Sofia Black De Volta Para Casa
Rony:
Rony nasceu em Aramat, um reino mágico onde a magia fluía como o ar que se respirava. Era um lugar de maravilhas, onde fadas dançavam em florestas encantadas, e magos teciam feitiços com a destreza de artesãos. Mas a paz de Aramat e de outros reinos foi quebrada por algo terrível que ameaçava engolfar o mundo em trevas.
O medo se espalhou como um incêndio, e os pais de Rony, temendo pelo futuro de seu filho, decidiram deixar Aramat para trás. Eles partiram para Damasco, um mundo distante, onde a magia era apenas um conto de fadas e as pessoas viviam vidas simples e ordinárias. Rony tinha apenas sete anos quando deixou para trás o mundo que conhecia.
A vida em Damasco era diferente. Rony se viu em um mundo estranho, onde as memórias de Aramat se esvaíam como fumaça ao vento. As lembranças se tornaram um eco distante, uma sombra vaga em sua mente.
Apesar da distância, o mundo mágico nunca deixou de existir em Rony. Ele carregava dentro de si um anseio por algo que não conseguia definir, um vazio que o acompanhava como uma sombra.
Quando Rony completou vinte anos, conheceu Vânia. Foi amor à primeira vista, um encontro que iluminou seu mundo e preencheu o vazio que ele carregava há tanto tempo. Vânia era uma jovem de beleza singular, com cabelos ruivos que lhe davam um ar de mistério e olhos que refletiam a força e a coragem de sua alma. Vânia era diferente de tudo que Rony conhecia em Damasco.
Vânia:
Anastácia, a matriarca da família Morlen, era uma visão de rara beleza. Seus cabelos, ruivos emolduravam um rosto delicado, com traços finos e olhos azuis que pareciam refletir o céu. Sua pele, pálida como a porcelana, era salpicada por sardas que pareciam estrelas em um céu noturno. Mas a beleza de Anastácia ia além da aparência física. Havia um brilho em seus olhos, uma aura de mistério e poder que a tornava incrivelmente cativante.
No entanto, essa mesma beleza, essa mesma aura, a condenou. Em uma época de superstições e intolerância, a magia ( o poder de cura) que Anastácia possuía, uma herança de um passado distante, foi interpretada como bruxaria. Ela foi acusada, julgada e condenada à morte.
Décadas se passaram, e a memória de Anastácia se tornou um fantasma, um segredo sussurrado na família Morlen. Vânia, a vigésima geração da família, nasceu com o mesmo cabelo ruivo que Anastácia, uma marca indelével de sua ancestralidade. A cor de seus cabelos, tornou-se um fardo pesado, uma lembrança constante do destino trágico de sua ancestral.
Os pais de Vânia, a rejeitaram. Ela era constantemente comparada à sua prima, uma jovem perfeita, com cabelos negros e olhos azuis, a imagem da família Morlen que eles desejavam. Vânia, a menina de cabelos ruivos, era chamada de estranha, pois seus pais tinham cabelos escuros e depois de décadas, alguém novamente nasce na família Morlen com os cabelos ruivos.
O amor de Vânia por Rony, um jovem de coração puro e alma gentil, foi a única luz em sua vida. Ele a acolheu com amor e compreensão, reconhecendo a beleza que se escondia por trás da tristeza em seus olhos. Juntos, decidiram fugir, construir uma vida longe do preconceito e do medo que assolavam a família Morlen.
Dois anos se passaram, e Vânia, com o coração cheio de saudade, resolveu escrever uma carta para seus pais. Ela esperava que, com o tempo, o amor e a compreensão pudessem superar o medo e a rejeição. Mas a carta, carregada de esperança e afeto, nunca teve resposta.
O nascimento de Jasper, seu filho, reacendeu a chama da esperança em Vânia. Ela escreveu outra carta, desta vez contando sobre seu filho. Ela enviou a carta com um endereço, na esperança de que seus pais, finalmente, a visitassem. Mas o silêncio permaneceu.
No aniversário de sete meses de Jasper, Rony encontrou Vânia abatida, consumida pela tristeza e pela solidão. Ele, então, resolveu escrever uma carta para os sogros, um desabafo carregado de dor e raiva. Ele não sabia, mas a carta nunca chegaria ao seu destinatário. Pois um mês antes, os pais de Vânia haviam sido vítimas de um crime brutal, por cobradores.
