Sr Leopoldo

Eu mal dormi a noite, tomei café e fui direto para a fábrica. Cheguei antes de todos, fui para o escritório do Sr. Henrique e fiquei lhe aguardando.

As 8hs em ponto a porta se abre e ele entra sem olhar, pois olhava alguns papéis.

- Nossa! Ficou louca! Ele diz quando percebe a minha presença.

- Bom dia! Eu digo

- Está aqui desde que horas? Pois, agora são 8hs.

- Desde as 6hs. E você por que as 8hs se o seu horário é as 9hs?

- Gosto de chegar mais cedo e sair um pouco depois para garantir que não deixei nada passar. Ele responde.

- Sente - se! Vamos conversar. Eu digo e ele se senta na cadeira a minha frente.

- Eu analisei o seu projeto e achei fenomenal. Tenho uma proposta para fazer. Eu digo.

- Pode falar Srta. Ele diz.

- Vamos implantar o seu projeto e avaliar por 6 meses. Se tivermos o retorno esperado. Eu te dou um bônus de 10% sobre o valor do lucro. O que acha? Eu pergunto.

- Está ótimo! Ele diz.

- Mas você quem vai vistoriar a implantação, inclusive fazer as demissões e treinamentos. Pela minha previsão teremos uma demissão de uns 15 funcionários. Eu digo

- Claro sem problema. Ele diz.

- Só tem mais uma coisa! Eu falo.

- Pode falar Srta.

- Quero você trabalhando comigo no escritório central! Eu digo

- Isso não vou aceitar. Eu acabei de mudar para a cidade, sem mencionar que acabei de fechar um contrato de 2 anos de aluguel. Ele diz.

- Não seja por isso. A empresa paga a sua multa contratual. Eu preciso de você lá, tenho um projeto futuro que agora consigo tirar do papel. Precisa estar preparado. Sem falar que eu não posso ficar viajando toda a vez que tivermos algo a resolver. Eu digo.

- Srta não! Penso que isso não seja viável. Ele diz.

- Sr Henrique isso não é negociável. Eu digo.

- Preciso que compreenda que tem muitas coisas envolvida. Tem a...é não posso.

- Dúvido que a sua esposa não queira se mudar para a cidade grande. Pela forma que falou com ela ontem sobre o jantar, vocês parecem se entenderem bem. Por falar nisso como foi seu jantar? Eu pergunto de forma direta.

- A minha vida pessoal não é dá a sua conta Srta. Ele diz grosseiramente.

Eu respiro fundo.

- Tem razão! Mas não é negociável, é pegar ou largar. Tem uma semana para decidir.

Eu digo, me levanto e saiu da sala.

A fábrica ainda estava vazia, monto na moto e vou embora.

Ao chegar no escritório Pierre me esperava.

- Emilly. Ele diz vindo correndo até mim.

- Bom dia Sr Pi. Eu digo e andamos rapidamente em direção ao escritório.

- O lar de idosos ligou, precisam que a Srta vá até lá. Ele diz.

Eu fico nitidamente triste e angústiada.

- Eu odeio aquele lugar Pi. Eu digo com a voz pressa a garganta.

- Não diga assim. O seu Pai está lá. Ele diz.

- Não Pi. O que sobrou do meu Pai está lá. O meu Pai se foi faz 10 anos. Eu digo, pego o capacete e saiu novamente.

O lar fica em uma das cidades próximas à capital. O lugar é interior, é lindo, com muitas árvores e muito espaço. Lembra aqueles casarões de fazenda. Estaciono a moto em uma das vagas que fica do lado de fora. Um muro enorme separa o que está la, do mundo aqui fora.

- Srta. a Dra Rute quer falar com você. Diz a enfermeira que abre o portão.

Sigo até a sala da Diretora.

- Bom dia Srta Emilly. Como você está? Pergunta a Dra Rute.

- Estou bem. Eu digo.

- Faz quase dois anos que a Srta não visita o seu Pai. Ela diz.

