Cap 18

Eu estava sentado na maldita poltrona de couro que parecia ter sido feita para me irritar ainda mais. O material rangia a cada movimento, como se zombasse da minha irritação. Minhas mãos estavam firmemente entrelaçadas, os cotovelos apoiados nos joelhos, e eu tentava manter a calma. Era uma tarefa quase impossível. Ace estava do outro lado, largado no sofá como o desgraçado que sempre foi, com aquele sorriso provocador que me dava vontade de arrancar da cara dele.

Ace. A personificação do orgulho.

Ele não era apenas um demônio comum, ele era o orgulho em sua forma mais irritante e inabalável. Sempre tão seguro de si, tão superior. Tudo nele gritava arrogância, desde o jeito que segurava a garrafa de uísque com desprezo, como se fosse uma coisa banal, até a maneira como olhava para mim. Ele sempre tinha essa expressão de quem sabia tudo, como se minha frustração fosse algo divertido para ele.

— Como não sabe?! — Ele quebrou o silêncio com sua voz carregada de sarcasmo. — Está mais que óbvio, Vicent. Você não pode fazer nada com essa mulher enquanto o pacto estiver de pé. Por quanto tempo ela quer que você proteja ela?

Olhei para ele com desprezo antes de responder. Minha voz saiu carregada de irritação.

— Pra sempre. Ou seja, por toda a longa e cansativa vida dela... E olha que ela tem muito tempo de vida, puta merda. — Passei a mão pelos cabelos, frustrado.

Ace riu, aquele riso grave e zombeteiro que fazia meu sangue ferver.

— Meu irmão, você realmente está fodido. — Ele se inclinou para frente, enchendo mais um copo de whisky.

Ele estava se divertindo. Claro que estava. Esse era Ace. Ele nunca perdia a chance de jogar sal na ferida.

— Tentei... — murmurei, desviando o olhar. — Tentei acabar com ela, mas... Puta merda, não deu. A dor só aumentou.

Ace ergueu uma sobrancelha, visivelmente interessado.

— Dor, hein? — Ele deu um gole no whisky, observando-me como se eu fosse algum tipo de experiência interessante. — Só tem um jeito de acabar com isso. Ela precisa desistir da própria vida.

Minhas mãos apertaram os braços da poltrona. Eu já sabia onde ele queria chegar, mas ouvir isso de Ace fazia tudo parecer ainda mais podre.

— Isso é fácil, Vicent. — Ele deu um sorriso cruel. — Você sabe como fazer. Apenas faça de tudo pra ela desistir e se matar.

As palavras dele pairaram no ar como veneno, e por mais que eu tentasse ignorar, sabia que ele estava certo. Havia uma solução. Sempre houve. Mas eu não podia negar que, mesmo sendo um demônio, algo em mim hesitava. Algo que eu odiava admitir.

— Ace, você não tem nada melhor para fazer? — resmunguei, esfregando as têmporas. — Qual é, vai infernizar alguém por aí. Só preciso pensar um pouco.

Ace soltou uma risada curta, aquele riso carregado de deboche, antes de se levantar com sua habitual falta de pressa.

— Boa sorte com isso, irmãozinho. — Ele murmurou, saindo pela porta como se o mundo inteiro fosse um playground só dele.

Assim que ele desapareceu, o silêncio se instalou, e eu finalmente consegui respirar. Ou pelo menos tentei. Uma dor súbita e aguda atravessou meu peito, me forçando a cerrar os dentes. Era mais forte que o normal, mais insistente.

— Inferno... O que tem de errado com essa garota? — murmurei entre gemidos, tentando manter o controle.

A dor era diferente dessa vez. Não era só física; era como se algo estivesse... errado. Algo com ela. Me esforcei para me recompor, a respiração pesada enquanto o eco da dor começava a diminuir.

— O que diabos está acontecendo agora? — sussurrei para mim mesmo.

Sem perder mais tempo, fechei os olhos e me concentrei. A familiar sensação de distorção tomou conta enquanto me teleportava diretamente para onde ela estava.

Quando abri os olhos novamente, me vi em um quarto. As paredes eram pintadas em um tom suave, quase quente, com detalhes delicados que pareciam feitos à mão. A mobília era compacta, mas cuidadosamente organizada. Uma cama espaçosa estava encostada na parede, coberta por uma colcha com padrões florais. Almofadas estavam espalhadas de maneira casual, algumas com texturas macias, outras com bordados sutis. Um pequeno abajur projetava uma luz amarelada que iluminava de forma suave o espaço, criando uma atmosfera de tranquilidade.

Havia um pequeno armário com portas entreabertas, revelando roupas penduradas em cabides alinhados. Perto da janela, um conjunto de prateleiras carregava livros empilhados de maneira irregular, ao lado de objetos decorativos que variavam de bonecas antigas a pequenos vasos com flores artificiais. No chão, um tapete grosso e felpudo parecia convidativo, absorvendo qualquer som que ameaçasse quebrar a quietude do lugar.

