Às vezes, me pergunto se esse é o meu castigo. Castigo por ser o homem que fui, por não dar valor às coisas que realmente importavam. Eu sempre achei que tinha tempo. Tempo para mudar, tempo para melhorar. Sempre achei que Laura estaria lá, que o casamento seria apenas mais uma de minhas conquistas. Mas agora, preso nesse corpo inerte, percebo que o tempo é algo que nunca tivemos realmente.
Ela está lá fora, vivendo, respirando, e eu... sou só uma sombra. Ela fala sobre continuar, sobre como não sabe por quanto tempo pode seguir assim. Eu sinto sua frustração. Às vezes, eu quase desejo que ela vá embora, que encontre alguém que realmente a mereça, porque eu sei que não fui esse homem. Não até agora, pelo menos.
Mas uma parte de mim, uma parte egoísta que eu não consigo controlar, quer que ela fique. Eu não quero perdê-la. Eu nunca a quis de verdade, mas agora que estou à beira de perder tudo, percebo o quanto ela significa para mim. Ela era a única coisa boa que eu tinha, e eu destruí isso com a minha arrogância.
Flashbacks de nós dois continuam me assombrando. Pedaços de lembranças quebradas, momentos que poderiam ter sido diferentes se eu tivesse feito escolhas diferentes. Lembro-me de uma noite, alguns meses antes do acidente. Laura estava linda, vestida para sair. Havia um evento de caridade, algo importante para ela. Ela pediu que eu fosse com ela, disse que minha presença significava muito. Eu recusei. Fiquei no escritório até tarde, preso em contratos e negociações que hoje parecem tão insignificantes. Quando cheguei em casa, ela já estava dormindo, e eu não pensei duas vezes antes de ir para a cama sem dizer uma palavra.
Esses momentos continuam voltando, cada um deles uma pequena facada em minha consciência. Eu nunca percebi como pequenas decisões acumulam até se tornarem montanhas intransponíveis. Nunca dei a Laura a chance de ser vista, ouvida. E agora, é tarde demais.
Ou talvez não seja. Talvez eu ainda possa mudar isso.
Eu me agarro a essa esperança. Toda vez que ouço sua voz, cada vez que ela segura minha mão, é como um lembrete de que ainda existe uma chance, por menor que seja. Se ao menos eu pudesse me mover. Se ao menos eu pudesse falar, fazer qualquer coisa para mostrar que ainda estou aqui.
Há dias em que Laura não fala nada. Ela apenas fica ali, no quarto, ao meu lado, sua presença um conforto silencioso. E nesses dias, eu me sinto ainda mais inútil, porque sei que ela está sofrendo. Ela está perdendo a esperança. E quem poderia culpá-la? Já faz seis meses desde o acidente, seis meses que estou preso nesse estado, incapaz de oferecer qualquer tipo de consolo.
Eu escuto tudo. Cada palavra que ela troca com o médico, cada vez que ela fala sobre o futuro, sobre as opções. Às vezes, eu ouço seu choro quando pensa que ninguém está por perto. Essas são as piores partes. Saber que estou causando essa dor e não poder fazer nada a respeito.
O médico. Ele fala com Laura de um jeito que me irrita. Não sei se é ciúmes, ou apenas meu orgulho ferido, mas cada vez que ele conversa com ela, sinto uma pontada de raiva. É um absurdo, eu sei. O cara está fazendo o trabalho dele, tentando ajudar. Mas é o jeito como ele a olha, como se fosse o único capaz de lhe dar o que eu nunca dei. Como se ele fosse a solução para todos os problemas que eu criei.
Talvez ele seja.
Não. Não vou pensar assim. Eu não posso me permitir desistir. Eu preciso sair daqui. Preciso voltar. Preciso... mudar.
Mas como? Como alguém como eu pode mudar? Eu fui criado para ser o que sou. Forte, impassível, ambicioso. Essas são as qualidades que me trouxeram até aqui, que me tornaram quem eu sou. Mas também são essas qualidades que me deixaram sozinho, mesmo antes do acidente.
O silêncio no quarto volta. Laura se foi, provavelmente para casa. Ela sempre volta no dia seguinte, mas sei que, a cada dia, ela está mais distante, mais cansada. O médico provavelmente vai visitá-la em breve. O pensamento me enoja, mas, ao mesmo tempo, sei que a culpa é minha. Eu a empurrei para longe, e ele está apenas pegando os pedaços que eu deixei.
O som de passos ecoa novamente, mas dessa vez são mais suaves. Uma nova presença. Talvez a enfermeira. Ela sempre parece diferente dos outros. Fala comigo como se eu pudesse ouvi-la, mesmo sabendo que, tecnicamente, não posso. Eu ouço suas perguntas, seus sussurros de esperança. "Será que você ainda está aí?" ela pergunta às vezes. E eu quero gritar que sim, que estou aqui, que estou lutando para sair desse inferno. Mas não posso.
Ela passa mais tempo do que os outros no quarto. Faz perguntas, toca minha mão, como se pudesse sentir algo que ninguém mais sente. Eu não sei se é esperança dela ou apenas uma tentativa de se consolar, mas cada vez que ela faz isso, sinto uma pequena fagulha de vida dentro de mim. Talvez, de alguma forma, ela perceba o que os outros não conseguem ver.
Não sei quanto tempo mais posso suportar isso. Mas se há uma chance, uma pequena chance de voltar, eu vou lutar por ela. Eu não posso deixar Laura. Eu não posso perder tudo. Não assim.
---
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 25
Comments
Juliana Juh
Nossa... ele sempre deixava Laura de escanteio, agora está a sofrer por não conseguir ter ela, falar com ela.
Na vida real é assim também, não damos valor quando temos a pessoa ao lado.
2024-09-21
2