- Porque as pessoas insistem em dizer que aquele resto de indivíduo é meu Pai. Meu Pai morreu á 10 anos. Aquele corpo imóvel, não é meu Pai. Eu digo.

- Srta. Sei que toda essa situação é difícil. Mas sou médica e sei que é raro, mas pessoas que estavam na mesma situação como o Sr. Leopoldo se recuperaram e ter uma vida novamente. Ela diz tentando me dar esperanças.

- Com todo respeito Dra. Rute. Eu não acho que seja o caso do Sr. Leopoldo. Fale de uma vez o que a Sra. deseja? Eu digo já sem paciência.

- Precisamos comprar um equipamento novo para o Sr. Leopoldo que vai...

...veja o preço e depois passe para o meu assistente e ele lhe enviará o valor. Deseja algo mais? Eu digo a interrompendo.

- Não somente isso! Ela diz.

- Ok. Até mais. Eu digo e vou saindo.

- Srta não irá vê - lo? Ela pergunta.

- Hoje não! Eu digo sem nem olhar para trás.

- Procure a ajuda de um psicólogo, a Srta. precisa liberar o perdão contra o Sr. Leopoldo. Ela diz.

— Obrigada querida pela preocupação. Mas estou ótima. Eu digo enquanto permaneço andando.

Subo na moto e pego a estrada com a mente longe...viajando.

Quando olho no velocimento 240km por h. Só ai me dou conta de como estou distraida e decido retornar para casa.

Volto para casa. Pego uma taça de vinho, me sento no balanço pendente que fica no meu quarto, peço a Alexa para tocar minha playlist favorita, pego a caixa das lembranças e fico olhando as fotos e cartões postais que guardei com todo carinho.

- Que saudades Papai! Eu digo olhando a foto onde eu e o Sr Leopoldo brincavamos na praia.

O Sr. Leopoldo sempre foi meu amigo e companheiro. Minha mãe a Sra. Marta faleceu quando eu nasci em um quadro de eclampsia (quando a pressão arterial aumenta de repente).

O Sr. Leopoldo quem me criou sozinho. Por amar demais a minha mãe, não teve outro relacionamento. Inclusive sentia muita falta dela. Meu Pai me criou para ser forte e valente.

Me ensinou a me defender, e a saber brigar se fosse necessário. Quebrei o nariz de muito garoto na adolescencia.

Me lembro do dia que ele foi chamado na escola por causa de algo que eu fiz, na tentativa de me defender. No caminho de volta para casa ele me perguntou:

- Emy, aquele garoto te bateu?

- Ele tentou Papai.

- Depois desse soco, tenho certeza que não tentará mais. Foi um "jab de esquerda"? Ele pergunto animado e orgulhoso.

- Não! Foi um direto! Eu respondi.

- Essa é minha garota. Ele disse orgulhoso.

Sr Leopoldo sempre foi meu herói, o homem que eu admiro, lutou muito para me criar, pagar as melhores escolas, administrava um negócio de sucesso sem deixar de cuidar de mim. Depois da aula eu passava a tarde no escritório com ele. Por isso aprendi na prática como a empresa funciona. Mas eu perdi ele por conta de um escorregão na escada que o colocou num estado vegetativo.

O cérebro (a parte do cérebro que controla o pensamento e o comportamento) não funciona mais, mas o hipotálamo e o tronco cerebral (as partes do cérebro que controlam as funções vitais, tais como ciclos de sono, temperatura corporal, respiração, pressão arterial, frequência cardíaca e consciência) continuam a funcionar. Assim, ele abre os olhos e parece acordado, mas não responde a estímulos de forma significativa.

O seu estado requer atenção integral, incluindo boa nutrição e medidas para prevenir problemas que resultam da incapacidade de se mover (como úlceras de decúbito).

Por esse motivo e pelo fato de não conseguir vê - lo nessa situação, eu optei por deixa- lo em um Lar de Idosos distante de mim. Sei que muitos não me compreendem, mas fui treinada por ele, para ser forte. E se não posso resolver um problema, eu o afasto até ter a solução. Foi o que eu fiz!

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