Dona De Mim

Dona De Mim

Capítulo 1

Estela

— Ei, garota! — Olho para o lado ao ouvir uma voz feminina, e me encolho debaixo da marquise de uma loja fechada. Não respondo, por não ter certeza se é comigo que está falando, mas ela se aproxima, baixando

o capuz do casaco preto. É uma garota bonita, mais ou menos da minha idade, com botas pretas de cano médio, calças justas, cabelo escuro com mechas lilás e olhos claros e bem delineados.

— Reparei que estava aqui quando cheguei… está na mesma posição até agora… você não é uma prostituta. — Constata me olhando de cima a baixo e apenas nego com a cabeça.

— Está esperando alguém? — Olho a nossa volta, pensando se digo ou não a verdade, pois, não sei mais em quem posso ou não confiar. — Já vi que não está precisando de ajuda. — Desistindo e me virando as costas. Mas a rua está ficando deserta e estou exausta demais para negar ajuda.

— Ei! — A chamo e ela se vira novamente. — Não estou esperando ninguém, eu só… — Penso por alguns instantes no que dizer e seu cenho se franze. — Não sou daqui, não conheço ninguém e não tenho para aonde ir. Essa rua me pareceu a mais calma para passar a noite. — Explico e seu olhar me estuda.

— Deus queira que eu não esteja me enganando… você não é uma bandida, é? — Voltando a cobrir os cabelos com o capuz.

—Acho que não te diria, se fosse. — Rimos juntas. Nem me lembro qual foi a última vez que sorri.

— Está com fome? — Hesito, mas respondo que sim movimentando a cabeça.

— Está precisando de um banho… — Fazendo uma careta ao olhar meu jeans sujo e meus cabelos desgrenhados. — Disse que não é daqui, não tem uma mala? — Olhando a minha volta com desconfiança. Desembaço meus óculos no casaco e nego com a cabeça.

— Fui assaltada assim que cheguei à cidade. — Não minto, realmente fui assaltada, mas levaram apenas meu celular, a única coisa de valor que carregava.

— Posso estar assinando minha sentença de morte, mas… vem comigo, moro aqui perto. Pelo menos você toma um banho e come alguma coisa. — Maneio a cabeça.

— Muito obrigada, mas, não precisa se incomodar, vou pensar no que fazer. — Não quero ser ingrata, mas, não quero que ela corra nenhum risco me levando para sua casa.

— Para com isso, garota! Meu tempero não é dos melhores, mas não se nega um prato de comida e um banho quente. — Ouço um burburinho e vejo, por cima de seu ombro, alguns homens parados na esquina nos observando.

— Você está certa, muito obrigada! — Ela assente e ajeita sua franja lisa.

— Patrícia, mas só respondo por Paty! — Se apresenta estendendo sua mão, e digo o primeiro nome que me vem à cabeça.

— Estela. — Contenho a emoção em pronunciar o nome que pertencia a minha mãe. Apertamos as mãos e a segui pela rua escura e estreita, de paralelepípedos.

********************

O apartamento da Patrícia é pequeno e um pouco caótico, com pôsteres de bandas de rock pelas paredes, latas de refrigerante e uma caixa com restos de pizza na mesa de centro, louça de pelo menos uns dois dias na pia, e algumas peças de roupas espalhadas pelo sofá e poltrona. Mas, seu bom coração compensa qualquer desordem.

Assim que passei pela porta, recebi roupas limpas para um banho e um prato de macarrão instantâneo. Lembro que minha mãe não deixava, eu e meu irmão, comer esse tipo de coisa, dizia que fazia mal e não era comida de verdade… quase rio com a lembrança.

— Você pode ficar no sofá essa noite, está muito frio lá fora, não tenho coragem de mandar você embora. — Patrícia diz, quando terminamos de comer, e estou tão cansada, que não consigo dizer não. Faz oito

anos que não sei o que é deitar a cabeça em um travesseiro sem me preocupar com o amanhã.

Quando completei quinze anos, minha mãe descobriu um câncer em estágio avançado, meu pai morreu em um acidente quando eu ainda era um bebê e ela se viu sozinha com duas crianças pequenas. Nunca nos deixou faltar nada, lutou para dar uma vida digna a mim e ao meu irmão mais velho. O problema, é que esqueceu de cuidar de si mesma, e quando decidiu fazer isso, já era tarde demais.

Entre o diagnóstico e seu falecimento, foi um pouco mais de um ano. Foram noites insones e dias exaustivos, eu só desejava acordar um dia e descobrir que tudo aquilo não passava de um pesadelo. Quando ela se foi, já estava com quase dezessete anos, e meu irmão, Jeremias, já tinha vinte e um, e se tornou meu responsável legal.

O Jeremias era um bom filho, estudava, trabalhava… mas a doença da minha mãe o tirou do prumo. Tive que cuidar dela praticamente sozinha, pois, às vezes ele ficava até dois dias sem dar notícias. Com o

falecimento da nossa mãe, ele até tentou voltar a ser o que era, acho até que por minha causa, mas durou pouco. Passei a ver meu irmão cada vez menos, e quando lembrava que tinha uma casa, não estava consciente o suficiente para me dizer por onde andou ou perguntar como eu estava.

Não sabia o que fazer por ele, mas, fiz por mim, o que prometi a minha mãe que faria, poucos dias antes de sua morte. Terminei a escola, consegui um emprego de recepcionista de uma clínica para pagar minha

faculdade e algumas contas, pois, meu irmão parou de levar dinheiro para casa e nossa reserva já estava no fim. Me graduei em enfermagem, fiz essa escolha depois de ver tudo que minha mãe passou, queria poder ajudar e trazer um pouco de conforto para quem precisasse. Porém, não posso exercê-la no momento, e nem sei se um dia poderei.

Hoje estou com vinte e três anos, e mais sem rumo do que aos dezesseis. Estou há dois dias vagando pelas ruas de uma cidade desconhecida, com frio, sem dormir, sem banho e me alimentando apenas de pães e

biscoito, para economizar o pouco dinheiro que ainda tenho no banco. Já tinha perdido a esperança de que algo de bom poderia acontecer em minha vida, até a Patrícia aparecer e me mostrar que ainda existe uma luz no fim do túnel.

Durante nosso jantar, ela me contou que tem 25 anos, mora sozinha desde os vinte, é vocalista de uma banda, namora o baterista e que, quando me encontrou, estava saindo do trabalho, no bar de seu primo.

A Patrícia é um livro aberto e, infelizmente, não posso ser como ela. Falar sobre a minha vida pode ser perigoso.

Patrícia

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Comments

Nanda

Nanda

Começando hoje a ler mais uma obra prima da minha autora predileta, já sei que vou enrolar para acabar de ler, por ser bom demais, 😍😍😍 não quero terminar a leitura.

2024-05-19

1

Nanda

Nanda

Nossa que olhos lindos da Patrícia 😍😍😍😍

2024-05-19

1

Glucck

Glucck

Bora de mais uma. 26/04/24

2024-04-27

3

Ver todos

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