Cap 11

Acordei abrindo os olhos lentamente o ambiente era completamente estranho. O cheiro era estéril, misturado com algo químico que fazia meu nariz arder. A luz branca no teto era tão brilhante que machucava meus olhos. Eu não sabia onde estava, mas meu corpo não doia tanto quando antes. Quando percebi que estava cercada por pessoas, meu coração disparou.

— Ah! — gritei, tentando me encolher na cama enquanto meu olhar saltava entre os estranhos de branco. Eles usavam máscaras que cobriam a boca e o nariz, como se estivessem escondendo algo.

Uma mulher deu um passo à frente, com os olhos aparentando ser gentis, mas ainda assim eu me sentia como um animal encurralado.

— Querida, calma. Não iremos te machucar. Somos médicos. Você está no hospital, estamos cuidando de você.

Meus olhos arregalados pularam de um rosto para outro, procurando algum sinal de perigo. Meu corpo tremia enquanto eu puxava o cobertor até o queixo, tentando me esconder atrás dele como se fosse um escudo.

— Qual é o seu nome? — perguntou a mulher. Sua voz era suave, mas eu não confiava nela.

Ainda assustada, deslizei para debaixo do cobertor, me enfiando ali como se pudesse desaparecer. Meu coração estava batendo tão rápido que parecia ecoar nos meus ouvidos.

— Está tudo bem. — A voz da mulher continuava. — Não queremos assustá-la. Queremos ajudá-la.

As palavras dela pareciam tão distantes. Eu estava ocupada demais tentando entender o que era aquele lugar. Tudo era tão limpo, tão organizado, tão... assustador. E aquelas máquinas ao lado da cama faziam barulhos estranhos. Pisca, apita, pulsa.

— Por favor, não precisa se esconder. — Outra voz falou, um homem dessa vez. Ele tinha uma máscara como a mulher, mas os olhos dele não pareciam tão gentis. Eu não confiava neles.

Minha respiração estava descontrolada. Eu me agarrava ao cobertor como se fosse a única coisa que poderia me proteger. Não entendia nada do que estava acontecendo, mas tinha certeza de que precisava sair dali. Assim que tivesse a chance, eu fugiria.

Eu me encolhi mais ainda sob o cobertor, tentando afastar o desespero que me consumia. Minha perna doía, mas estava diferente de antes. Eu senti algo macio e limpo envolvendo-a. Eles haviam cuidado de mim? Eram curativos tão limpos... Nunca tinha visto nada parecido em Scorn. Meu vestido era verde, novo, sem nenhum rasgo ou sujeira. Era tão... diferente. Essas roupas vieram daqui?

Minha mão subiu automaticamente até meu cabelo, buscando algo familiar, meu amuleto, minha presilha. Era tudo o que me restava. Mas quando meus dedos percorreram os fios, ela não estava lá.

— Onde está?! — gritei, minha voz quase histérica enquanto puxava os fios de cabelo, procurando desesperadamente. O que eles tinham feito com ela?

A mulher se aproximou com cautela, a máscara ainda cobrindo metade do rosto. Ela abriu o bolso do jaleco branco e retirou algo pequeno e brilhante.

— Está procurando sua presilha? Guardamos para você. — Disse ela, segurando o objeto na mão direita.

Meus olhos se fixaram na presilha, o alívio transformando-se em raiva.

— Devolva! — gritei, as lágrimas rolando pelo meu rosto. Meu peito subia e descia rapidamente, a ansiedade me consumindo. Era tudo o que eu tinha. Tudo o que era meu.

— Claro, desculpe ter tirado de você. — A mulher falou gentilmente, abaixando-se para que eu pudesse vê-la melhor. — Eu a limpei para você.

Ela se aproximou devagar e prendeu a presilha em meu cabelo. Foi nesse momento que a ansiedade começou a diminuir, e eu senti o peso do objeto em meu cabelo novamente. Isso me deu uma sensação de segurança, mesmo que mínima.

Eu a encarei, ainda desconfiada, mas sem coragem de gritar novamente. Baixei o olhar e murmurei, quase como um sussurro:

— Olívia...

— O quê? — A mulher perguntou, inclinando-se para ouvir melhor.

