Salva Pelo Conde Deformado
Sophie Al-Fayez
A luz filtrava-se pela grande janela do salão, criando padrões dourados no chão de mármore polido. O aroma de chá de hortelã e pétalas de rosas perfumava o ambiente, misturando-se ao som abafado das conversas femininas que ecoavam à distância. Minhas irmãs, lindas e sempre risonhas, preparavam-se para mais uma tarde de visitas.
Sentada em um canto discreto, puxei a agulha com cuidado, guiando o fio de seda pelo delicado tecido em minhas mãos. Bordar era uma das poucas tarefas em que eu ainda conseguia me destacar. Embora minha visão não fosse nítida, eu sabia sentir a textura e os contornos, confiando mais nas mãos do que nos olhos.
– Sophie, querida, você deveria vir conosco hoje – sugeriu Yasmina, minha irmã mais jovem, ajeitando um broche no vestido creme. – Mamãe sempre diz que precisamos nos exibir, ou nunca encontraremos um bom pretendente.
Se ela notou a ironia no próprio comentário, disfarçou bem. A verdade, no entanto, era óbvia: enquanto Yasmina e as outras estavam rodeadas de pretendentes, eu me tornara um peso invisível na sociedade.
– Prefiro ficar aqui – murmurei, concentrando-me no bordado.
– Como sempre – replicou Amina, a terceira mais velha, ajeitando os brincos brilhantes. – Mamãe deveria ser mais dura com você. Afinal, todas temos responsabilidades.
Responsabilidades. A palavra pairou no ar, tão pesada quanto o silêncio que se seguiu. No mundo ao qual pertencíamos, mulheres eram julgadas não por seus talentos ou inteligência, mas pela capacidade de se casarem bem. Como filha mais velha de um dos comerciantes mais respeitados da região, eu tinha um papel a cumprir, mas minha visão fraca era um obstáculo que ninguém sabia como contornar.
– Sophie, venha cá. – A voz firme de minha mãe interrompeu meus pensamentos.
Levantei-me devagar, ajustando meu vestido simples, e caminhei até ela. Mesmo sem ver claramente seu rosto, eu sabia que seus olhos estavam cravados em mim, avaliando cada detalhe da minha postura.
– Você já é uma mulher feita, e não pode continuar à sombra de suas irmãs – disse ela, sem rodeios. – Não teremos outra temporada para desperdiçar com desculpas.
– E o que sugere que eu faça, mamãe? – perguntei, tentando manter a voz firme.
– Aceite o próximo pretendente que aparecer – respondeu ela com frieza. – Por menos perfeito que ele pareça, será melhor do que a desgraça de continuar solteira.
Aquelas palavras cortaram mais fundo do que qualquer insulto. Sabia que minha mãe agia movida pela pressão social, mas isso não tornava a verdade menos amarga.
– Agora vá. Precisamos nos preparar para o jantar desta noite – concluiu ela, dispensando-me com um gesto.
Voltei ao meu canto, lutando para conter as lágrimas. O bordado em minhas mãos tremia enquanto uma sensação de impotência tomava conta de mim. Tudo o que eu queria era ser vista como mais do que a "irmã cega", mais do que uma peça de negociação em um jogo de alianças sociais.
A noite chegou rápido, trazendo consigo o brilho de velas e o burburinho de vozes no grande salão. Meu pai, Khaled Al-Fayez, era um anfitrião generoso e sabia como impressionar os convidados. Embora eu tentasse me manter discreta, não pude evitar notar os olhares curiosos que alguns lançavam em minha direção.
– Sophie, venha – chamou minha mãe, guiando-me até um homem de meia-idade com cabelos grisalhos e olhos calculistas.
– Este é o Sr. Davenport, um velho amigo da família – disse ela. – Ele está interessado em conhecer nossas filhas.
O "interessado" claramente significava outra coisa. Meu coração afundou ao perceber que minha mãe estava, mais uma vez, tentando me empurrar para alguém que mal conhecia.
– É um prazer conhecê-la, senhorita Al-Fayez – disse ele, inclinando-se levemente.
– O prazer é meu, senhor – respondi, com a voz mais educada que consegui reunir.
Enquanto ele começava a falar sobre negócios e propriedades, percebi que eu não passava de uma negociação para ele. Como todas as outras vezes, sabia que aquilo não daria certo.
Mais tarde, quando o salão ficou mais vazio, aproveitei para escapar para o jardim. Ali, sob o céu estrelado, o mundo parecia mais calmo, mais simples. Sentei-me em um banco de pedra e respirei fundo, deixando a brisa fresca aliviar minha tensão.
– Fugindo da festa, senhorita? – A voz masculina atrás de mim me assustou.
Virei-me lentamente, tentando identificar a figura na penumbra. Era um homem alto, com roupas elegantes e uma postura confiante.
– Não sei se chamaria isso de fuga – respondi.
Ele riu, um som baixo e quase triste.
– Então talvez eu esteja fazendo o mesmo.
Houve um momento de silêncio antes que ele se apresentasse.
– Collin Blackwood, conde de Bath.
Aquele nome era familiar, mas não por boas razões. Diziam que ele havia retornado da guerra desfigurado e recluso, recusando-se a participar da vida social. Ele parecia deslocado naquele lugar, assim como eu.
– Sophie Al-Fayez – respondi, tentando soar natural.
– Ah, a famosa filha mais velha do senhor Al-Fayez – disse ele, com um leve sorriso. – Dizem muitas coisas sobre você, sabia?
– Imagino que nenhuma delas seja gentil.
– Não. Mas, novamente, as pessoas raramente são gentis.
Seu tom direto me surpreendeu. Ali, no escuro, com os preconceitos e expectativas afastados, ele parecia mais humano do que qualquer outra pessoa naquela casa.
– Então, senhorita Al-Fayez, o que a trouxe para o jardim?
– O mesmo que trouxe você, imagino. Um desejo de fugir das aparências.
Ele assentiu, os traços do rosto suavizando-se.
– Talvez tenhamos mais em comum do que pensamos.
E naquela noite, sob o céu estrelado, percebi que aquele encontro inesperado poderia mudar o rumo da minha vida de formas que eu ainda não entendia.
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Atualizado até capítulo 37
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