O Sr. e a Sra. Davis, apesar da simplicidade de sua vida e da precariedade de sua morada, irradiavam uma bondade contagiante. A pequena casa, de madeira escura e envelhecida, rangia a cada sopro de vento, parecendo sussurrar segredos ao tempo. As tábuas, comidas pela umidade, se curvavam em protesto silencioso, enquanto a tinta descascada revelava a madeira apodrecida sob uma camada de poeira secular. O ar, impregnado pelo odor úmido e terroso do pântano próximo, não era dos mais agradáveis, mas para o casal, era o lar. Apesar das condições precárias, o interior da casa era limpo e organizado, um reflexo da honestidade e do cuidado que permeavam a vida dos Davis. Um pequeno fogão a lenha, quase tão velho quanto a casa, aquecia o ambiente com seu crepitar constante, e uma mesa de madeira rústica, com alguns pratos e talheres simples, compunha o cenário de suas refeições parcas, mas compartilhadas com amor.
O Sr. Davis, um homem alto de pele clara e cabelos escuros que emolduravam um rosto marcado por rugas finas, mas suaves, trabalhava como carpinteiro. Seus dedos, calejados pelo trabalho árduo, possuíam uma destreza surpreendente, capazes de transformar pedaços brutos de madeira em peças de arte funcional. Óculos redondos, de aros finos, emolduravam seus olhos castanho-escuros, que brilhavam com uma inteligência serena e um olhar compassivo. Um sorriso fácil e genuíno, que revelava dentes levemente amarelados pelo tempo e pelo fumo de seu cachimbo ocasional, irradiava bondade e gentileza, capaz de acalmar qualquer coração aflito. Sua postura, embora curvada pelo peso dos anos e do trabalho, emanava dignidade e respeito, refletindo a honestidade e a integridade que o caracterizavam. Ele era um homem simples, mas sua presença impunha uma sensação de conforto e segurança, como a sombra reconfortante de uma velha árvore em um dia de sol escaldante.
Já a Sra. Davis, magra e ágil como um gato, possuía uma cabeleira ruivíssima que caía em ondas suaves, dois dedos abaixo dos ombros. Seus dedos longos e finos, ágeis como bailarinas, moviam-se com uma destreza incrível sobre a agulha e a linha, criando peças de vestuário de uma beleza e qualidade incomparáveis na região. Sua honestidade era tão inabalável quanto sua habilidade, e a reputação de melhor costureira da redondeza a precedia. Apesar do trabalho árduo, seu rosto mantinha uma expressão serena e gentil, emoldurada por sardas que salpicavam suas bochechas como estrelas em um céu noturno. Seus olhos, um azul profundo e penetrante, refletiam a força e a resiliência de seu espírito. Junto ao Sr. Davis, formavam um casal unido pelo amor e pela dedicação mútua. E completando a família, estava Jasper, seu filho, uma criança adorável, de sorriso fácil e olhar calmo, cuja beleza serena era um reflexo do amor que o cercava. Sua presença trazia uma alegria silenciosa à humilde casa, um contraste suave com a precariedade do lar, mas um testemunho do calor e da felicidade que ali floresciam.
Apesar do amor que os unia e da alegria que Jasper trazia, a felicidade dos Davis era constantemente ameaçada por um peso avassalador: as dívidas. O dinheiro, escasso a ponto de mal suprir as necessidades básicas, era um fantasma que assombrava seus dias e suas noites. Quase diariamente, um cobrador diferente batia à sua porta, seus rostos implacáveis e palavras ameaçadoras ecoando na pequena casa. A Sra. Davis, cujo nome completo era Vânia, sentia um medo profundo e constante, um nó na garganta que a sufocava a cada batida insistente. O medo não era apenas pela perda da casa, seu único bem material, mas principalmente pelo que poderiam fazer a Jasper, seu filho precioso. A origem das dívidas era um fardo cruel, uma herança amarga deixada pela família de Vânia, que se afogara em um mar de débitos, deixando-a como única responsável por saldá-los. Os Davis, encurralados pela situação, se viam perdidos em um labirinto de desesperança, sem saber como honrar as dívidas que os esmagavam. A situação se tornava ainda mais misteriosa com o sumiço repentino da família de Vânia. Não houve um adeus, apenas o vazio. Seus pertences, alguns poucos e humildes, desapareceram sem deixar rastros, como se a terra os tivesse engolido. Nenhuma carta, nenhum recado, apenas o silêncio pesado e a sombra da incerteza pairando sobre o mistério do desaparecimento, adicionando ainda mais terror à já angustiante realidade dos Davis. A atmosfera era carregada de um mistério sinistro, como se um véu escuro tivesse caído sobre a pequena casa, misturando-se à umidade do pântano e ao medo constante que habitava o coração de Vânia.