— Meu nome é Olívia... — respondi, ainda hesitante, enquanto ajustava minha posição na cama, sentindo o conforto da presilha contra minha cabeça. Era como se ela fosse a única coisa que me ligava ao que eu era antes de tudo isso acontecer.

A mulher tirou a máscara do rosto, revelando feições suaves e um sorriso que parecia querer me tranquilizar, mas eu ainda me sentia como um animal encurralado. Seus olhos fixaram-se nos meus, sérios e curiosos.

— Olívia, o que estava fazendo na estrada? — perguntou ela com uma voz gentil, mas firme.

Eu me encolhi mais ainda, puxando o cobertor até o pescoço, tentando me esconder. A pergunta trouxe lembranças ruins, imagens das ruas de Scorn, das coisas horríveis que eu tinha visto, do homem que me fez correr até o penhasco.

— Eu... eu estava fugindo... — murmurei, minha voz falhando enquanto desviava o olhar.

— Fugindo? Fugindo de quem? — A mulher inclinou a cabeça, sua expressão agora era de preocupação.

Mordi o lábio, hesitando. Será que eu podia confiar nela? Será que era seguro contar a verdade?

— Da vila... — sussurrei, finalmente.

— Vila? — Ela parecia confusa. — Que vila, querida?

Engoli em seco, minhas mãos agarrando o cobertor com força. Eu não sabia se podia explicar, se conseguiriam entender o que era Scorn, ou o que acontecia lá.

— Vocês... vocês não entenderiam. — Balancei a cabeça, frustrada, tentando segurar as lágrimas.

A mulher suspirou, mas não insistiu.

— Está bem. Você não precisa me contar agora. — Disse ela, suavemente. — Mas quero que saiba que está segura aqui, Olívia. Ninguém vai machucar você.

"Segura"? Eu não tinha certeza. Afinal, não conhecia este lugar nem essas pessoas. E ainda assim, algo na voz dela parecia sincero. Mas como eu poderia acreditar, depois de tudo o que já tinha visto?

— Pode me chamar de Cassandra. — Ela sorriu, tentando parecer amigável.

— Cassandra... — murmurei, testando o som do nome em minha boca. Não era um nome que eu já tivesse ouvido antes. Parecia tão diferente, assim como tudo nesse lugar estranho.

Ela se ajoelhou ao lado da cama, ficando mais próxima, mas sem me assustar. Era como se estivesse tentando me fazer sentir que não precisava fugir mais.

— Sim, Cassandra. E quero ajudar você, Olívia. — Ela colocou uma mão leve na borda da cama, sem tocar em mim. — Você está segura aqui.

— Por que estão me ajudando? — perguntei, ainda desconfiada.

— Porque você precisa. — O tom dela era tão direto que me pegou de surpresa. Não parecia haver mentiras em sua voz, o que a tornava ainda mais desconcertante.

Meu estômago roncava tão alto que parecia gritar por mim. A dor na barriga era quase insuportável, uma sensação que eu já conhecia bem.

— Estou faminta... Eu não aguento mais... — murmurei com a voz fraca, quase chorosa.

Cassandra se levantou rapidamente e pegou uma pequena campainha ao lado da cama, apertando-a. O som suave ecoou pelo quarto.

— Vou pedir algo para você comer. Não se preocupe, querida, já vai chegar.

Eu a observei, tentando entender se era mais uma armadilha, mas a fome venceu minha desconfiança. Minha mente se fixava apenas na ideia de comida.

— O que tem para comer aqui? — perguntei com cautela.

— Ah, muitas coisas. Vou pedir algo leve para você. Uma sopa, talvez.

Sopa? A palavra parecia tão simples, mas para mim soava como uma promessa. Água quente com gosto? Isso era um luxo que nunca imaginei que pudesse ter.

Enquanto Cassandra saía do quarto por um momento, minha mente começou a vagar. Lembrei dos dias na floresta, do gosto horrível da água do rio e de como minha garganta doía ao engolir as folhas amargas que mastiguei. Agora, alguém estava me oferecendo comida... comida de verdade.

Cassandra voltou, ainda com aquele sorriso calmo.

— Não vai demorar. Enquanto isso, tente relaxar, está bem?

Balancei a cabeça em concordância, mas meu corpo inteiro tremia de ansiedade.

