começo, diabinha. Se prepare, porque vamos mexer com ele de verdade.

Eu engoli seco, sem saber onde aquilo tudo nos levaria, mas confiando que, de alguma forma, Vicent tinha um plano.

Vicent e eu seguimos até minha casa, o silêncio entre nós sendo preenchido apenas pelo som dos nossos passos. A noite estava fria, e eu não sabia o que esperar da próxima interação com minha família. Ele, por outro lado, parecia relaxado, como se aquilo fosse apenas mais um jogo em que ele já sabia como ganhar.

Ao chegarmos, Zeck entrou primeiro, puxando Heather pela mão como se quisesse exibir a relação deles. Eu o segui, hesitante, enquanto Vicent permanecia próximo, com aquele sorriso travesso que sempre parecia saber mais do que revelava.

— Mãe, temos visita. — anunciou Zeck ao entrar, sua voz chamando minha mãe até a sala.

Mamãe apareceu rapidamente, um sorriso carinhoso no rosto. Mas quando seus olhos pousaram em Vicent, ela parou por um instante, surpresa. Era evidente que ela não esperava me ver acompanhada, muito menos por alguém como ele.

— Boa noite, meus amores. — ela disse, sua voz calorosa. — Oh... E quem é esse?

Antes que eu pudesse responder, Vicent, sempre rápido, tomou a dianteira.

— Boa noite, senhora. Sou Vicent. — Ele deu um passo à frente, segurando a mão de minha mãe com gentileza e a beijando levemente. — Namorado da sua filha. Perdoe chegar assim sem avisar, nem tive tempo de comprar flores. Estava preocupado com Olívia no frio, então vim correndo encontrá-la.

Mamãe piscou algumas vezes, surpresa, mas seu sorriso logo voltou, ainda mais caloroso.

— Oh, um prazer conhecê-lo, Vicent. — disse ela, visivelmente impressionada. — Entrem, o jantar já está quase pronto.

Enquanto eu seguia para dentro, ela me puxou de lado, sussurrando com um brilho de diversão nos olhos:

— Não me contou que estava namorando... E que gato, hein?

Senti minhas bochechas queimarem e murmurei algo incompreensível antes de escapar para o banheiro.

No banheiro, lavei as mãos com pressa, tentando organizar meus pensamentos. Meu reflexo no espelho me encarava, os olhos carregados de dúvidas e arrependimentos. Foi então que ouvi passos atrás de mim. Era Zeck.

Ele fechou a porta com um leve empurrão, o rosto tenso.

— Olívia... O que é isso?

Fingi não entender enquanto esfregava as mãos na toalha.

— O que você quer dizer?

— Esse cara. Desde quando você está namorando? Por que não me contou nada? Você sempre me conta tudo.

Eu me virei lentamente, encarando-o. Meu coração estava acelerado, mas tentei manter minha voz firme.

— E você? Desde quando me conta tudo? Desde quando começou a namorar Heather? Não me disse nada, Zeck.

Ele franziu o cenho, desconfortável com minha resposta.

— Não é a mesma coisa.

— Não? — Eu ri, embora minha voz tremesse. — Então me escute: o que tínhamos, seja lá o que for, acabou. Eu estou apaixonada por outra pessoa. Desculpe, Zeck, mas o que tivemos não era nada além de... um lance.

Não esperei por uma resposta. Passei por ele e saí do banheiro, deixando-o sozinho.

Na sala de jantar, minha mãe já estava colocando os pratos na mesa, e Vicent parecia totalmente à vontade. Ele estava sentado à cabeceira, um sorriso no rosto, mas algo nos seus olhos chamou minha atenção. Ele estava diferente.

Quando me aproximei, percebi. Sua mão estava no peito, e seu rosto parecia ligeiramente pálido. Ele respirava fundo, como se estivesse tentando controlar alguma coisa.

— Vicent... Você está bem? — perguntei, minha voz quase um sussurro enquanto me sentava ao seu lado.

Ele forçou um sorriso, mas sua expressão entregava a dor que ele estava sentindo.

— Estou... Irei ficar, agapi mou. Não se preocupe.