Era uma segunda-feira cinzenta, o tipo de dia que prometia chuva e problemas. O Sr. Davis, Rony, preparava-se para mais um dia de trabalho árduo, quando ouviu uma batida hesitante em sua porta. Ao abri-la, deparou-se com uma figura feminina que lhe pareceu imediatamente estranha. A mulher possuía traços delicados, quase etéreos, mas seus olhos, de um verde incomum e brilhante, emanavam uma estranha intensidade. Seu vestido, de um tecido que Rony não conseguia identificar, parecia antigo e desbotado, mas de uma elegância singular. Antes mesmo que Rony pudesse formular uma pergunta, antes mesmo que pudesse articular um "Bom dia" ou um "Posso ajudá-la?", a mulher, com uma agilidade surpreendente para alguém de sua aparente idade, já se encontrava dentro de sua casa. Seus olhos, rápidos e perspicazes, percorreram o interior modesto e precário, pousando em cada detalhe, cada rachadura na parede, cada tábua rangente. E então, com um suspiro quase imperceptível, ela murmurou, em tom baixo e enigmático:
— Essa madeira... Está tão próxima do fim quanto vocês.
A observação, desnecessária e inquietante, pairou no ar como uma ameaça silenciosa, deixando Rony paralisado, o medo gelando-lhe o sangue nas veias. A mulher, sem dar mais explicações, permaneceu em silêncio, observando-o com aqueles olhos verdes penetrantes, como se lesse seus pensamentos mais profundos.
A mulher, ignorando o espanto evidente no rosto de Rony, continuou sua inspeção implacável da casa. Com um gesto quase teatral, ela apontou sua bengala, de madeira escura e polida, para uma mesinha frágil posicionada ao lado de um sofá surrado. Sobre a mesinha, alguns livros antigos e desgastados pareciam prestes a desabar sob o peso dos anos.
— Isso aqui pode cair a qualquer momento, não acha? — Ela comentou, sua voz carregada de um tom que não era exatamente sarcástico, mas sim profundamente irônico, como se a precariedade da casa fosse uma piada cruel. A bengala tocou levemente a superfície da mesinha, que rangeu em protesto. A paciência da mulher, aparentemente infinita até então, começou a se esgotar. Um leve tremor percorreu seu corpo, e seus olhos verdes brilharam com uma intensidade ainda maior.
— Vânia?
ela perguntou, desta vez com uma firmeza que não deixava espaço para dúvidas. A pergunta não era um pedido educado, mas sim uma exigência, um comando velado que deixava claro que a mulher não tinha tempo a perder. A atmosfera da casa tornou-se ainda mais carregada, o silêncio pesado e expectante, interrompido apenas pelo rangido da velha casa. Rony, petrificado pelo medo e pela estranheza da situação, sentia que algo de extraordinário estava prestes a acontecer.
— E Vânia, onde está? — A mulher repetiu, sua voz agora mais incisiva, cortando o silêncio como uma lâmina afiada. A pergunta era direta, sem rodeios, revelando uma pressa crescente e uma certa impaciência. Rony, ainda atordoado pela entrada inesperada da mulher e por suas observações enigmáticas, tentou responder com a melhor educação possível, mesmo sentindo um frio na espinha.
— Ah, é claro, deve ser uma cliente de Vânia... — Ele gaguejou, tentando parecer natural, apesar da crescente sensação de desconforto. — Engraçado, eu nunca vi a senhora por aqui. — A tentativa de disfarçar sua inquietação foi, no entanto, ineficaz. A mulher sorriu, um sorriso fino e misterioso que não alcançava seus olhos penetrantes.
— É claro que sim, sou uma cliente, mas se você me conhece ou não, isso não é problema meu. — A resposta foi seca, quase rude, confirmando a impressão de que a mulher não estava ali para uma visita social. Seus olhos verdes, fixos em Rony, pareciam avaliar sua honestidade, procurando por qualquer sinal de mentira ou hesitação. A tensão aumentou, o ar ficou mais denso, carregado de uma expectativa que prometia uma reviravolta iminente na tranquila rotina da família Davis.
