A chuva caía sem piedade sobre a cidade de São Vitor, transformando as ruas em rios de reflexos distorcidos. Rafael Mendes caminhava sob o peso de suas decisões, cada passo ecoando como um tambor distante em sua mente. A conversa com Carlos "o Sorriso" havia acendido uma chama dentro dele, mas também deixou uma sensação de inquietude, como se algo estivesse prestes a desmoronar.
Rafael se dirigiu ao seu apartamento, um espaço que refletia sua vida solitária. As paredes eram adornadas com fotos de eventos do passado, conquistas que pareciam distantes, quase irreais. Mas, por trás dessa fachada de sucesso, havia um homem lutando contra demônios muito mais sombrios do que qualquer criminoso que já enfrentara.
Assim que entrou, ele se despediu do mundo lá fora, fechando a porta atrás de si. O silêncio era ensurdecedor. Rafael se jogou no sofá, permitindo que a exaustão o envolvesse. Mas, ao invés de descanso, sua mente começou a reverberar com lembranças que preferia esquecer.
Flashbacks de seu passado o assombravam, imagens de sua infância em um bairro marcado pela violência e pela impunidade. Ele se lembrava de como, aos dez anos, fora testemunha do assassinato de um amigo. O grito desesperado da mãe da vítima ainda ecoava em sua mente. “Por que ele? Ele não fez nada de errado!” A cena se repetia, como um filme que não tinha fim.
Foi naquele momento que Rafael decidiu que não se tornaria mais uma vítima. Ele se tornaria um defensor da justiça, mesmo que isso significasse cruzar limites. Mas agora, ao olhar para o espelho, ele se perguntava se estava se tornando exatamente o que mais detestava.
O telefone tocou, quebrando o silêncio. Rafael hesitou antes de atender, mas o número que aparecia na tela era o de seu parceiro, Lucas. “Rafael, você está bem? Ouvi rumores sobre o que aconteceu no bar. Você não pode se envolver assim, isso é perigoso.”
“Eu sei, Lucas,” Rafael respondeu, a voz tensa. “Mas você não entende. Carlos está no centro de tudo, e eu preciso derrubá-lo antes que seja tarde demais.”
“E o que você vai fazer? Jogar seu jogo? Você não pode fazer isso sozinho. Há muita coisa em jogo,” Lucas disse, sua preocupação evidente.
“Eu não estou sozinho. Tenho um plano,” Rafael disse, tentando soar mais confiante do que se sentia. “Preciso de tempo. Uma semana.”
“Uma semana? E se isso não funcionar? Você sabe como Carlos é. Ele não hesitará em acabar com você.”
A advertência de Lucas ecoou em sua mente. Rafael olhou pela janela, observando a chuva escorrendo. “Eu preciso fazer isso, Lucas. Para a cidade. Para todos que sofreram.”
“Só tenha cuidado. Estarei aqui se precisar de mim,” Lucas respondeu, a preocupação ainda presente em sua voz.
Após desligar, Rafael se sentiu mais isolado do que nunca. A cidade que ele jurou proteger agora parecia um labirinto de traições e mentiras. Ele sabia que cada movimento que fazia estava sendo observado, e a pressão estava aumentando. A necessidade de agir, de confrontar Carlos, o consumia.
Naquela noite, enquanto a tempestade rugia lá fora, Rafael decidiu que precisava de informações. Ele se lembrou de um contato que tinha, alguém que poderia ajudá-lo a entender melhor a rede de Carlos. Era uma informante conhecida como “Sombra”, uma mulher que tinha seus próprios motivos para querer derrubar o mafioso.
Rafael pegou o carro e, mesmo com a chuva forte, dirigiu-se ao ponto de encontro: um antigo armazém abandonado na periferia da cidade. O local era um lugar esquecido, longe dos olhares curiosos, perfeito para reuniões clandestinas. Ele sabia que “Sombra” não iria aparecer facilmente, mas estava determinado a encontrar respostas.
Ao chegar, ele se certificou de que ninguém o seguia antes de sair do carro. O armazém estava escuro e silencioso, exceto pelo som da chuva batendo no telhado. Rafael ativou a lanterna do celular, iluminando o caminho enquanto avançava com cautela. Cada passo parecia ecoar em sua mente, lembrando-o do perigo que estava prestes a enfrentar.
“Você veio,” uma voz feminina soou das sombras, fazendo Rafael parar abruptamente. “Eu não esperava que você se arriscasse assim.”