Depois de alguns minutos, um homem com roupas brancas entrou com uma bandeja. Ele deixou-a sobre uma pequena mesa ao lado da cama e saiu sem dizer nada.

— Pronto, Olívia. Aqui está. — Cassandra puxou a mesa para mais perto de mim e levantou a tampa da tigela.

O cheiro me atingiu como um soco. Era diferente de tudo o que já havia sentido antes. Quente, acolhedor, quase mágico.

— É sopa de legumes. Coma devagar, está bem?

Peguei a colher com mãos trêmulas e olhei para o líquido dourado com pedaços flutuando. Levei uma colherada à boca e quase chorei. Era quente e tinha um gosto tão bom que parecia mentira.

— Está gostoso? — perguntou Cassandra, inclinando a cabeça enquanto me observava.

Eu apenas assenti, incapaz de responder. Lágrimas escorreram pelo meu rosto enquanto eu comia. Não porque estava triste, mas porque, pela primeira vez em muito tempo, sentia que havia esperança.

Os policiais vieram falar comigo mais cedo. Acho que são chamados de oficiais, ou algo assim. Eles se sentaram ao meu lado com vozes suaves, mas seus olhos pareciam tão curiosos, quase confusos. Contei tudo o que me lembrava de Scorn, da vila, do templo, do leite... Mas, segundo eles, Scorn não existe.

— Como assim não existe? — perguntei, sem conseguir acreditar. — Eu moro lá. Sempre morei.

Eles trocaram olhares rápidos entre si, como se estivessem compartilhando um segredo silencioso.

— Não se preocupe, Olívia — disse um deles, colocando a mão no meu ombro. — Vamos cuidar de você. Encontramos um lar cheio de amor, e é para lá que você vai.

Um lar cheio de amor? Essas palavras soaram tão distantes, quase irreais. Não sabia o que isso significava de verdade, mas algo dentro de mim dizia que eu não tinha escolha. Apenas concordei com a cabeça.

— O delegado vai cuidar de você — explicou um deles. — Ele tem dois filhos e disse que adorariam te receber.

Fiquei quieta. Assustada, sim, mas também sem esperanças. Minha mente estava pesada demais para argumentar.

Agora estou sentada em um sofá grande e macio, assistindo a algo chamado TV. É mágico, tão diferente do que eu conhecia. Nunca tinha visto algo assim antes. Os desenhos na tela são tão coloridos e animados, cheios de personagens que sorriem e correm. Eu me perdi completamente naquela movimentação.

Em Scorn, tínhamos uma televisão, mas era velha e pequena, com uma tela que parecia estar escondida dentro de uma caixa de madeira grossa. Apenas o padre tinha fitas de vídeo, e eram sempre as mesmas: sermões e orações. Nada além disso.

Mas essa televisão aqui... Ela é tão fininha, como uma folha, e as cores são tão vivas! As vozes que saem dela são alegres, rápidas, e fazem meu coração bater mais rápido de excitação. Eu não sabia que existia algo assim no mundo.

Eu ri baixinho enquanto um personagem engraçado caía de uma árvore e fazia uma careta. Por um breve momento, a sensação de estar assustada desapareceu. Mas, ao fundo, uma voz em mim sussurrava: E se eles estiverem mentindo?

Depois de uma viagem que parecia interminável, o carro finalmente parou. A casa à minha frente era muito maior do que qualquer uma que eu já tinha visto em Scorn. Parecia que tinha dois andares, e as janelas brilhavam com luzes quentes. Eu me encolhi um pouco, segurando a presilha no meu cabelo como se fosse um escudo.

Carro, então era isso o animal metálico que me assustou. Um veículo usado por todos nessa cidade.

— É aqui, Olívia — disse o policial com um sorriso gentil. O nome dele é Dixon.

Ele abriu a porta e me ajudou a sair. Eu me sentia tão pequena ali, com os pés ainda doendo dos cortes e machucados que eu tinha ganhado na floresta. A porta da casa se abriu, e um homem grande, com uma barba bem aparada e olhos gentis, apareceu.

— Bem-vinda, Olívia! — disse ele com um sorriso largo. — Sou o delegado Steven. É um prazer te receber na nossa casa.