Enquanto Rony saía para chamar Vânia, a mulher permaneceu na sala, seus olhos verdes examinando cada canto, cada detalhe da casa com uma atenção quase obsessiva. Sua avaliação inicial se confirmou: a estrutura era precária, as tábuas apodrecidas, a umidade se infiltrando por todos os lados. A casa, na verdade, parecia prestes a desabar a qualquer momento. A inquietação da mulher cresceu. Como uma família se estabelece em um lugar assim? Como uma criança poderia ser criada em meio a tanta precariedade? A curiosidade, mais forte que qualquer regra de educação ou etiqueta social, a impulsionou a explorar a casa com mais profundidade. Ela percorreu os cômodos com passos silenciosos e ágeis, observando cada objeto, cada detalhe, como se estivesse decifrando um enigma. A casa, pequena e humilde, revelava a história de uma vida simples, mas repleta de amor e luta. A mulher subiria as escadas se necessário, mas a sorte, ou talvez o destino, a guiou para um quarto aconchegante, onde uma cena comovente a esperava. Ali, em um berço simples, um bebê dormia profundamente, seu rosto sereno e angelical, imerso em sonhos tranquilos e puros. Era uma visão de beleza e inocência que a conquistou instantaneamente. A mulher, até então implacável em sua busca por Vânia, sentiu seu coração amolecer. O amor à primeira vista, não por um homem, mas por uma criança, invadiu seu ser, e ela se aproximou lentamente do berço, seus passos suaves como o cair de pétalas de flor.
— Você é lindo... — Sussurrou a mulher, aproximando-se ainda mais do berço. Seus dedos, longos e delicados, pairaram a centímetros do rosto sereno do bebê, quase tocando-o com um carinho reverente. — É um dos bebês mais lindos que já conheci, e mesmo dormindo fez com que eu me apaixonasse por você... — Ela continuou, sua voz carregada de uma emoção genuína e inesperada. A frieza e a impaciência que a caracterizavam até então haviam desaparecido, substituídas por um afeto profundo e terno — Acredito eu que tenho um presente para você... — Ela murmurou, seus olhos verdes brilhando com uma luz mágica e misteriosa — Vou lhe abençoar... — Disse ela, sua voz ganhando um tom solene e quase ritualístico — Eu, Lupin de Aramat, vos abençoo com amor, humildade, lealdade, e quan... — Mas a frase ficou incompleta, interrompida pela chegada iminente de alguém, interrompendo o momento mágico, deixando a mulher em suspenso, a benção inacabada pairando no ar, como uma promessa a ser cumprida em um futuro incerto.
— O quê você está fazendo? — Perguntou Vânia, sua voz carregada de pavor e surpresa ao encontrar Lupin com as mãos estendidas em direção a Jasper, que dormia serenamente no berço. O medo refletia-se em seus olhos, enquanto ela se aproximava cautelosamente, protetora, pronta para defender seu filho. Lupin, sem se mostrar intimidada, respondeu com calma, quase com indiferença:
— Eu estou dando a ele apenas um presente — A resposta, porém, não acalmou Vânia, nem Rony, que se posicionou ao lado da esposa, seu rosto expressando uma mistura de medo e raiva — Fique longe do nosso filho — ordenou Rony, sua voz firme, apesar do tremor que denunciava seu medo. Vânia, ecoando o sentimento do marido, insistiu:
— O que você quer com ele? — A pergunta era incisiva, exigindo uma resposta clara e direta, sem rodeios. Lupin, mantendo a serenidade quase irritante, respondeu:
— Não precisa se preocupar, eu não vou fazer nada de mal com ele — A afirmação, porém, soou mais como uma promessa vaga do que uma garantia verdadeira, deixando Vânia e Rony ainda mais apreensivos.