Era um espaço carregado de personalidade, como se cada detalhe fosse um reflexo dela. Mas o que me chamou atenção foi a garota deitada na cama. Olívia. Ela estava ali, o rosto levemente franzido como se estivesse perdida em algum sonho perturbador.

Minha presença parecia deslocada naquele lugar, mas algo estava errado, e eu precisava descobrir o que.

Eu apareci no quarto dela sem cerimônia.

— Aí, qual é o seu problema? — perguntei irritado, minha voz cortando o silêncio do ambiente.

Ela quase pulou de susto, virando-se para mim com os olhos arregalados.

— Eu... Eu não chamei você... — murmurou, ainda assustada.

— É, mas eu tive que vir! — rosnei. — Estou com dores, sua desgraçada! — Esfreguei o peito, tentando aliviar a sensação ardente que ainda me corroía.

— Mas... — ela tentou falar algo, mas a interrompi sem paciência.

— Qual o seu problema? O que você tem? Está machucada? Com dor? O que caralhos está acontecendo com você?

Ela hesitou, parecendo vulnerável, e finalmente sussurrou:

— Só estou... triste.

Suspirei, revirando os olhos.

— Pois fique feliz! Você está me irritando, Olívia, puta merda!

— Como eu vou ficar feliz? — Ela elevou a voz, os olhos marejados. — Estou confusa!

Cruzei os braços, fitando-a com tédio.

— Com o que, diabinha?

— Zeck... Eu... estou confusa sobre os meus sentimentos por ele, e...

Antes que ela terminasse, eu a interrompi, minha paciência já se esgotando.

— Qual é, você está me fazendo me contorcer de dor por causa de um moleque que pinta o cabelo? Puta merda.

Os olhos dela se encheram de raiva.

— Vai embora! Você não entende!

Nesse momento, a porta do quarto se abriu, e lá estava ele: Zeck. Ele tinha aquela presença descontraída e despretensiosa, mas para mim, era só um moleque arrogante com um ego inflado.

— Olívia? Tudo bem? — ele perguntou, a voz carregada de uma falsa preocupação.

Ela olhou para ele, depois para mim, como se tentasse juntar as peças de um quebra-cabeça que só ela podia ver.

— Zeck... Eu só... — Ela apontou na minha direção, mas hesitou.

— O que foi? Por que está gritando, princesa? — Ele se aproximou dela, colocando uma mão gentil em seu ombro.

Eu ri alto, minha risada ecoando pelo quarto como um trovão invisível.

— Ele não consegue me ver, diabinha. Vai lá, conta para ele que está vendo coisas. Vamos ver se ele acha que você perdeu a cabeça.

Olívia respirou fundo, lutando para esconder sua confusão.

— Não é nada, Zeck. Eu só estava indo dormir...

Ela lidou surpreendentemente bem com a situação, conseguindo esconder minha presença como uma profissional.

Zeck deu um sorriso típico, aquele tipo de sorriso que só caras como ele têm, cheio de falsa gentileza e segundas intenções.

Enquanto ele falava com ela, eu o analisei. Zeck era um canalha. Não porque era evidente, mas porque eu reconhecia um de longe. Ele gostava de manter as coisas sob controle, sempre com um "osso" de reserva. Olívia era esse osso. Um aperitivo conveniente, sempre à disposição.

No entanto, havia algo mais em Zeck que me interessava. Ele era podre de ambição. Luxúria, fama, e o desejo de ser notado o consumiam. Ele queria tudo: sucesso, reconhecimento, poder. Era fascinante observar como a alma dele já estava praticamente no meu domínio sem que eu precisasse mover um dedo.

Humanos nascem assim, predispostos a se perder em dinheiro, poder, e prazer. Zeck não era exceção. A malícia que emanava dele era deliciosa, e, sinceramente, eu poderia me alimentar disso por eras.

Enquanto ele saía do quarto, ainda murmurando algo para Olívia, eu permaneci ali, observando. Quando a porta fechou, a tensão no ar pareceu relaxar.

Eu a observei por alguns segundos, sua expressão exausta e irritada. Decidi ir direto ao ponto, sem rodeios.

— Tá... Por que você não desiste da sua vida? — perguntei, cruzando os braços e me encostando na parede. — Porque, assim, você não fica sofrendo...

Antes que eu pudesse terminar, ela me interrompeu com uma força que me pegou de surpresa.

— Não fode... — ela disparou, jogando-se de costas na cama com um suspiro frustrado. — Eu não vou me matar, isso está fora de cogitação. Tente outro dia.

Rolei os olhos, claramente aborrecido.

— Qual é... — me teleportei para o lado dela na cama num piscar de olhos, apoiando o cotovelo no colchão e me inclinando levemente para encará-la. — Se você morrer...