— Olívia, não precisa ter medo — disse a mulher ao lado dele. Era Suzana, sua esposa. Ela parecia tão doce, com cabelos castanhos amarrados em um coque e uma roupa limpa e perfumada.

— Obrigada... — murmurei, ainda encolhida.

— Esses são nossos filhos — Steven apontou para dois meninos atrás dele.

O primeiro, Mike, estava sentado no chão perto de um canto, mexendo em algo pequeno que parecia uma televisão em miniatura, mas não era como a TV que eu tinha visto antes. Ele parecia estar apertando botões e fazendo algo na tela, completamente alheio a tudo ao redor.

O outro menino, Zeck, estava com algo estranho nos ouvidos, como tampões que pareciam de borracha. Ele apenas olhou para mim por um breve momento e depois voltou a encarar o nada, cruzando os braços. Nenhum dos dois parecia muito animado com a minha chegada.

— Meninos, digam oi para Olívia! — disse Suzana com um tom animado, mas eles mal reagiram.

— Oi... — murmurou Mike sem tirar os olhos do que estava fazendo.

— Tanto faz... — respondeu Zeck de forma indiferente.

Eu me senti ainda mais desconfortável. Queria desaparecer, voltar para a floresta, talvez até mesmo para Scorn, apesar de tudo. Mas, por outro lado, a casa parecia tão limpa e acolhedora.

— Não ligue para eles, querida. Eles vão se acostumar com você logo, logo — Suzana disse, me guiando para dentro.

A casa era muito diferente de tudo o que eu conhecia. O chão era coberto por algo macio, como um tapete enorme que ia de um lado ao outro da sala. Havia móveis acolchoados e confortáveis, com almofadas espalhadas. Nas paredes, havia quadros com fotos de Steven, Suzana, Mike e Zeck, todos sorrindo em lugares que eu não reconhecia.

— Vamos te mostrar seu quarto, querida. Deve estar exausta — disse Suzana.

Eu apenas assenti, seguindo-a pelos corredores. Tudo era tão diferente... Tão novo. Eu não sabia se deveria me sentir aliviada ou aterrorizada.

Manquei até a cama com dificuldade, minha perna ainda doía, mas assim que me sentei no colchão, fui tomada por uma sensação estranha, quase boa. A cama era tão pequena e aconchegante, completamente diferente do chão duro da caverna ou do pequeno espaço onde eu dormia em Scorn. O colchão era tão fofo que parecia me abraçar, e os cobertores cheiravam a algo fresco e confortável, como flores que eu nunca tinha sentido antes.

Eu olhei ao redor do quarto. As paredes eram claras, sem rachaduras ou manchas. Havia uma pequena mesa ao lado da cama, com uma luminária e um copo d'água. Tudo parecia tão limpo e organizado que eu me sentia fora de lugar.

Suzana se aproximou, sentando ao meu lado na cama. Ela passou a mão suavemente pelos meus cabelos, como se quisesse me tranquilizar.

— Querida, não ligue para os meninos, está bem? Eles são adolescentes e têm os seus momentos... É só uma fase — disse ela, sorrindo gentilmente.

Eu não sabia o que "adolescente" significava, mas o tom dela era reconfortante. Por um momento, me senti segura, algo que não sentia há muito tempo.

— Durma um pouco, está bem? Você precisa descansar. Amanhã será um dia melhor — ela completou, ainda acariciando meu cabelo.

Eu apenas assenti, tentando confiar na doçura dela. Assim que Suzana saiu do quarto, o silêncio me envolveu.

Deitei-me com cuidado, puxando os cobertores até o queixo. O cheiro era tão bom, tão diferente do que eu estava acostumada. Fechei os olhos, mas minha mente estava inquieta. Pensei em Scorn, em mamãe e papai, na floresta escura e no mágico que prometeu me proteger. Pensei nos sons estranhos que ouvi antes de encontrar aquela estrada e em como tudo parecia tão irreal.

Demorei para dormir. Minha mente parecia presa entre o que eu conhecia e o que era completamente novo, mas, finalmente, o cansaço venceu. Meu corpo relaxou, e eu caí em um sono profundo, cercada por aquele colchão macio e os cobertores cheirosos que eu nunca imaginei que existissem.

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