Cap 5

[...]

Decidi que não dormiria hoje. Eu precisava saber o que acontecia enquanto eu dormia. E se... e se o que o senhor Vicent falou fosse importante? E se ele realmente soubesse de algo que eu não sei? Mas eu não podia deixar papai e mamãe perceberem que eu estava tentando ficar acordada, então... finjo que estou obedecendo.

Mamãe estava lá fora, cuidando do jardim. Ela sempre dizia que cultivava plantas medicinais ou algo assim. Nunca me importei muito em perguntar os nomes, porque sempre me esqueço. Algumas tinham um cheiro forte, outras eram bonitas, mas a maioria parecia estranha, com folhas retorcidas ou flores que não pareciam normais.

Eu estava sentada na mesa da sala, segurando meus lápis de cor, tentando desenhar minha família como trabalho da escola. Mamãe com seu vestido de flores, papai com aquela cara séria que ele sempre tem, e eu... pequena no meio deles.

Mas a verdade é que eu não conseguia parar de pensar na pergunta do senhor Vicent. "O que acontece enquanto você dorme?" E, mais ainda, por que ele parecia saber mais do que dizia? Vicent não era um anjo da guarda. Tenho certeza disso. Ele era mais como... um mágico. Ou talvez um bruxo. Ele sempre tinha um jeito de dizer as coisas que me deixava confusa, mas, de alguma forma, eu acreditava nele.

Aquela presilha roxa que ele me deu em um dos sonhos... uma presilha tão bonita, brilhante como o sol, com um pingente de coelhinho. Eu queria tanto que ela fosse real, queria tanto trazer algo dos meus sonhos comigo. Mas, infelizmente, sonhos são só sonhos. Nada neles é real.

Papai me tirou dos meus pensamentos.

— Olívia, tome seu leite e vá dormir. — Sua voz veio firme e autoritária, como sempre. Ele não pedia, ele mandava.

Eu não discuti. Não queria deixá-lo bravo.

— Sim, papai.

Peguei o copo de leite e olhei para o líquido branco. Estava quente, como mamãe sempre faz, e o vapor subia em pequenas ondas. Mas, quando levei o copo aos lábios, tudo ficou estranho. Minha visão ficou embaçada, e um zumbido alto começou no meu ouvido, como o som de abelhas presas dentro da minha cabeça.

Minhas mãos tremeram, e o copo escorregou dos meus dedos, caindo no chão com um estrondo. O vidro se estilhaçou, e o líquido se espalhou em todas as direções.

Papai veio correndo até mim.

— Você se machucou? — perguntou ele, mas a voz não parecia preocupada de verdade. Parecia... irritada. Como sempre. Papai nunca é carinhoso comigo.

Eu balancei a cabeça devagar, olhando para o chão. Minha respiração ficou presa na garganta. Aquilo... aquilo não era leite.

O líquido que se espalhou no chão era preto como tinta, grosso e brilhante, quase como tinta óleo. Eu o encarei, assustada, como se ele fosse se mexer ou engolir o chão. Meu coração batia tão rápido que parecia que ia sair do peito.

— Sim, papai... — murmurei, baixinho.

Papai não olhou duas vezes para o líquido preto. Ele apenas se afastou, bufando de frustração, para buscar um novo copo. Quando voltou, o leite estava branco como deveria ser. Cheirava a leite, quente e fresco. Eu tomei um gole. Era só leite, normal, como sempre.

— Se sente melhor, querida? — perguntou ele, colocando a mão no meu ombro.

"Querida". A palavra soou tão vazia, tão errada, como se não tivesse peso nenhum.

— Sim, papai. Só estou um pouco com sono...

Ele assentiu, satisfeito.

— Ótimo. Vá deitar.

Subi para o meu quarto devagar, cada passo parecendo mais pesado que o outro. Eu não queria dormir. Mas talvez eu não tivesse escolha. Porque, quando o sono vem, ele sempre me arrasta para longe. E, desta vez, eu sabia que o senhor Vicent estaria me esperando.

[...]

O sono veio como um ladrão silencioso, apesar de eu ter lutado contra ele com todas as forças. Quando abri os olhos, não estava mais no meu quarto. O cheiro doce e enjoativo tomou conta do ar, misturado com o perfume amadeirado e frio que eu já conhecia. Estava na casa do senhor Vicent.

Eu me sentei devagar, esfregando os olhos.

— Senhor Vicent... — comecei, minha voz ainda grogue.

Ele não desviou o olhar do chá, mas sua boca se curvou em um sorriso.

— Ora, ora, Olívia. Parece que você falhou na sua pequena missão, não é?

— Eu... eu tentei. — Olhei para o chão, envergonhada.

Ele riu baixinho, um som suave, mas cheio de algo que eu não conseguia identificar.

— Não se sinta mal, pequena Olívia. A luta contra o sono é a batalha mais antiga que existe, e poucos a vencem.