Mas eu me preocupei. Ele estava sentindo a minha dor, aquela que apertava meu peito desde o momento em que vi Zeck de mãos dadas com Heather. Era óbvio que o vínculo que ele dizia sentir era real, e a culpa me atingiu como uma onda.

Abaixei a cabeça, sussurrando apenas para ele ouvir:

— Me desculpe...

Vicent olhou para mim, os olhos brilhando com algo entre compreensão e exasperação. Ele respirou fundo, endireitou-se na cadeira e sorriu para minha mãe, que trazia mais um prato à mesa.

— O cheiro está maravilhoso, senhora. Obrigado por me receber.

Mamãe sorriu, encantada com o charme de Vicent, enquanto Zeck se sentava do outro lado da mesa, me lançando olhares questionadores que eu fiz questão de ignorar.

Aquela seria uma longa noite.

O jantar começou em um clima levemente desconfortável. Minha mãe, sempre animada em receber visitas, parecia encantada com Vicent, enquanto meu pai, Steven, observava tudo com um olhar mais cauteloso. Zeck, por outro lado, evitava me encarar diretamente, focando-se em Heather, que estava claramente à vontade em meio à família. Mike, meu irmão mais novo, não parava de encarar Vicent, seus olhos cheios de curiosidade.

Enquanto todos começavam a comer, as perguntas inevitáveis surgiram.

— Então, Vicent, como vocês se conheceram? — perguntou minha mãe, com um sorriso amigável.

Vicent, que parecia se deliciar com a atenção, inclinou-se ligeiramente para frente, apoiando os cotovelos na mesa.

— Talvez a senhora não gostaria de ouvir essa história. — respondeu ele, com um sorriso travesso.

Senti meu coração disparar. Deus, o que ele diria?

— Claro que queremos ouvir. — insistiu ela, curiosa.

Vicent respirou fundo, como se fosse contar um grande segredo, e olhou diretamente para meu pai.

— Faz pouco tempo que eu saí da cadeia.

O silêncio que se seguiu foi quase ensurdecedor. Os talheres pararam de se mover, e meu pai arregalou os olhos.

— O quê?! — exclamou Steven, claramente alarmado.

— Pelo que foi preso? — perguntou Mike, os olhos arregalados de curiosidade, sem perceber o clima tenso.

Vicent deu um sorriso misterioso, quase divertido.

— Assassinato.

— Vicent! — sibilei, chocada, enquanto minha voz saía mais alta do que pretendia.

Ele jogou a cabeça para trás e riu.

— Pegadinha. — disse ele, com um sorriso divertido, como se fosse óbvio. Todos riram, embora fosse uma risada nervosa, exceto por Zeck, que olhava para ele com uma mistura de ceticismo e irritação.

— Que susto. — murmurou meu pai, sacudindo a cabeça, mas dando uma risada leve, tentando relaxar o clima.

Vicent então voltou à sua postura charmosa, como se nada tivesse acontecido.

— Na verdade, nos conhecemos no café onde ela trabalha. — começou ele, segurando minha mão com delicadeza. Seu toque era firme, mas surpreendentemente caloroso, o que me fez prender a respiração. — Eu a vi e, bom, me apaixonei perdidamente no instante em que coloquei os olhos nela. Foi amor à primeira vista. Não é mesmo, agapi mou?

Senti meu rosto corar enquanto ele me encarava com aquele olhar profundo que parecia atravessar minha alma.

— Sim... — murmurei, tentando manter a compostura, mas completamente hipnotizada pela sua atuação.

Minha mãe soltou um suspiro sonhador.

— Que lindo. — disse ela, sorrindo de orelha a orelha.

— Parece coisa de filme. — comentou Heather, com os olhos brilhando enquanto se agarrava ao braço de Zeck. — Não é, amorzinho?

Zeck respondeu com um grunhido, claramente desconfortável. Ele cortou um pedaço de carne no prato com um pouco mais de força do que o necessário, mas não disse nada.

Mike, no entanto, continuava encarando Vicent como se tentasse decifrá-lo.

