Capítulo 6

Estela

— Pensei que tinha dito que não conhecia ninguém na cidade. — Paty comenta com um olhar divertido, assim que saio do banho com uma toalha enrolada nos cabelos.

— E não menti. — Quanto a isso. — Penso.

— Quando desci do palco, as meninas estavam comentando sobre você e um musculoso bonitão. — Ela encara as unhas, como se estivesse checando suas cutículas. — Até estranhei, nunca vi você conversar com nenhum cliente. — Retiro a toalha, pressionando-a em meus cabelos, e penso no cara que diz querer me conhecer.

— Lembra que te contei sobre um acidente no meu primeiro dia no bar? — Seu cenho se franze e continuo. — Ele era o acidentado, o motoqueiro. Me reconheceu e me cumprimentou, só isso. — Conto só o básico, pois, já a conheço o suficiente para saber que vai fantasiar com uma história que não vai acontecer.

— E ele é mesmo bonito como disseram? — Lembro de seus belos olhos, seus lábios rosados, dos músculos que estufavam sua camisa, e de todas as tatuagens, que eu adoraria ver de perto, e assinto. Um sorriso travesso surge em seus lábios.

— Será que ele vai voltar lá? — Dou de ombros.

— Está interessada? Que eu saiba, você tem um

namorado. — Seus olhos se reviram.

— Não é para mim, sua tonta, é por você. — Maneio a cabeça negativamente.

— Não quero ninguém. — Deixo-a no sofá e vou até à área de serviço pendurar minha toalha no varal.

Já consegui comprar algumas coisas com as gorjetas que ganho, e toalha foi uma delas, já que a Paty só tinha duas. Agora, tudo que tenho, cabe em uma mala, não mais em uma mochila, e pretendo começar a juntar para comprar um celular, ninguém acredita que não tenho um, quando pedem meu contato para me inserir em algum grupo de mensagens.

Volto para a sala e não identifico a expressão de seu rosto, mas é algo próximo à preocupação.

— Sente-se aqui. — Pede dando tapinhas no sofá, para que me sente ao seu lado. Sento-me e ficamos uma de frente para a outra, com as pernas cruzadas, feito asas de borboletas.

— Já faz um mês que dividimos o mesmo teto, e gosto mais de você a cada dia que passa. Esse é o motivo para não te encher de perguntas todas às vezes que meus neurônios quase pifam tentando imaginar qual é a sua história. Mas, não pense que não percebo todas às vezes que sai daquele banheiro com os olhos avermelhados de tanto chorar, exatamente como estão agora. — Encaro minhas mãos e minha visão embaça, ao lembrar do motivo das minhas lágrimas diárias.

— Sei que já me contou que perdeu sua mãe e seu irmão, e que não tem mais ninguém, e tomei isso como justificativa para a sua tristeza. Mas, independentemente do que tenha acontecido, você está viva. Temos um emprego “bosta”, uma conta bancária vazia, boletos a pagar… mas alguma alegria tem que ter na vida, não se priva disso, nem que sejam momentos, por uma ou duas horas, ou, quem sabe, uma noite inteira. — Volto a encará-la e encontro seu sorrisinho malicioso, que me faz rir de volta. Sem concordar ou discordar, deito minha cabeça em seu colo e relaxo com sua carícia em meus cabelos.

Às vezes penso que ter a Patrícia em minha vida, é como uma recompensa por tudo de ruim que já passei.

                                                                      ************************

Dois dias depois…

Hoje o bar teve pouco movimento, provavelmente devido ao mau tempo. Choveu o dia inteiro, e quando anoiteceu, a temperatura caiu bruscamente. A Paty saiu mais cedo, o Ryan, seu namorado, vai passar a noite no apartamento,

e é por isso que estou enrolando tanto para voltar para casa. Os dois são “barulhentos” e é meio constrangedor ficar ouvindo.

Me despeço do pessoal e coloco os últimos sacos de lixo na lixeira dos fundos, antes enfiar as mãos nos bolsos do casaco para aquecê-las e caminhar sem pressa para casa.

São quase uma da manhã, e as ruas estariam totalmente vazias se não fossem as pessoas que vivem em situação de rua, e eu poderia ser uma delas, nesse momento.