Com um movimento rápido e inesperado, Lupin pegou Jasper no colo. Rony e Vânia, já assustados, sentiram o medo se intensificar exponencialmente. O bebê, até então dormindo serenamente, despertou com o movimento, mas não chorou, observando a mulher estranha com uma curiosidade inocente. Lupin, percebendo a apreensão do casal, começou a explicar o real motivo de sua visita, sua voz calma contrastando com a crescente angústia de Rony e Vânia. Ela contou sobre sua origem, sobre um mundo distante e em dificuldades, descrevendo tempos sombrios e incertos que estavam vivendo em sua terra natal. Falou da descrença inicial, da dificuldade de aceitar a realidade cruel que se impunha, da necessidade de agir antes que fosse tarde demais. Mas suas palavras, apesar da sinceridade aparente, não encontravam eco nos corações de Rony e Vânia. Para eles, Lupin era uma estranha, uma figura enigmática que havia surgido do nada em sua humilde casa, carregando consigo um mistério que os deixava desconfortáveis e apavorados. A confiança não existia, e a descrença era uma muralha intransponível entre eles e a mulher que segurava seu filho nos braços. O que realmente importava naquele momento era a segurança de Jasper, a proteção do seu bem mais precioso, que estava nas mãos de alguém desconhecido, alguém que, apesar de suas explicações, permanecia uma figura enigmática e ameaçadora. A tensão era palpável, o medo se instalara profundamente em seus corações, misturando-se à incerteza e à desconfiança.
— Eu estou à procura de um lugar seguro, e vocês foram escolhidos para isso — Disse Lupin, sua voz firme e convicta, apesar da incredulidade evidente nos rostos de Rony e Vânia — Eu fiquei dias observando vocês e sei que vocês farão muito bem isso... Vocês vão ajudar a princesa de Aramat! — Ela completou, sua declaração ainda mais fantasiosa e inacreditável. A menção à "princesa de Aramat" soou como o toque final em uma história de ficção, um elemento surreal que reforçava a incredulidade de Vânia, que, impaciente e desesperada, interrompeu Lupin.
— Calma, você acha que vamos acreditar nessa loucura toda? Será que você pode devolver nosso filho? — Ela disse, sua voz carregada de uma mistura de medo, raiva e incredulidade. A pergunta era direta, sem rodeios, revelando a prioridade absoluta do casal: a segurança de Jasper. A confiança em Lupin era zero, e a situação, longe de se resolver, se tornava ainda mais tensa e incerta. A casa humilde, já precária, parecia se tornar ainda menor sob o peso daquela situação absurda e ameaçadora.
— Eu sei que tudo isso parece mentira e é bizarro, mas por favor, eu preciso... — Lupin implorou, sua voz carregada de desespero. — Na verdade, nós de Aramat precisamos de vocês... Rony, por favor, você sabe que isso não é mentira, é só se permitir sentir... Você acreditou por tanto tempo, e eu acredito que não vai deixar alguém na mão — Ela continuou, tentando apelar para a compaixão e para a empatia de Rony. A insistência de Lupin, porém, apenas reforçava a desconfiança do casal. Rony, confuso e perturbado, respondeu com firmeza:
— Eu não sei do que você está falando — A resposta, porém, não convenceu Lupin, que insistiu:
— Sabe, você sabe sim — A insistência da mulher, a menção a algo que Rony aparentemente conhecia, mas não conseguia ou não queria admitir, aumentou a confusão e a tensão no ambiente.
Vânia, desesperada e sem entender nada, questionou o marido:
— Rony, do que ela está falando?
A resposta de Rony foi imediata e categórica:
— Eu Não sei, essa mulher é doida. — A declaração, apesar de expressar a incredulidade e o medo do casal, não encerrava a questão. O mistério permanecia, a tensão se intensificava, e a situação se tornava cada vez mais complexa e imprevisível.
— Rony Davis! Você dizia quando criança que nunca deixaria de acreditar que existiam outros mundos, e sempre que você falava isso seus olhos brilhavam — Lupin disse, sua voz suave, mas firme, quebrando a barreira de descrença que separava os dois mundos — Não permita ser enganado por seu medo, que ainda te atormenta — Ela completou, sua fala carregada de uma compreensão profunda da alma de Rony, revelando um conhecimento que transcendia o simples encontro casual. Com um gesto delicado, Lupin entregou Jasper para Vânia, que o recebeu com um misto de medo e surpresa, ainda sem conseguir processar a situação surreal que se desenrolava diante de seus olhos. O olhar de Lupin, penetrante e intenso, encontrou o de Vânia, transmitindo uma mensagem silenciosa, uma conexão que transcendia as palavras. Em seguida, Lupin aproximou-se de Rony, colocando sua mão suavemente em seu rosto. Um sussurro quase inaudível ecoou em seu ouvido, uma mensagem secreta que só ele poderia entender. O nervosismo de Rony era palpável, a transpiração fria escorrendo por sua testa, mas nada conseguiu ofuscar as lágrimas que, inesperadamente, começaram a rolar por seu rosto, um sinal de que a barreira da descrença estava se rompendo, dando lugar a uma emoção profunda e incontrolável. O momento era carregado de significado, um ponto de inflexão na história da família Davis, que se via à beira de uma realidade fantástica e desconhecida.
