cap 2

Durante a noite, enquanto meus pais estavam ocupados fazendo coisas que eu não entendia, a cama balançava e os sussurros deles preenchiam o quarto. Eu tentava me encolher no canto do colchão, fechando os olhos com força, desejando ser pequena o suficiente para desaparecer. Mas, quando o silêncio finalmente chegava e o cansaço tomava conta de mim, eu sempre acabava dormindo. E era aí que tudo começava.

No meu sonho,se é que aquilo era um sonho, eu acordava sozinha no meio da floresta. Estava escuro, mas eu conseguia enxergar as árvores altas, suas copas se fechando como se estivessem me prendendo ali. O ar era pesado, e o cheiro de terra molhada se misturava a algo doce, quase enjoativo. Cada som parecia amplificado, o estalar de um galho, o farfalhar das folhas, como se o próprio lugar estivesse vivo.

E então eu o ouvia. O som das patas enormes se movendo sobre o solo, esmagando folhas e gravetos, o ronco baixo que fazia meu coração acelerar. O tigre estava lá, me observando, mesmo que eu não o visse ainda. Assim que eu percebia sua presença, começava a correr. Era como se meu corpo soubesse que não havia outro caminho a seguir.

Eu corria o mais rápido que podia, mas minhas pernas curtas nunca eram rápidas o suficiente. O tigre estava sempre atrás de mim, cada vez mais perto. Até que, no meio da floresta, eu via uma construção estranha, uma casa feita inteiramente de espelhos. As paredes refletiam minha imagem por todos os lados, deformando meu corpo e me deixando ainda mais assustada. Era a única saída, então eu entrava.

Quando entrei naquela casa de espelhos, fiquei sem fôlego. Por fora, parecia uma construção simples e um tanto estranha, com vidros refletindo minha imagem distorcida. Mas, ao atravessar a porta, tudo mudou. Era como se eu tivesse entrado em outro mundo, um lugar luxuoso, antigo, e cheio de mistérios.

O chão era de mármore brilhante, com desenhos interligados de flores e espirais douradas que pareciam se mover sob meus pés. As paredes eram cobertas de espelhos, mas não eram como os espelhos de casa, que mostravam apenas o reflexo. Esses eram enormes, emoldurados com ouro detalhado, como se fossem janelas para outros tempos. Cada espelho parecia contar uma história, com cenas que surgiam e desapareciam quando eu os olhava de relance - festas antigas, pessoas dançando com roupas elegantes, e até mesmo cenas de tristeza que me faziam desviar o olhar.

No teto, havia lustres gigantescos de cristal, cheios de pequenas velas que iluminavam o ambiente com uma luz quente e tremeluzente. Eu nunca tinha visto algo tão bonito e tão assustador ao mesmo tempo. Cada lustre balançava levemente, como se um vento invisível estivesse sempre presente, sussurrando segredos que eu não conseguia ouvir.

Móveis antigos estavam espalhados pela sala, com poltronas de veludo vermelho e mesas de madeira escura, todas decoradas com detalhes minuciosos. Havia um sofá longo, com almofadas que pareciam feitas de seda, mas eu tinha medo de me sentar. O cheiro do lugar era uma mistura de poeira antiga e algo doce, como rosas murchas. Era o tipo de cheiro que me fazia pensar em coisas guardadas por muito tempo, esperando para serem descobertas.

Havia escadas que subiam para andares superiores, com corrimãos de ferro trabalhado e degraus que pareciam não ter fim. Mas o que mais me chamou a atenção foi uma grande lareira, apagada, com um espelho enorme acima dela. Esse espelho não mostrava reflexos. Era opaco, como se escondesse algo por trás. Fiquei olhando para ele por um tempo, tentando entender, mas senti um arrepio percorrer minha espinha e me virei para outro lado.

As luzes dos lustres projetavam sombras estranhas nas paredes. Às vezes, eu via o que parecia ser minha sombra se movendo, mas percebia que ela não era minha. Ela fazia gestos que eu não fazia, olhava para lugares que eu não olhava. Foi quando ouvi um barulho leve, como passos, vindo de um corredor à frente.

O corredor era longo e parecia interminável, com mais espelhos de ambos os lados. As molduras desses espelhos eram diferentes - mais grossas, mais escuras, e algumas estavam rachadas, como se algo tivesse tentado sair delas. Caminhei devagar, cada passo ecoando naquele silêncio estranho, até chegar a uma porta dupla, feita de madeira tão escura que parecia preta.

Eu não sabia o que encontraria do outro lado, mas a curiosidade me venceu. Ao empurrar a porta, o som de dobradiças rangendo me fez estremecer. Atrás dela, estava Vicent, com aquele sorriso que nunca parecia verdadeiro. O ambiente ao redor dele era ainda mais extravagante: um salão gigantesco, com mais espelhos, tapeçarias vermelhas nas paredes e uma mesa longa no centro, cheia de velas acesas e pratos antigos. Parecia o salão de um castelo de contos de fadas, mas havia algo nele que me deixava desconfortável, como se o brilho e a beleza escondessem algo terrível.

