Eu deveria me sentir culpada. Acho que qualquer pessoa no meu lugar se sentiria. E, talvez, eu até me sinta um pouco, mas é algo que já ficou tão fundo dentro de mim que parece uma memória distante. A culpa já não pesa tanto. Não como antes.
Eu estou cansada.
As pessoas não falam sobre isso, mas amar alguém pode ser cansativo. Ainda mais quando essa pessoa parece fazer questão de dificultar tudo. Durante todo esse tempo, me pergunto se o Alex de antes realmente valia o esforço, se a ideia que eu tinha dele era só uma ilusão, algo que criei para me convencer de que tudo daria certo. Mas agora, depois de meses, sinto que estou no meu limite.
A primeira vez que ele abriu os olhos depois do acidente, meu coração quase parou. Por um momento, eu acreditei que ele fosse voltar. Fiquei olhando para aqueles olhos que me ignoraram por tanto tempo, esperando, desejando... mas ele nunca despertou. Era só um reflexo. Desde então, tudo o que sinto é a ausência.
Seis meses de coma. Seis meses de visitas quase diárias ao hospital. Eu venho porque sinto que é o que devo fazer, porque foi assim que fui criada. Minha mãe sempre dizia que, no casamento, você tem que ser a rocha, ser forte, mesmo quando tudo parece desmoronar. "Ele precisa de você agora, mais do que nunca." Ela repete isso todas as vezes que conversamos. E, de certa forma, eu sei que ela tem razão. Mas quanto mais o tempo passa, mais me pergunto até quando vou conseguir carregar esse fardo.
Eu amo Alex, isso nunca foi uma dúvida para mim. Mesmo com toda a arrogância, com a frieza que ele sempre demonstrou, eu via algo além. Sempre vi. Acredito que é por isso que fiquei ao lado dele, por mais que todos ao meu redor me dissessem que eu merecia mais, que ele nunca iria mudar. Mas algo dentro de mim insistia que, no fundo, havia uma pessoa boa, alguém que ele escondia por trás daquela fachada. Eu me agarrei a isso, esperando que um dia ele pudesse ver a si mesmo do jeito que eu o via.
Mas, será que eu me enganei? Será que criei uma versão dele que não existia?
O médico entra no quarto, interrompendo meus pensamentos. Ele sorri, aquele sorriso caloroso que tem me confortado mais do que eu gostaria de admitir. O Dr. Leonardo sempre foi atencioso, cuidadoso com cada detalhe. Desde que começou a cuidar de Alex, ele tem sido mais do que apenas um médico. Ele se tornou uma espécie de confidente, alguém com quem eu posso desabafar.
"Como você está hoje?" Ele pergunta, com aquele tom suave e compreensivo. A pergunta parece simples, mas a resposta... ah, como eu gostaria que fosse simples também.
"Estou... sobrevivendo", respondo, tentando forçar um sorriso. A verdade é que nem sei mais como estou. Sobreviver parece uma boa descrição.
Ele se aproxima de Alex, fazendo as verificações de praxe. Eu assisto enquanto ele examina cada detalhe, ajusta o equipamento. Há uma dedicação ali, algo que me toca de um jeito inesperado. Durante esses meses, eu me peguei pensando como seria se as circunstâncias fossem diferentes. Como seria se eu não estivesse tão ligada a Alex, se eu não tivesse que carregar essa responsabilidade.
Esses pensamentos me assustam. Eles me fazem questionar tudo. Eu me casei com Alex por um arranjo, sim, mas isso não significa que eu não o amasse. Sempre amei. Só que agora, parece que estou carregando essa relação sozinha.
Enquanto o Dr. Leonardo termina seu trabalho, ele se vira para mim, com um olhar que transborda empatia. "Laura, você sabe que pode falar comigo, não é? Não precisa segurar tudo sozinha."
Essas palavras tocam em algo profundo. Durante meses, venho segurando tudo – a dor, a incerteza, o medo de perder Alex para sempre. Talvez, em algum nível, eu já o tenha perdido. "Obrigada", digo, a voz baixa. Mas a verdade é que eu nem sei mais o que dizer. Minha cabeça está um caos. Tudo parece estar desmoronando aos poucos.
"Ele tem mostrado alguns sinais", Dr. Leonardo comenta, apontando para Alex. "Nada concreto ainda, mas pequenos reflexos. Isso pode ser um indicativo de que o cérebro dele está reagindo, mesmo que ainda de maneira sutil."
Por um segundo, meu coração acelera. Reflexos? Ele está reagindo?
"Isso... isso quer dizer que ele pode acordar?"
"É uma possibilidade." Ele mantém o tom neutro, como se não quisesse criar falsas esperanças. "Mas ainda é cedo para dizer."
E ali está de novo. Aquele fio tênue de esperança. Uma parte de mim quer agarrar-se a isso com todas as forças, mas outra parte... está exausta. Como se, mesmo que ele acordasse, não sei se eu teria forças para continuar. Porque, se ele voltar a ser o homem que era antes, não sei se consigo mais.
"Você merece um descanso, Laura", ele diz, colocando uma mão gentil no meu ombro. "Isso não é algo que você tem que carregar sozinha."
Suas palavras me pegam de surpresa, e por um momento, deixo a guarda cair. Me permito sentir a dor, a exaustão, o peso de tudo. E, enquanto isso, percebo o quanto sua presença tem sido uma âncora para mim nesses últimos meses.
Mas o que isso significa?
O que isso significa para mim, para Alex, para tudo que vivemos?
Eu me levanto, precisando de ar, precisando de espaço. "Preciso de um minuto", digo, antes de sair do quarto. E enquanto caminho pelos corredores do hospital, sinto a confusão dentro de mim crescendo. Eu amo Alex, sempre amei. Mas será que esse amor é suficiente? Será que ele merece a minha dedicação, depois de tudo? Ou será que estou me agarrando a uma ideia, a uma versão dele que talvez nunca tenha existido?
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Atualizado até capítulo 25
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