O toque de Lupin em Rony pareceu despertar algo adormecido em sua alma, uma memória, uma crença, um sentimento que ele havia enterrado profundamente dentro de si. Em um instante, a descrença deu lugar à aceitação, a dúvida à certeza. Como num passe de mágica, Rony concordou com tudo o que Lupin havia dito, aceitando a missão de ajudar a "princesa de Aramat". A transformação foi tão repentina e completa que deixou Vânia atônita. Ela observava o marido, tentando compreender o que havia acontecido, o que aquela mulher havia feito para provocar tamanha mudança de comportamento. A rapidez da decisão de Rony, a facilidade com que ele abraçara uma realidade tão fantasiosa, era inexplicável. O que Lupin tinha feito? Que poder ela exercia sobre Rony? Que influência tão profunda ela tinha sobre ele? Milhares de perguntas invadiram a mente de Vânia, mas ela preferiu silenciar. Conhecia Rony muito bem, sabia que qualquer questionamento naquele momento seria em vão. Ele não responderia, não explicaria. A mudança era profunda, visceral, e Vânia, apesar da perplexidade, decidiu confiar em seu marido, esperando que o tempo, e talvez as próprias ações de Lupin, revelassem o mistério que envolvia aquela mulher enigmática e a extraordinária jornada que se iniciava.
Lupin, percebendo a hesitação ainda presente nos olhos de Rony e Vânia, apesar da concordância formal, reforçou a garantia de recompensa pela ajuda prestada. Suas palavras foram cuidadosamente escolhidas, pintando um futuro promissor, um futuro que prometia solucionar as dificuldades financeiras e as incertezas que assombravam o casal. A promessa de uma nova morada, um lar estável e seguro para Jasper, foi o argumento decisivo. A necessidade era premente, a precariedade da casa atual era inegável, e a perspectiva de um futuro melhor, garantida por Lupin, pesou mais que qualquer dúvida ou receio. Rony e Vânia, apesar do estranhamento e da descrença persistente, aceitaram a proposta. A sobrevivência, a segurança do filho, eram prioridades inegociáveis. A promessa de recompensa, aliada à necessidade premente de uma nova moradia, selou o acordo. O desconhecido, com todos os seus perigos e incertezas, tornava-se a única opção viável.
Quatro anos se passaram desde a partida de Lupin.
— Olá, alguém em casa? — Uma voz suave, mas inconfundível, ecoou pela casa.
— Eu conheço essa voz! — Exclamou Vânia, um misto de surpresa e apreensão na voz. O coração acelerou, a memória daquela jornada fantástica retornando com força.
Rony, igualmente assustado, compartilhava a mesma sensação. Nem sequer precisaram abrir a porta. Em um piscar de olhos, Lupin estava dentro da casa, como se tivesse atravessado as paredes, materializando-se diante deles com uma destreza sobrenatural. Um sorriso travesso, quase infantil, surgiu em seus lábios, enquanto ela observava o espanto estampado nos rostos do casal. Uma série de gargalhadas ecoou pela sala, quebrando o silêncio.
— Ah, não sejam modestos, vocês já me viram antes... — Lupin disse, um sorriso divertido brincando em seus lábios.
— Mas antes eu havia aberto a porta! — Retrucou Rony, lembrando-se da primeira vez que encontraram Lupin, a tensão daquela ocasião ainda presente em sua memória.
— Ok, eu só vim fazer uma visitinha para os meus amigos, não gostaram? —, Lupin perguntou, o sarcasmo evidente em sua voz, enquanto observava a reação de Rony e Vânia.
— Da última vez não foi muito agradável... — Respondeu Vânia, sem esconder a sua reserva, a lembrança daquela situação tensa e confusa ainda viva em sua mente.
— Eu sei, posso imaginar... — Lupin concordou, mantendo o tom divertido, porém com um toque de sinceridade — Mas pense bem, da última vez, não vim como amiga, mas sim como cliente.
— Já faz quatro anos! Sabia? — Exclamou Vânia, surpresa com a rapidez do tempo e a lembrança vívida daquela experiência transformadora.