Eu me levantei do sofá, minhas pernas ainda um pouco trêmulas, e caminhei até ele. Algo parecia diferente dessa vez, mais pesado.

— O senhor me fez uma pergunta... — disse, parando a alguns passos de distância. — "O que acontece enquanto eu durmo?".

Ele finalmente olhou para mim, seus olhos dourados brilhando como se tivessem uma luz própria.

— E você conseguiu descobrir a resposta?

Eu balancei a cabeça devagar.

— Não... mas agora quero saber mais ainda.

Vicent colocou a xícara no pires com um som suave e se levantou. Ele era tão alto que sua presença parecia preencher todo o espaço ao meu redor. Ele se abaixou até ficar na minha altura, seus olhos prendendo os meus como se estivessem tentando ler minha alma.

— Talvez você não esteja pronta para a resposta, Olívia. Algumas verdades são difíceis de suportar, especialmente para alguém tão jovem.

Eu cruzei os braços, tentando parecer mais corajosa do que realmente era.

— Eu não sou tão criança assim. Eu consigo aguentar.

Ele sorriu, mas havia algo triste em seu rosto.

— Você tem coragem, eu admito. Mas a coragem, sozinha, não é suficiente. — Sua mão fria tocou meu braço de leve, e eu estremeci. Quando olhei para baixo, vi marcas escuras surgindo onde ele havia me tocado. Hematomas.

— O que... o que é isso? — perguntei, minha voz falhando.

Ele afastou a mão devagar, observando as marcas que continuavam a se espalhar.

— São marcas, Olívia. Cicatrizes de uma guerra que você nem sabe que está lutando.

Eu levei a mão à barriga, onde sentia uma pontada estranha, e puxei a camisa para cima. Mais hematomas. Pequenos, mas claros contra minha pele marrom.

— Isso é... isso é por causa do senhor?

Vicent balançou a cabeça lentamente, sua expressão séria.

— Não, minha pequena. Isso é algo que está acontecendo com você, enquanto dorme.

— Não entendo...

—Em breve pequena, em breve...

Resolvi mudar de assunto.

— Senhor Vicent, a presilha roxa que me deu... Eu adoraria levá-la para o mundo real... — digo envergonhada.

Vicent ergueu a cabeça ao ouvir minhas palavras, sua expressão normalmente calma se tornou curiosa, quase divertida. Ele estava sentado na poltrona, uma mão segurando sua xícara de porcelana e a outra descansando no braço do móvel.

— A presilha roxa? — ele repetiu, sua voz grave preenchendo o ambiente.

Assenti, encolhendo os ombros, um pouco envergonhada.

— Sim... ela é tão bonita. Eu nunca tive algo assim antes. Seria incrível usá-la na escola ou quando estou com a mamãe no jardim.

Ele sorriu, um sorriso que parecia tanto afetuoso quanto misterioso.

— Sabe, Olívia, os objetos dos sonhos não foram feitos para o mundo real. Eles pertencem a este lugar, onde o impossível acontece.

— Mas... — comecei, cruzando os braços. — Por que não? A senhora Mary, minha professora, sempre diz que se você acreditar de verdade em algo, ele pode se tornar real.

Vicent soltou uma risada baixa, inclinando-se um pouco para frente.

— Sua professora é uma mulher muito otimista, eu diria. — Ele colocou a xícara de chá sobre a mesa ao lado e apoiou os cotovelos nos joelhos, me olhando diretamente nos olhos. — Mas a verdade, minha pequena Olívia, é que as coisas daqui... — Ele apontou ao redor, indicando a casa. — Não seguem as mesmas regras do seu mundo.

Eu desviei o olhar, mordendo o lábio, ainda sentindo um pouco de vergonha por ter pedido aquilo.

— Eu só pensei... — murmurei, brincando com o tecido do meu vestido. — Que seria bom ter algo daqui comigo. Algo que me lembrasse do senhor, e que talvez me ajudasse a me sentir... protegida.

Vicent ficou em silêncio por um momento, sua expressão suavizando. Ele se levantou, caminhando lentamente até mim.

— A presilha... — ele disse, parando diante de mim. Ele estendeu a mão, e ali estava ela, brilhando com um tom de roxo tão profundo que parecia quase mágico. — É mais do que um simples enfeite.

Olhei para o objeto em sua mão, meus olhos arregalados.

— O senhor vai me deixar levá-la?

Ele se ajoelhou à minha frente, segurando a presilha delicadamente entre os dedos.

— Talvez... — ele murmurou, inclinando a cabeça. — Mas com uma condição.

— Qual condição? — perguntei, tentando esconder minha empolgação.

Vicent sorriu, mas havia algo de sério em seu olhar.

— Se você levar esta presilha para o seu mundo, deve usá-la apenas em momentos em que se sentir perdida ou em perigo. Ela não é um acessório comum, Olívia. É uma conexão comigo, uma forma de me chamar quando você precisar.

