Sombra D. Justiça.
A cidade de São Vitor era um organismo vivo: pulsante, caótica e envolta em uma neblina constante que refletia seu estado moral decadente. No centro desse emaranhado de ruas estreitas e becos sombrios, Rafael Mendes, delegado respeitado e temido, caminhava com passos firmes. Sua presença era imponente, e sua reputação, impecável – pelo menos aos olhos dos que não conheciam seu verdadeiro eu.
Rafael passara a noite em claro, revisando meticulosamente os arquivos de casos arquivados. Sua obsessão não era pela justiça convencional, mas por uma versão pessoal e distorcida dela. Para ele, a lei era uma falha, um sistema que muitas vezes deixava os culpados livres para continuar suas atrocidades. E era nesse espaço nebuloso entre a justiça e o crime que ele encontrava sua verdadeira vocação.
Naquela manhã, sua atenção estava voltada para Carlos "o Sorriso", um mafioso cuja influência se estendia como uma teia invisível pela cidade. Acusado de tudo, desde extorsão até assassinato, Carlos sempre escapara das garras da lei através de subornos e ameaças. Para Rafael, Carlos não era apenas um criminoso; ele era o símbolo do fracasso do sistema de justiça.
Enquanto o sol nascente lançava sombras longas sobre a cidade, Rafael contemplava sua próxima ação. Ele sabia que cruzar aquela linha significaria abraçar completamente seu lado mais sombrio. Mas a ideia de Carlos continuar livre era insuportável. Rafael acreditava que estava destinado a ser a balança da justiça, mesmo que isso significasse sujar suas mãos.
Ao longo do dia, Rafael se isolou em seu escritório. As paredes forradas de arquivos e relatórios pareciam fechar-se ao seu redor, ecoando as decisões que ele estava prestes a tomar. Ele havia construído cuidadosamente uma persona pública exemplar, mas era nos recantos de sua mente que ele verdadeiramente existia – um lugar onde o certo e o errado se misturavam em uma dança perigosa.
Quando a tarde chegou, o céu estava coberto por nuvens pesadas, prenunciando uma tempestade iminente. Rafael sentiu que o clima refletia seu próprio estado interior – tumultuado e imprevisível. Ele vestiu seu casaco de lã, verificou sua arma e saiu do departamento, cada passo ressoando como um prelúdio de algo inevitável.
Seu destino era um bar decadente nos arredores da cidade, um ponto de encontro para aqueles que preferiam a escuridão à luz. O local era um refúgio para criminosos, mas também o terreno de caça perfeito para alguém como Rafael. Ao entrar, o ar carregado de fumaça e murmúrios cessou momentaneamente, enquanto os frequentadores avaliavam a presença do delegado.
Rafael manteve a compostura enquanto seus olhos escaneavam o ambiente. Ele procurava por Carlos, que estava sentado em um canto, cercado por seus homens. O mafioso levantou o olhar e encontrou o de Rafael, um sorriso cínico se formando em seus lábios.
“Delegado Mendes, que honra recebê-lo em nosso humilde estabelecimento,” disse Carlos, sarcasmo escorrendo de cada palavra.
Rafael aproximou-se com calma, sua expressão inalterada. “Carlos, estou aqui para discutir o que você e eu sabemos que não pode continuar. A justiça pode ser cega, mas eu não sou.”
Carlos soltou uma risada despreocupada, mas havia uma tensão palpável no ar. Todos no bar sentiam que algo estava prestes a acontecer, algo que quebraria a frágil ilusão de segurança que Carlos construíra.
O diálogo entre eles era um jogo de palavras afiadas, uma batalha entre dois homens que compreendiam o poder da manipulação. Para Rafael, essa era mais do que uma simples missão; era um ajuste de contas, um passo em direção ao fim de um ciclo de impunidade.
À medida que a conversa avançava, Rafael sentia a adrenalina correr em suas veias. Aqui estava ele, no limiar de algo monumental, sabendo que suas ações naquela noite poderiam mudar tudo. E talvez, finalmente, a cidade de São Vitor tivesse um vislumbre da verdadeira justiça, ainda que obscurecida pelas sombras que ele mesmo projetava.
No entanto, enquanto Rafael se preparava para dar o golpe final, uma parte dele ponderava sobre as consequências de suas escolhas. Cada ação trazia consigo um preço, e ele sabia que estava prestes a pagar o seu. A sombra da justiça era uma faca de dois gumes, e Rafael Mendes estava prestes a descobrir quão afiada ela realmente era.
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Atualizado até capítulo 20
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