— Eu sei, mas eu voltei e espero que vocês estejam preparados — Respondeu Lupin, sua voz carregada de uma expectativa que deixava o ar tenso.
— Eu dei minha palavra e eu não vou voltar atrás — Rony afirmou com firmeza, reafirmando seu compromisso assumido anos atrás, mesmo com a incerteza que pairava no ar.
— Assim espero... — Lupin murmurou, um brilho misterioso em seus olhos. Com um gesto teatral, Lupin tocou sua bengala no chão, fazendo faíscas saltarem do ponto de contato.
Vânia ficou impressionada, sua incredulidade evidente, enquanto observava o acontecimento sobrenatural. Como aquilo era possível? Rony, embora "acostumado" às peculiaridades de Lupin, ainda sentia um arrepio de desconforto e incerteza.
— Eu não queria me meter em confusões... — Ele murmurou, expressando o medo latente que ainda o acompanhava.
— Você não precisa se preocupar — Lupin o tranquilizou, porém com um ar misterioso — Eu preciso ir e os verei em breve — Ela disse, sua voz ficando mais distante, como se estivesse se desligando da realidade. Antes que Rony e Vânia pudessem questionar, Lupin desapareceu em uma nuvem de fumaça azul, como se tivesse sido sugada para dentro de um portal invisível.
O silêncio que se seguiu foi quebrado por uma batida na porta, os dois se entreolharam, surpresos. Rony, cauteloso, aproximou-se da porta, abrindo-a lentamente. E lá estava ela, a nova moradora.
Rony olha para Vânia e ambos estavam espantados… A menina diz com uma voz suave e doce
— Meu nome é Sofia… E eu sou de Aramat.— Vânia pede para a menina entregar e lhe faz, algumas perguntas.
— Oi, eu me chamo Vânia
— Oi, tia Vânia.— Vânia dá um leve sorriso.
— Sofia, Você estava com fome? Estás cansada? Ou algo do tipo?
Sofia não diz nada a não ser dar uma carta para Vânia e de repente, estranhamente começar a chover, o céu escureceu e lá fora as flores morreram. Rony pede para Sofia sentar no sofá e esperar, pois já iria falar com ela, os dois começam a ler a carta que dizia o seguinte:
As palavras na carta, escritas em uma caligrafia elegante e firme, pareciam dançar sobre o pergaminho negro como se estivessem escritas com tinta viva. A tinta de prata, quase translúcida, brilhava sob a luz fraca da lamparina, revelando um leve brilho mágico.
"Querido Sr. e Sra. Devis," as palavras iniciais, escritas com uma leve inclinação, pareciam sussurrar um pedido gentil, mas a urgência da situação se tornava evidente nas palavras seguintes: "Espero que esta carta os encontre bem. Escrevo-lhes com um pedido de favor urgente."
A cada palavra, a raiva da Rainha Diana se tornava mais evidente. "Há quatro anos, uma mulher chamada Lupin visitou a humilde casa de vocês, como me foi descrito." A frase, escrita com uma ênfase especial em "humilde", parecia acusar os destinatários de não serem dignos da missão que lhes foi confiada.
"Talvez vocês se perguntem por que foram escolhidos para esta missão, e imagino que Lupin já tenha mencionado algo a respeito." As palavras, escritas com uma leve ironia, pareciam questionar a capacidade dos destinatários de compreender a gravidade da situação.
"No entanto, a situação se tornou ainda mais grave, pois o Rei foi assassinado e estamos todos em desespero." A frase, escrita com uma força brutal, parecia ecoar o grito de dor da Rainha Diana.
"Nossa prioridade agora é proteger Sofia deste caos crescente." As palavras, escritas com uma determinação inabalável, revelavam a importância da missão que os destinatários receberam.
"Há alguns anos, o Rei pediu a Lupin que encontrasse um local seguro, e ela mencionou ter encontrado vocês, que se comprometeram a nos ajudar." A frase, escrita com uma leve esperança, parecia confiar na promessa que os destinatários fizeram.
"Inicialmente, relutei em permitir que Sofia partisse, mas diante da atual situação, não posso arriscar a segurança dela." As palavras, escritas com um tom de desespero, revelavam a angústia da Rainha Diana.
"Agradeço imensamente por estarem dispostos a auxiliar-nos nesse momento crucial." A frase, escrita com uma gratidão genuína, parecia reconhecer a importância do sacrifício que os destinatários estavam prestes a fazer.