— Eu já disse que não vou me matar, Vicent! — ela me interrompeu novamente, e, dessa vez, deu-me um tapa no peito. Não doeu, claro, mas me deixou um pouco irritado.

— Então eu posso te comer? — perguntei com um sorriso provocador, decidindo apelar para outro tipo de abordagem.

Ela franziu a testa, confusa, e arqueou uma sobrancelha.

— Me comer?

Eu me inclinei um pouco mais, deixando o sorriso nos lábios se alargar.

— Você deve ter um gosto delicioso...

— Vicent! — Ela se levantou um pouco, seus olhos se arregalando em indignação.

— Não diga mais nada... — continuei, ignorando sua reação e me divertindo com o desconforto dela. — Vou te comer com todos os molhos que eu conseguir preparar. — Meu tom era malicioso, meu sorriso um convite claro à provocação.

Ela suspirou, exasperada, e apontou para a porta.

— Vai embora. Preciso descansar. Cai fora.

Eu considerei provocá-la mais um pouco, mas decidi obedecer. Levantei-me e, com um último olhar divertido, me teletransportei de volta para casa. À medida que a energia do quarto dela desaparecia, eu podia sentir a frustração dela, e isso, de algum jeito, me arrancou uma risada.

Ainda assim, havia algo nela... algo que continuava me intrigando, me puxando para perto mesmo quando eu sabia que deveria manter distância. Mas isso era um problema para outro dia.

Em casa, finalmente pude relaxar. O ambiente tranquilo contrastava com a confusão que Olivia sempre trazia. Era minha fortaleza, um lugar onde eu podia organizar meus pensamentos sem a interferência constante do caos humano. Joguei-me no sofá de couro preto, deixando meus olhos vagarem pelo teto enquanto uma garrafa de whisky descansava ao meu lado.

Peguei um livro que estava jogado sobre a mesa de centro, um exemplar desgastado de “Inferno” de Dante Alighieri. Ironicamente, não era uma leitura ruim. Eu me divertia com a forma como os humanos tentavam compreender a natureza dos demônios e do inferno, sempre tão limitados por suas próprias crenças. Passei algumas horas absorto nas palavras, lendo passagens que me arrancavam um sorriso de escárnio.

Quando comecei a me entediar, liguei a televisão. A programação noturna estava repleta de comerciais repetitivos, mas eu estava acostumado. Usei o controle remoto para navegar pelos canais sem prestar muita atenção. Acabei deixando em um programa de documentário sobre astronomia. Era interessante ver como os humanos se esforçavam para entender um universo que nunca conseguirão alcançar.

O tempo passou sem que eu percebesse, e meus olhos começaram a pesar. Apaguei as luzes e me joguei na cama grande e bagunçada do meu quarto. Não precisei de muito para cair no sono.

Acordei lentamente e ainda estava escuro. Mesmo sendo um demônio, eu me permitia desfrutar de pequenos prazeres terrenos, como a preguiça matinal. Levantei-me e caminhei até o banheiro, deixando a água quente cair sobre mim. Enquanto o vapor preenchia o espaço, eu refletia sobre minha aparência.

Embora eu fosse, em essência, uma criatura considerada “horrenda” e “feia” pelos padrões humanos, era risível imaginar alguém como eu se encaixando nesses estereótipos. Humanos viam o que eu queria que eles vissem. Podia manipular suas mentes para acreditarem que eu era tão belo quanto um modelo de revista, tão irresistível quanto um sonho proibido. Minha verdadeira forma, a que eu mantinha escondida, era outra história.

Após o banho, parei em frente ao espelho. A imagem refletida era cuidadosamente construída: cabelos loiros perfeitamente alinhados, olhos que pareciam guardar um universo de mistérios e um sorriso afiado que poderia desarmar qualquer mortal. Peguei o pente sobre a pia e passei pelos fios molhados, ajustando cada detalhe com precisão quase irritante.

— Perfeito... como sempre — murmurei para mim mesmo com um sorriso satisfeito.

Enquanto me preparava para o dia, não pude evitar que pensamentos sobre Olivia surgissem. Ela era, de longe, a humana mais irritante e intrigante com quem já havia cruzado. O pacto que me prendia a ela era uma fonte constante de dor, mas havia algo mais profundo, algo que eu ainda não conseguia decifrar.

Vesti-me com uma camisa preta bem ajustada e calças escuras que me davam um ar elegante sem esforço. Completei o visual com um relógio caro — uma peça que, embora fosse apenas um detalhe, sempre impressionava os humanos. Pronto para enfrentar mais um dia nesse mundo imperfeito, saí de casa, minha mente já traçando os próximos passos.

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Comments

Thaliaa Vieira

Thaliaa Vieira

Ué não foi tu que disse que queria se redimir com ela? Que nesses oito anos presso tinha mudado?

2025-02-04

0

Thaliaa Vieira

Thaliaa Vieira

É quê é difícil as vezes matar um amor 💁

2025-02-04

0

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