Acordei com solavancos. Meu corpo estava pesado, e havia algo... não, alguém, em cima de mim. Abri os olhos devagar, ainda confusa. Era papai. Ele estava curvado, com o rosto no meu pescoço, murmurando coisas que eu não conseguia entender.
Eu estava suada e com muita dor. Meu braço doía, minhas costelas pareciam ter sido apertadas com força, e minha cabeça latejava. Não conseguia me mover direito, meu corpo parecia fraco, cansado.
— Papai? — murmurei, tentando chamar sua atenção. Minha voz saiu baixa, quase engasgada.
Ele não respondeu. Apenas continuava ali, pressionando o peso dele contra mim. Tentei me afastar, mas era como se minhas forças tivessem desaparecido, afinal... Sou apenas uma criança fraca... Eu deveria ter comido mais espinafre como o Popeye.
— Papai, você... você me machucou? — perguntei, sentindo um nó na garganta. Minha voz estava trêmula, e a confusão fazia minha cabeça girar. — Papai, está me assustando...
Ele levantou o rosto, finalmente me olhando. Seus olhos estavam estranhos, como se ele não fosse o papai que eu conhecia. Ele não disse nada, apenas ficou ali, me encarando por alguns segundos antes de se levantar e ajeitar a calça.
— Papai? — chamei de novo, mas ele se levantou de cima de mim, estava sem as roupas, papai pegou suas roupas no chão e começou a vestir. Me sinto triste... o que está acontecendo? Porque papai é sempre estranho?... Papai estava saindo do quarto, murmurando algo que não consegui entender.
Fiquei deitada, respirando rápido, tentando entender o que tinha acontecido. Minha cabeça doía, meu corpo parecia que tinha sido machucado, mas eu não conseguia lembrar. Tudo estava confuso... Sinto tanta dor...
"Senhor mágico...", pensei, meu coração se apertando. "Por que você não apareceu? Você disse que viria se eu chamasse... Mas... Não me lembro de seu nome... Eu preciso de você..."
Fechei os olhos com força, tentando lembrar do nome dele, o nome que parecia tão claro antes. Mas agora, nada. Minha mente estava em branco, como se alguém tivesse roubado as palavras de mim.
Lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. Meu corpo doía, mas o que mais me machucava era o medo, a solidão, a sensação de que algo horrível tinha acontecido, eu estou com medo de morar aqui...
Eu queria voltar para o sonho. Queria voltar para o senhor mágico, para a casa de espelhos, para qualquer lugar que não fosse aqui.
Aquele mágico, disse para eu não tomar do leite. E é isso que farei. Não vou mais beber aquilo, não importa o que mamãe e papai digam.
Me levantei da cama com dificuldade. Meu corpo inteiro parecia pesado, e minha... bem, uma parte de mim doía tanto que mal consegui me mexer sem fazer uma careta. Não entendi o motivo, mas algo estava definitivamente errado.
Olhei ao redor do quarto. Mamãe não estava em lugar nenhum. A casa estava em silêncio, exceto pelo som distante do vento batendo contra as janelas. Fiquei aliviada. Por algum motivo, não queria ver mamãe ou papai agora.
Vesti um vestido roxo que estava pendurado na cadeira perto da cama. Ele era um dos meus favoritos, mesmo que estivesse um pouco curto agora. Depois, fui até o pequeno espelho rachado na parede e comecei a arrumar meu cabelo.
Decidi fazer um coque bem apertado, o mais firme que consegui. Mas, no fim, ficou torto e um pouco frouxo. Suspirei, frustrada. Odeio o meu cabelo. Esses cachos nunca ficam do jeito que eu quero. Por mais que eu penteie e tente domar, ele sempre acaba embolado.
Meus pensamentos foram para Elly, minha colega de classe. Ela tem o cabelo mais bonito que já vi: liso, brilhante, sempre perfeito. Eu daria tudo para ter o cabelo como o dela. Talvez, se eu tivesse o cabelo dela, as pessoas me achassem bonita também. Talvez papai e mamãe fossem mais gentis.
Dei um último suspiro, largando o pente. "É o que é", pensei, saindo do quarto com o coque torto e meu vestido roxo. Algo estava diferente hoje, algo que eu não conseguia entender ainda. Mas eu sabia que precisava ser forte.
E, acima de tudo, precisava lembrar do que o mágico me disse. Não tomar do leite. Nunca mais.
Caminhei até a cozinha ainda com o corpo pesado, sentindo as dores que pareciam insistir em me acompanhar. Quando cheguei lá, vi o copo de leite sobre a mesa. Ao lado dele, um pedaço de papel dobrado. Peguei o bilhete com cuidado, reconhecendo a letra de mamãe:
"Beba o leite e vá ao templo, estaremos te esperando lá."
