Capítulo 4

Dr. Leonardo

Ser médico é algo que sempre foi natural para mim. Cresci acreditando que poderia fazer a diferença, que minha vocação era salvar vidas. Eu já vi muitos casos difíceis, já lidei com pacientes que estavam à beira da morte, alguns sem qualquer chance real de recuperação. Mas o caso dele... O caso de Alex é diferente. E eu não sei bem o porquê.

Olhando para ele, ali naquela cama, inerte há seis meses, sinto uma mistura de frustração e fascínio. É como se ele estivesse preso entre dois mundos, lutando silenciosamente para se libertar. O que me incomoda é a sensação de que ele está perto de acordar, mas algo o impede. Às vezes, vejo pequenos sinais – um leve tremor nas mãos, uma alteração quase imperceptível em sua respiração –, mas os exames sempre voltam normais. Como se fosse tudo apenas uma ilusão.

E depois há Laura.

Quando comecei a acompanhar o caso de Alex, Laura era apenas a esposa do paciente. Mas, com o tempo, isso mudou. Não sei exatamente quando ou como, mas minha relação com ela passou de puramente profissional para algo mais... pessoal. Acho que, no fundo, foi a sua resiliência que me tocou. Laura está sempre ali, todos os dias, ao lado dele, mesmo quando tudo parece perdido. Não sei como ela aguenta. Eu sei que ela está sofrendo, posso ver isso em seus olhos. Mas ela continua. Mesmo quando eu sei que ela está à beira de desistir.

Cada vez que entro naquele quarto e a vejo sentada ao lado da cama, segurando a mão dele, sinto algo estranho. Talvez seja pena. Talvez seja admiração. Ou talvez seja algo que eu não deveria estar sentindo.

Eu sei o que as pessoas podem pensar. Sei como isso pode parecer – o médico se envolvendo emocionalmente com a esposa do paciente. Mas isso nunca foi minha intenção. Eu apenas queria ajudá-la. No início, era só isso. Ela precisava de alguém para conversar, alguém que entendesse o que ela estava passando. E, como médico, era meu dever estar lá para ela. Mas, com o tempo, comecei a me importar demais. Mais do que deveria.

Hoje, enquanto entro no quarto, ela já está lá. Sentada na cadeira de sempre, o rosto cansado, os olhos sem brilho. Sinto um aperto no peito ao vê-la assim. Não é justo o que ela está passando. Ninguém deveria ter que passar por isso, especialmente sozinha.

“Oi, Laura,” digo, tentando manter minha voz leve, mas é difícil. “Como você está?”

Ela sorri fracamente. É o mesmo sorriso de sempre, um sorriso que não alcança os olhos. “Estou bem,” ela responde, como sempre. Mas eu sei que não está. Ela nunca está.

Eu me aproximo de Alex, verificando seus sinais vitais. Tudo parece normal, como sempre. Mas ainda assim, algo dentro de mim diz que ele está tentando acordar, tentando voltar. Ele só precisa de mais tempo. Só que, a cada dia que passa, esse tempo se torna uma tortura para Laura.

“Você acha que ele vai acordar?” ela pergunta de repente, sua voz quase um sussurro.

Eu paro por um momento, as mãos ainda segurando o prontuário. Não posso mentir para ela, mas também não posso dar falsas esperanças. “Não sei,” digo, finalmente. “Há sinais, pequenos sinais, mas...”

“Mas não o suficiente,” ela completa por mim. Eu não tenho coragem de confirmar. Ela já sabe a resposta.

Laura se levanta e começa a andar pelo quarto, algo que raramente faz. Normalmente, ela fica sentada ao lado de Alex, em silêncio. Mas hoje parece diferente. Hoje, há uma inquietação nela que não consigo ignorar.

“Às vezes, eu me pergunto o que estou fazendo aqui,” ela diz, sem olhar para mim. “Por que eu continuo vindo, esperando algo que talvez nunca aconteça.”

Sinto uma vontade de me aproximar, de confortá-la, mas não posso. Não devo. “Laura, você está aqui porque ainda acredita. Porque, no fundo, ainda há uma parte de você que espera que ele volte.”

Ela para e finalmente me encara, seus olhos cansados me atravessando como uma faca. “E se eu não acreditar mais? E se eu não quiser mais acreditar?”

Eu fico sem palavras. Não sei o que dizer. Nunca estive nessa situação antes, nunca me envolvi tanto com uma paciente – ou, nesse caso, com a esposa de um paciente. Mas agora estou no meio disso, e não sei como sair.

“É normal se sentir assim,” tento dizer, sabendo que minhas palavras soam vazias. “Ninguém espera que você seja forte o tempo todo. Você tem o direito de sentir o que está sentindo.”

Ela se aproxima de mim, devagar, e por um momento, sinto o ar pesar ao nosso redor. Há uma tensão aqui, algo que eu não posso negar. Seus olhos encontram os meus, e percebo que ela está à beira de um colapso. “Eu não sei o que fazer, doutor. Não sei mais quem eu sou sem ele, mas ao mesmo tempo, não sei quanto mais posso aguentar.”

Quero dizer algo, qualquer coisa que possa aliviar o peso que ela está carregando. Mas não posso prometer que Alex vai acordar. E não posso prometer que, mesmo que ele acorde, tudo vai ficar bem. O que posso oferecer? Apenas minha presença, minha escuta. E, talvez, algo mais.

Antes que eu possa reagir, ela se afasta de mim, como se tivesse se dado conta de onde estava e do que estava acontecendo. “Desculpe,” ela murmura, voltando para a cadeira ao lado de Alex. “Eu só... preciso de mais tempo.”

Fico ali, parado, com o coração pesado, sem saber se o que sinto por ela é compaixão ou algo mais. Algo que eu não deveria estar sentindo. Algo que me assusta.

Eu preciso manter o foco. Preciso ser profissional. Mas, a cada dia que passa, isso se torna mais difícil.

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