— Bem-vinda, Olívia.

A voz era grossa e estridente, tão forte que ecoou pelo corredor como se as próprias paredes estivessem sussurrando meu nome. Meus olhos arregalados tentaram enxergar algo na escuridão à minha frente, mas o corredor parecia não ter fim, engolido por sombras pesadas. Senti um arrepio percorrer minha espinha, e meus pés congelaram no lugar.

Apavorada, dei um passo para trás, o chão frio sob meus pés parecendo ainda mais distante. Mas antes que eu pudesse recuar mais, uma força invisível me puxou para frente. Foi como se mãos gigantes e invisíveis agarrassem meu corpo, arrastando-me contra minha vontade. Minha respiração ficou presa na garganta enquanto eu lutava inutilmente contra aquela força sobrenatural.

Quando o corredor parou de girar à minha volta, me vi diante de um homem. Ele era assustadoramente pálido, a pele tão branca que parecia refletir a pouca luz que vinha de algum lugar distante. Seus cabelos loiros caíam em fios desgrenhados ao redor do rosto fino, e seus olhos eram a coisa mais marcante sobre ele - profundos, hipnotizantes, com um brilho intenso que parecia enxergar direto dentro de mim.

Eu tentei gritar, e um som escapou da minha garganta:

—Ah!

Ele sorriu, um sorriso largo e estranho, que revelou dentes que pareciam afiados demais para serem normais. Sua expressão era faminta, mas o que mais me apavorou foi a língua gigantesca que ele passou lentamente pelos lábios, como se saboreasse algo que ainda não havia tocado.

— Senti o seu delicioso cheiro de longe, garotinha... — murmurou ele, a voz quase um ronco baixo, como o som do tigre que sempre me perseguia nos sonhos.

Eu queria correr, mas meus pés não obedeciam. Estavam colados ao chão, como se a força que me trouxe até ali também me impedisse de fugir. A cada passo que ele dava na minha direção, meu coração parecia bater mais forte, como se quisesse sair do meu peito. Ele estava tão perto agora que eu podia sentir o cheiro estranho que vinha dele - doce e enjoativo, como flores que apodreceram há muito tempo.

— Por que está tão assustada? - perguntou ele, inclinando a cabeça, o sorriso nunca desaparecendo de seu rosto. —Eu só quero conversar, Olívia.

O som do meu nome saindo da boca dele me fez estremecer. Como ele sabia meu nome? Eu não conseguia responder, minhas palavras estavam presas junto com o medo que apertava minha garganta. Ele se aproximou mais, a respiração dele quente contra meu rosto, e seus olhos brilhavam com algo que parecia... diversão?

— Não tenha medo — sussurrou, erguendo uma mão longa e fina. Ele tocou meu rosto com os dedos frios como gelo, e eu finalmente consegui gritar de verdade, mas meu grito ecoou sem resposta naquele lugar estranho.

Eu queria acordar, queria estar de volta à minha cama, mas a sensação de estar presa ali era tão real que comecei a duvidar se aquilo era mesmo um sonho.

Ele era um homem alto, magro, com cabelos desgrenhados e olhos que pareciam brilhar na escuridão. Ele trajava um sobretudo, idêntico ao do meu livro de gravuras, suas mãos tinham tatuagens e correntes e cada uma delas parecia trancada por algo invisível, como se guardassem segredos que ele nunca revelaria. Com um só movimento ele me colocou em seu colo e se jogou para trás, não consegui ver o que havia acontecido, mas surgiu uma cadeira enorme dourada, com pedras brilhantes atrás dele, como a de um rei.

Eu não entendia como aquele tigre havia conseguido e entrar, mas ele entrou, e correu até nós, assustada escondi meu rosto no peito do homem, que logo começou a rir. Chorei e senti algo úmido passar por meu pescoço e rosto, era a língua dele.

— Não tenha medo querida Olívia... —Disse o homem.

Eu só conseguia chorar.

Após longos minutos consegui me acalmar, o tigre estava deitado aos pés do homem que me ninava em seu colo.

[...]

— Olívia?... — Permaneci quieta.

— Como.... Como você sabe o meu nome ? — Gaguejei.

O homem não diz nada, mas move sua mão direita até o meu rosto tocando o meu nariz, em seguida ele fecha as mãos e quando abre, em sua mão tem uma pequena presilha de cabelo.

— Acho que não está em posição de fazer perguntas mocinha... — Disse o homem. — Invadiu a minha casa...

— Me desculpe senhor, mas... Seu tigre estava tendo me matar... — Tentei me levantar mas ele me segurou firmemente em seu colo. Espere... Eu estou sonhando ? Sim, então posso fazer o que eu quiser.

— Não, você não pode. —Ele sorriu.— Olívia, está na hora de acordar... —Comecei a sentir um sono avassalador.

— Qual é o seu nome? — Murmurei caindo no sono, mas consegui ouvir o seu nome.

"Vicent..."

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