Fiquei parada, segurando o bilhete com uma das mãos e olhando para o copo de leite com a outra. O líquido branco parecia tão inocente, mas agora eu sabia que não era. Vicent havia me alertado, e eu confiava nele.
Meu estômago revirou ao lembrar das últimas vezes que bebi aquilo. A sensação de algo estranho no gosto, o zumbido nos meus ouvidos, a confusão que sempre vinha depois... Não, eu não tomaria o leite.
Dobrei o bilhete com cuidado e o coloquei de volta na mesa. Observei o copo por um instante. Ele parecia tão simples, tão comum. Mas por que algo tão comum me dava tanto medo agora?
Olhei ao redor da cozinha, esperando encontrar mamãe ou papai, mas estava sozinha. Isso me deu coragem. Peguei o copo com as duas mãos, olhei mais uma vez para o líquido dentro dele e, sem pensar duas vezes, virei-o na pia.
O leite escorreu pelo ralo, desaparecendo, enquanto meu coração batia mais rápido. Era um pequeno ato de rebeldia, mas parecia importante. Vicent disse para eu não tomar, e eu confiava nele mais do que em qualquer outra pessoa agora.
Respirei fundo, olhando para a pia vazia.
— Pronto, senhor mágico.— murmurei para mim mesma. — Não tomei.
Coloquei o copo de volta na mesa, no mesmo lugar onde estava. Peguei meu casaco e saí da cozinha. Se mamãe e papai queriam que eu fosse ao templo, eu iria. Mas, dessa vez, eu faria isso do meu jeito.
[...]
Caminhei pelas ruas de Scorn, o sol ainda estava lá, brilhando e quente como sempre, mas algo parecia diferente. As plantas ao meu redor, antes tão vivas, estavam secas, quebradiças, como se tivessem sido deixadas para morrer sob o mesmo sol que eu costumava achar aconchegante. As casas, que normalmente pareciam acolhedoras, estavam... erradas. As janelas estavam quebradas, algumas portas balançavam lentamente, e havia um cheiro no ar, algo podre e pesado que fazia meu estômago revirar.
Foi quando minha cabeça começou a latejar, uma dor aguda e pulsante. Minha visão ficou turva, e aquele zumbido voltou, mais alto e ensurdecedor do que nunca. Cobri os ouvidos tentando afastá-lo, mas não adiantava. Senti algo quente escorrendo pelo meu nariz e levei a mão ao rosto.
— Ah! — Foi tudo o que consegui dizer ao ver o sangue. Vermelho e vivo, manchando minha mão pequena.
Eu corri. Não sei como minhas pernas aguentaram, mas corri. Minhas passadas eram desajeitadas, tropeçando em coisas que eu não conseguia enxergar claramente. Passei por pessoas, mas elas não pareciam mais pessoas.
Havia um homem sentado no chão, com algo enrolado nos dedos que ele levava à boca. Seu rosto era deformado, o nariz inexistente, substituído por uma cavidade aberta e avermelhada. Mais à frente, uma mulher rastejava no chão. Ela tinha braços demais — pelo menos seis —, e todos pareciam puxá-la em direções diferentes, como se estivessem brigando uns com os outros.
O pior era o som. Gemidos, gritos e uma risada histérica ecoavam por todos os lados. Vi alguém enfiando uma agulha no próprio braço e depois rindo tão alto que parecia estar chorando. Outro homem estava parado no meio da rua, a cabeça inclinada para trás, como se estivesse olhando o céu, mas sua boca estava escancarada, e uma substância preta escorria pelos cantos.
Continuei correndo. Passei por mais pessoas, ou o que quer que elas fossem. Um garoto com uma perna só tentava caminhar apoiado em algo que parecia um osso. Uma senhora sem olhos segurava uma vela acesa e murmurava palavras que eu não entendia.
Finalmente, cheguei em casa. Tateei as paredes com pressa e me joguei no banheiro, fechando a porta atrás de mim. O som abafou um pouco, mas minha respiração estava pesada, e meu coração parecia que ia sair pela boca. Corri até a pia, liguei a torneira e comecei a lavar meu rosto com as mãos trêmulas.
— Calma, calma, calma... — sussurrei para mim mesma, tentando recuperar o fôlego.
Foi então que levantei os olhos para o espelho.
Eu gritei.