Viro a esquina, e continuo a caminhar por uma rua escura de paralelepípedos, onde, mesmo sem vontade de chegar rápido em casa, apresso meus passos, ao ouvir um carro se aproximando lentamente, e nem vi de onde ele veio. Minhas mãos ficam trêmulas e minhas pernas moles feito gelatina, quando o carro me alcança, até penso em correr, mas minhas pernas não me obedecem.

Me forço a ir mais rápido, com a respiração acelerada, e ouço o vidro da janela do lado do carona se abrir, fazendo meu coração parar por alguns segundos.

— Ei! — Não reconheço a voz, mas sinto que vou desmaiar a qualquer instante. — Estela! — Viro lentamente a cabeça e encaro a janela da SUV preta, me deparando com olhos verdes conhecidos.

Levo a mão ao peito, sentindo um certo alívio, que passa rápido, quando lembro que, o ver duas vezes na vida, não o torna conhecido, e nem menos perigoso. Me afasto o quanto posso do carro, quase colando minhas costas em uma das portas fechadas de uma loja, pois, sei que não adiantaria correr, não seria mais rápida do que rodas.

— O que quer? — Pergunto e ele deixa o carro em ponto morto, abaixando seu rosto para que eu o veja melhor.

— Está tarde, frio… entra, te deixo em casa. — Maneio a cabeça.

— Obrigada, mas prefiro ir andando. — Recupero o equilíbrio em minhas pernas e volto a caminhar.

— Estela, só quero garantir que chegue em casa segura. — Voltando a me acompanhar lentamente com seu carro.

— Entrando no carro de um estranho? Isso não me parece mais seguro que a rua. — Apresso meus passos e ele continua me seguindo.

— Aliais. — Paro de andar e busco seu olhar pela janela aberta. — O que faz aqui a essa hora, tão perto do meu trabalho? — Ele ri de canto.

— Já disse, estou tentando manter você em segurança. E só sou um estranho porque você quer, fui bem claro

quando disse que quero te conhecer. — Ajeito meus óculos e olho em volta, em busca de um ser vivo, e não encontro ninguém.

— Quem é você, um psicopata ou coisa do tipo? — Ando ainda mais rápido, agora com uma certa fúria. — Se continuar me seguindo, vou chamar a polícia. — Ouço sua gargalhada e fico ainda mais irritada com seu

deboche.

— Se quer mesmo se livrar de mim, está fazendo a coisa errada. — Viro meu rosto encarando a janela e encontro um sorriso presunçoso brincando em seu rosto. — Quanto mais arisca, mais interessado eu fico. — Solto o ar com força e tento fingir que não estou sendo seguida, acompanhada… seja lá o que ele esteja fazendo.

Caminho a passos largos e em silêncio por mais dez minutos, sentindo a ponta do meu nariz congelar sob o sereno, e quando chego na entrada do prédio de cinco andares, ele para o carro e vejo pelo canto do olho, que me observa tirar a chave do bolso da calça.

— Então é aqui que você mora? — Não respondo, apenas encaixo a chave na fechadura. — Não vai mesmo me dar seu número? — Abro a porta e dou um passo para dentro, me sentindo um pouco mais segura.

— Já disse, não tenho um número. — Vejo sua cabeça pender entre seus ombros, provavelmente não acreditando no que acabei de dizer.

— Boa noite, Estela! — Ouço-o dizer quando fecho a porta.

Antes de subir para o apartamento e entupir meus ouvidos de algodão para não ouvir gemidos, sento-me nos primeiros degraus da escada, apoiando meus cotovelos nos joelhos e cubro meu rosto com as mãos.

E se ele for um deles e só quisesse saber meu endereço? E se todo esse interesse for uma armadilha? É no mínimo estranho!

Será que nunca mais poderei viver em paz? — Penso, antes de derramar algumas lágrimas.

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Comments

Elenilda Ferreira

Elenilda Ferreira

Estela, quantas têm uma vida igual e as vezes mais difícil que a sua.

2024-04-22

7

Adelir Rabelo

Adelir Rabelo

tadinha teve uma vida sofrida

2024-03-28

2

Heloiza Carvalho

Heloiza Carvalho

interessante

2024-03-21

1

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