“Sombra,” ele a cumprimentou, tentando manter a compostura. “Precisamos conversar.”
A mulher apareceu sob a luz fraca, sua expressão enigmática quase desafiadora. “Você tem coragem, delegado. Mas coragem não é o que você precisa. Você precisa de estratégia.”
“Eu sei que você tem informações sobre Carlos. Preciso saber como ele opera, quem são seus aliados. Não posso enfrentar isso sozinho,” Rafael disse, sua voz carregada de urgência.
“Carlos é como uma aranha em sua teia. Ele tem contatos em todos os lugares – polícia, políticos, empresários. Ele é o rei, e você está prestes a desafiar um rei sem um exército,” ela respondeu, seu olhar penetrante.
“Eu não tenho medo de lutar. A cidade precisa de mudança. E eu sou a única pessoa que pode fazer isso acontecer,” Rafael insistiu, sua determinação crescendo.
“Você realmente acredita nisso? E se eu te dissesse que cada passo que você dá pode ser a sua última? Carlos não é apenas um homem. Ele é uma força. E você pode não estar preparado para o que vem a seguir.”
“Diga-me o que você sabe,” Rafael exigiu, a frustração começando a transparecer. “Eu não vou recuar.”
A mulher suspirou, avaliando-o com um olhar que misturava respeito e preocupação. “Muito bem. Mas saiba que isso não é apenas um jogo. É um campo de batalha. E você pode perder mais do que apenas sua vida. Pode perder sua sanidade, sua moralidade.”
Rafael sentiu a intensidade das palavras dela, mas não se deixaria abalar. “Estou disposto a pagar o preço. Apenas fale.”
Sombra começou a falar, revelando detalhes sobre a rede de Carlos e suas operações. Ela descreveu como o mafioso manipulava políticos, como mantinha o controle sobre a polícia local através de subornos e ameaças. Cada palavra dela era como um golpe, revelando a magnitude do que ele estava enfrentando.
“Ele tem um informante dentro da polícia,” Sombra disse, sua voz baixa. “Alguém que sempre avisa sobre seus movimentos. Se você planeja agir, precisa descobrir quem é essa pessoa.”
A revelação atingiu Rafael como um soco no estômago. A traição dentro de suas próprias fileiras tornava tudo ainda mais complicado. “Como posso saber quem é?”
“Você terá que observar. Preste atenção nos detalhes. A verdade se esconde nas sombras, e você deve ser astuto o suficiente para encontrá-la.”
Rafael assentiu, absorvendo as informações. “E quanto a você? Qual é o seu interesse nisso tudo?”
Sombra hesitou, sua expressão se suavizando por um momento. “Eu perdi pessoas para Carlos. Ele destruiu vidas, e eu quero vê-lo pagar por isso. Mas não posso fazer isso sozinha. E você, delegado, é a única chance que tenho.”
O peso da responsabilidade sobre seus ombros aumentou. Rafael entendeu que não estava apenas lutando por sua própria justiça; estava lutando por todos que haviam sido afetados pela crueldade de Carlos. A cidade precisava de um novo começo, e ele estava determinado a ser o catalisador dessa mudança.
“Vou precisar de você ao meu lado. Se vamos derrubar Carlos, precisamos ser uma equipe,” Rafael disse, estendendo a mão.
Sombra olhou para sua mão, hesitando por um momento antes de apertá-la. “Muito bem. Mas não se esqueça: cada passo que você dá pode trazer consequências inesperadas.”
Rafael sabia que ela estava certa. O caminho à frente estava repleto de incertezas, e a linha entre a justiça e a vingança se tornava cada vez mais tênue. Mas ele estava preparado para qualquer desafio. A cidade de São Vitor precisava de um salvador, e ele estava determinado a ser esse salvador, mesmo que isso significasse mergulhar nas sombras.
Enquanto saíam do armazém, a chuva começava a diminuir. As nuvens se dissipavam lentamente, revelando um céu estrelado. Rafael olhou para cima, sentindo que, apesar da escuridão que os cercava, havia uma luz à frente. E ele estava pronto para seguir em frente, mesmo que isso significasse confrontar seus próprios demônios.
No fundo, uma voz sussurrava que a batalha estava apenas começando. E Rafael Mendes sabia que, para vencer, precisaria não apenas da força, mas também da astúcia e da coragem de enfrentar as sombras que o cercavam. A verdadeira justiça exigia sacrifícios, e ele estava prestes a descobrir o quão alto seria o preço.
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Atualizado até capítulo 20
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