— Qual o problema desse garoto? — Vicent sussurrou para mim, inclinando-se ligeiramente em minha direção.

— Ele é autista. — murmurei de volta, tentando ser discreta.

Vicent acenou com a cabeça em entendimento e sorriu de maneira inesperadamente gentil para Mike, antes de voltar a se concentrar na conversa.

O jantar seguiu entre perguntas, sorrisos forçados e pequenas trocas de olhares tensos. Enquanto todos pareciam se encantar com Vicent, eu não conseguia evitar o nó que crescia em minha garganta. O plano estava funcionando, mas o custo emocional era maior do que eu imaginava.

A conversa na mesa seguia descontraída quando Heather, sempre curiosa e animada, inclinou-se ligeiramente para frente, interessada.

— Por que o "Agapi Mou"? — perguntou ela, seus olhos brilhando de curiosidade enquanto olhava para Vicent.

Vicent, com seu jeito confiante e aquele sorriso irresistível, inclinou a cabeça e respondeu com uma calma que parecia ensaiada:

— Significa "meu amor" em grego. A Olívia é a minha deusa grega. — disse ele, com uma intensidade afetuosa que me fez corar instantaneamente.

Senti meu rosto queimar, e minha mãe, Suzana, deixou escapar um suspiro contente, os olhos brilhando com aprovação.

— Que romântico. — comentou ela, sorrindo de orelha a orelha.

— Fiquei um pouco apreensiva sobre minha menininha começar um relacionamento, mas ela escolheu um bom homem. — Suzana disse, olhando para Vicent com um semblante de alívio e admiração.

Mal sabia ela que o homem sentado à mesa era, na verdade, um demônio vindo diretamente do inferno.

— Eu tenho as melhores intenções com a Olívia, senhora Suzana. — respondeu Vicent, com um tom sincero que soava completamente natural.

— Assim esperamos. — comentou meu pai, Steven, que parecia mais relaxado agora, oferecendo um leve sorriso para Vicent.

A conversa começou a se dissipar à medida que a noite avançava, e, após alguns minutos de despedidas e cordialidades, Vicent se levantou.

— Bom, está ficando tarde, preciso ir embora. — disse ele, ajeitando a gola do sobretudo e me lançando um olhar significativo. — Me leva até a porta, Agapi Mou?

— Claro... — respondi, minha voz saindo um pouco mais baixa do que o normal, tentando não demonstrar o nervosismo.

Caminhei ao lado de Vicent até a porta da frente, mas percebi que Zeck e Heather nos seguiam. Heather havia chamado um Uber, e Zeck parecia ter resolvido acompanhar sua namorada até a saída.

Assim que chegamos à porta, Vicent parou, virou-se para mim e, de repente, segurou minha mão com firmeza, mas ainda assim gentilmente. Seus olhos profundos encontraram os meus, e ele falou em um tom que apenas eu poderia ouvir:

— Vem aqui.

Antes que eu pudesse reagir, Vicent me puxou para mais perto, inclinando-se em minha direção. O toque dos seus lábios foi gentil e surpreendentemente quente, quase delicado. Eu congelei por um momento, minha mente lutando para processar o que estava acontecendo, mas percebi que precisava agir para manter o disfarce.

Fechei os olhos brevemente e retribuí o beijo, mesmo que de forma hesitante. O mundo ao nosso redor pareceu se dissipar por um instante, até que a realidade voltou com a voz de Zeck cortando o silêncio:

— Acho que isso já foi suficiente.

Ele parecia tentar manter a calma, mas seu tom era claramente carregado de irritação. Heather, ao seu lado, apenas observava, sem dizer nada, com uma expressão que oscilava entre surpresa e constrangimento.

Vicent, por sua vez, apenas riu de leve ao se afastar.

— Cuide dela para mim. — disse ele a Zeck, com um olhar que parecia mais desafiador do que amigável.

E então, com um último sorriso na minha direção, ele se virou e caminhou para a escuridão da noite, desaparecendo como se fosse parte dela.

Mais populares

Comments

Liz Da Costa Rocha

Liz Da Costa Rocha

tô amando aqui🥰😂

2025-02-14

0

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!