Meus olhos se arregalaram ainda mais, e meu coração acelerou.

— Ela pode me trazer de volta para cá?

— Não exatamente — ele respondeu, ainda segurando meu olhar. — Mas ela pode me ajudar a encontrar você, mesmo quando tudo parecer escuro.

Eu balancei a cabeça, quase sem pensar, estendendo minha mão para pegar a presilha. Quando meus dedos tocaram o objeto, senti um calor estranho, como se algo vivo passasse para mim.

— Obrigada, senhor Vicent. Eu prometo cuidar dela.

— Eu sei que vai, minha pequena Olívia — ele disse, colocando a presilha no meu cabelo com cuidado.

No momento em que ele a ajustou, senti uma onda de algo indescritível passar por mim, como se eu fosse envolvida por uma proteção invisível.

A casa tremeu como se estivesse prestes a desmoronar, e o som de vidro quebrando ecoava pelos corredores. Senhor Vicent, que sempre parecia calmo e controlado, agora estava de pé, sua expressão era completamente diferente: séria, rígida, quase ameaçadora. As correntes ao redor de seus pulsos brilhavam intensamente, como se fossem alimentadas por algo que eu não conseguia entender.

— Olívia! — ele gritou, sua voz grave cortando o caos ao nosso redor. — Acorde agora!

Eu não conseguia reagir. Meu corpo parecia pesado, como se estivesse preso a esse lugar. Minhas pernas tremiam, e meu coração batia acelerado.

— Mas o que está acontecendo, senhor Vicent?! — perguntei, tentando me segurar em algo, qualquer coisa.

Ele se aproximou de mim rapidamente, suas correntes flutuando de maneira descontrolada, várias outras começaram a aparecer por seu corpo. Com um movimento firme, ele segurou meu rosto em suas mãos e olhou fundo nos meus olhos.

— Você não pode ficar aqui agora, Olívia. Acorde! — ele ordenou, sua voz ainda mais intensa.

Antes que eu pudesse responder, tudo ao meu redor ficou escuro, como se a luz tivesse sido sugada da casa. Senti um puxão no estômago, como se estivesse sendo arrancada de um lugar para outro.

Abri os olhos de repente, respirando de forma ofegante. Estava de volta à minha cama, mas meu corpo estava encharcado de suor, e havia uma dor aguda em todo o meu corpo, especialmente no abdômen.

Papai estava ali, na beira da cama, ajustando a calça de forma distraída. O cheiro do perfume doce da mamãe ainda estava no ar, o que me deixou confusa e desconfortável.

— Está tudo bem, Olívia — disse ele, sem me olhar diretamente. Sua voz era seca, quase automática.

Eu não respondi. Apenas fiquei deitada, meu corpo doendo, o suor escorrendo pelo meu rosto. Algo estava errado, muito errado, mas eu não conseguia entender o que era.

Assim que ele saiu do quarto, fechei os olhos novamente, tentando me lembrar do que havia acontecido no sonho. As palavras de Vicent ainda ecoavam na minha mente: "Acorde!"

Por que ele estava tão desesperado? E por que eu me sentia tão esgotada, como se algo tivesse sido arrancado de mim?

— Papai, meu corpo dói... — murmurei, minha voz baixa e hesitante.

Ele parou na porta, a mão ainda segurando o batente. Virou-se lentamente, mas não veio até mim. Seus olhos me encararam por um momento, como se estivesse avaliando o que dizer.

— Você está crescendo, Olívia. Isso é normal — respondeu, sua voz fria, como se estivesse dispensando minha dor com palavras vazias.

Eu segurei o cobertor com força, sentindo um nó se formar na garganta. Não parecia normal. A dor era estranha, profunda, e o desconforto não era só no corpo, mas também na alma.

— Mas... dói muito, papai... — insisti, tentando encontrar algum sinal de preocupação nele, algo que me fizesse sentir segura.

Ele respirou fundo, visivelmente irritado, e deu um passo para fora do quarto.

— Dormir ajuda com isso. Agora descanse — disse, antes de fechar a porta sem olhar para trás.

As lágrimas começaram a escorrer pelos meus olhos enquanto eu me encolhia debaixo do cobertor. Meu corpo doía de verdade, mas a dor que mais me sufocava era a sensação de que algo estava errado, algo que eu não conseguia entender completamente.

Meu olhar foi para o travesseiro ao lado, e ali estava a presilha roxa que ele me deu. Eu a segurei com força, sentindo um pequeno alívio em tê-la comigo. Mesmo sem entender completamente o que estava acontecendo, algo me dizia que Vicent sabia mais do que estava me contando.

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Comments

Ruby

Ruby

o pai abusa dela 😥

2025-01-29

0

Thaliaa Vieira

Thaliaa Vieira

Será que o pai dela abusa dela enquanto ela dorme?🤔🤨

2025-02-04

1

Ver todos

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