"Serei eternamente grata a vocês e farei questão de recompensá-los generosamente por sua ajuda." As palavras finais, escritas com uma promessa firme, pareciam selar o acordo entre a Rainha Diana e os destinatários.
A carta, apesar de escrita com tinta de prata, parecia manchada por um tom avermelhado, quase imperceptível, mas que, sob a luz da lamparina, se tornava mais evidente. Uma aura de mistério e perigo emanava do pergaminho, como se ele carregasse em si o peso da tragédia e da esperança que a Rainha Diana depositava em seus destinatários.
Rony e Vânia, depois de lerem a carta, se entreolharam, seus rostos refletiam um misto de espanto, apreensão e, acima de tudo, compaixão. A história contada pela Rainha Diana, por mais fantasiosa que parecesse, despertou algo profundo dentro deles.
A imagem da menina Sofia, frágil e assustada, sentada no sofá, os fez se lembrar de suas próprias infâncias, de momentos em que a segurança e o amor eram tudo o que importavam. A carta, com sua aura mágica e a tinta que parecia pulsar com vida, reforçava a sensação de que algo extraordinário estava acontecendo, algo que os colocava em uma encruzilhada.
Os dias se transformaram em semanas, e a casa de Rony e Vânia se encheu de risadas e brincadeiras. Jasper e Sofia, com seus espíritos inquietos e corações generosos, formavam um laço inquebrável que florescia a cada dia. As tardes eram preenchidas com histórias inventadas, jogos imaginativos e a mágica simplicidade da infância.
Rony e Vânia, observando a conexão especial entre as crianças, se sentiam gratos por terem acolhido Sofia em suas vidas. Mesmo sabendo que ela não era uma Devis por nascimento, isso nunca foi um obstáculo. O que importava era o amor e a união que se formaram entre eles. A casa, agora, era um lar vibrante, onde os laços de família eram definidos não apenas por sangue, mas por escolha e afeto.
Sofia e Jasper, em um momento de pura camaradagem, se sentaram no quintal, cercados por flores que, após a chuva que havia murchado as pétalas, agora renasciam em cores vibrantes. Com olhares sérios e sussurros, fizeram um pacto: "Prometemos que nossa amizade durará para sempre, até o fim."
Com as mãos unidas, eles selaram o compromisso, uma promessa que ecoava a força de suas infâncias e a magia que os cercava. A conexão deles era tão forte que nem as dificuldades do mundo exterior poderiam abalar. Sofia protegia Jasper com a bravura de uma irmã mais velha, enquanto ele a defendia com um zelo feroz, como um verdadeiro irmão.
Enquanto as estrelas começavam a brilhar no céu noturno, Rony e Vânia observavam a cena, sentindo que haviam feito a escolha certa ao abrir suas portas e corações para Sofia. A vida estava cheia de incertezas, mas ali, naquela pequena família, havia um vínculo que transcendia o tempo e as circunstâncias, uma magia que os unia e que prometia durar para sempre.
Rony, com um sorriso gentil no rosto, olhou para Jasper e Sofia, que o encaravam com curiosidade. Sua voz, calma e suave, ecoou:
— Sabem, crianças, amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente sócios da felicidade um do outro.
Jasper franziu a testa, confuso.
— Não entendi, o que isso quer dizer, pai?
Sofia, com a mesma expressão pensativa, concordou:
— É tio, também não entendi.
Rony sorriu, com um brilho de ternura em seus olhos.
— Vocês vão entender. Com o tempo, vocês vão perceber o que significa compartilhar alegrias e tristezas, apoiar um ao outro, e encontrar conforto na companhia um do outro. É algo especial, uma ligação que vem do coração.
Ele se lembrou do dia em que Jasper e Sofia, com os rostos pintados de terra e os cabelos emaranhados, haviam marcado a árvore com suas iniciais entrelaçadas.
Para Rony e Vânia, aquela árvore, com suas iniciais gravadas na casca rugosa, era mais do que uma simples lembrança. Era um símbolo, um testemunho silencioso do vínculo inquebrável que se formava entre as crianças, um presente de Deus, como eles sempre haviam dito. Era o marco de uma amizade que transcendia a compreensão infantil, uma amizade que eles agora observavam florescer com admiração e gratidão. Aquele gesto simples, feito na inocência da infância, havia se tornado um elo poderoso, um presente de Deus que enriquecera suas vidas de uma forma que jamais imaginaram.
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Atualizado até capítulo 21
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