Atrás de mim, onde deveria estar a parede de tijolos, havia algo que parecia vivo. Carne pulsante, vermelha e úmida, cobria toda a parede. Veias grossas e azuis atravessavam-na, pulsando como se estivessem bombeando sangue. Meu estômago revirou, e eu dei um passo para trás.
Olhei para a pia. A água que escorria não era mais água. Era preta, densa e pegajosa, com um cheiro ácido que fazia meus olhos lacrimejarem. Ela escorria lentamente, grudando nas bordas da pia como óleo queimado.
O banheiro estava diferente. O piso parecia feito de couro, enrugado e irregular. O teto estava coberto por algo que parecia teias de aranha, mas eram vermelhas e brilhavam como sangue fresco. Eu não sabia para onde olhar, porque tudo ao meu redor parecia querer me engolir.
Meu corpo inteiro tremia, e eu não sabia se estava acordada ou presa em outro pesadelo.
Eu precisava ir ao templo. Talvez tudo isso fosse só minha imaginação. Talvez eu estivesse cansada, ou tivesse comido algo estragado. Mas mesmo tentando me convencer disso, as imagens grotescas da carne viva e do sangue negro não saíam da minha cabeça.
Saí de casa correndo. O ar parecia mais pesado do que nunca, e as ruas de Scorn estavam estranhas, ainda mais caóticas do que antes. As pessoas que passavam por mim estavam diferentes, com olhares vidrados, como se estivessem hipnotizadas. Uma mulher com um buraco enorme no abdômen caminhava ao meu lado como se fosse normal, enquanto um homem segurava uma faca, esculpindo símbolos estranhos no próprio braço, sem mostrar qualquer dor.
Meu coração batia descontroladamente enquanto eu me aproximava do templo. Ele era o maior prédio da vila, uma construção antiga de pedra com vitrais coloridos e uma grande cruz acima da entrada. Sempre achei que o templo era o lugar mais seguro de Scorn, onde todos se reuniam e onde ninguém tinha medo de nada. Mas agora, parecia... diferente.
Quando cheguei, havia uma multidão reunida no pátio. Pessoas cercavam algo ou alguém no centro. Meu instinto foi correr até lá, talvez mamãe e papai estivessem entre eles, mas à medida que me aproximei, ouvi murmúrios e gritos.
— Louvem o bezerro sagrado! — gritou alguém com uma voz rouca e fanática.
As pessoas ao redor começaram a repetir em coro, suas vozes misturando-se em um som assustador.
— Louvem o bezerro sagrado!
Minhas pernas pararam automaticamente, mas minha curiosidade foi maior. Forcei-me a dar mais alguns passos, até conseguir ver o que estava no centro do círculo.
Era uma criança.
Um menino, talvez um pouco mais novo que eu. Ele estava vestido com algo que parecia uma túnica branca, mas o tecido estava sujo, manchado de algo que parecia ser sangue seco. Ele chorava baixinho, seus olhos inchados e vermelhos, enquanto homens ao redor dele carregavam facas e tochas.
— É uma honra, pequeno bezerro — disse um homem alto com uma máscara dourada. Sua voz era calma, quase gentil, enquanto ele levantava a faca acima da cabeça do garoto.
Meus olhos se arregalaram. Meu corpo inteiro ficou rígido, incapaz de se mover.
— Não! — Quase gritei, mas minha voz ficou presa na garganta.
O menino soluçava, seus olhos fixos no céu como se buscasse uma ajuda que não viria. O homem mascarado murmurou algo em uma língua que eu não entendia, e então, com um movimento rápido, desceu a lâmina.
Virei o rosto e fechei os olhos com força, mas não foi rápido o suficiente. Eu vi. O sangue jorrando em um arco alto. Ouvi o som abafado do corpo caindo no chão, e o grito de vitória da multidão.
Minhas mãos tremiam enquanto eu tapava os ouvidos, tentando bloquear os sons ao meu redor. O cheiro de sangue fresco era forte, quase sufocante.
— Louvem o bezerro sagrado! — gritavam as pessoas, suas vozes cada vez mais altas, mais frenéticas.
Eu queria correr, mas minhas pernas pareciam presas ao chão. As lágrimas escorriam pelo meu rosto, e eu tentava não abrir os olhos, não ver mais nada.
"Isso é um pesadelo. É só um pesadelo", pensei. Mas eu sabia que não era. Isso era Scorn.
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Atualizado até capítulo 35
Comments
Thaliaa Vieira
Vai querer que os outros abusem da tua filha também vadia?😤Purificar a tua cara
2025-02-04
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Thaliaa Vieira
Pronto, lembrasse o nome dele.
2025-02-04
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