Nostalgia

“O que vai fazer a partir daqui?”

Aquela pergunta ainda martelava minha cabeça até pouco tempo, até aprender melhor sobre minha essência. Mas ela começou desde aquele dia, quando acabamos com tudo, uma vingança que vejo hoje como um livramento pro mundo. Uma missão divina, que vimos mais como uma oportunidade perfeita. Daquele dia em diante, recebemos novos nomes, novas vidas, novas formas de escolha.

Desde então, andamos por tantas ilhas, até eu finalmente achar uma família que nos acolhia como a própria. Mesmo assim, ele não quis ficar, sabia que tinha algo errado naquele momento, algo que precisava cuidar com as próprias mãos. Me pergunto que problema seria esse...

Até perceber a mudança de seu olhar. Quando nos despedimos, um olhar mórbido e tedioso estava estampado em sua face.

Hoje em dia, enquanto sai com tanta confiança, o brilho em seus olhos, que contemplam uma infinidade de possibilidades, é tão ofuscante ao ponto de trocar sua cor com cada emoção. Além disso, seu jeito mais liberto e descontraído...

Seu problema era a solidão, não aquela que se sente ao estar longe das pessoas, mas sim há discrepância de poder, não era? Então, você achou pessoas bem interessantes....

— Tá me observando quieta por qual motivo, sua maluca?

— Nada não, priminho. — Acaricio sua cabeça como antes. — Que tal me contar mais sobre o que fez desde que nos separamos?

— Viajei pelas ilhas para experienciar a vida como bem entendi. Fiz algumas missões de guildas aqui e ali com identidades falsas para poder comprar comida, mesmo não precisando, e conheci MUITA gente. — Seu sorriso continuava brilhante desda ultima vez que caçamos juntos. Você mudou muito... — Se me permite dizer, devo ser bastante famoso pelos motivos errados e certos, além do caos que ocorre enquanto estou em um lugar. Já ouviu falar do garoto com máscara vermelha da China?

— Aquele que salvou a vida do filho mais novo do imperador e treinou com o Wukong?

— Adivinha? ERA EEEEUUU!

A felicidade se esbanja em sua aura, junto dos olhos ficando ligeiramente amarelados, e seu jeito estranho de andar balançando as mãos. Conforme conversamos, subindo essa montanha tranquilamente, devido ao que podemos dizer “super biologia”, percebo o quanto meu primo voltou a ser aquele pirralho barulhento, muito antes do que aconteceu com seu irmão. Devo admitir, senti falta desse lado mais caótico. 

Só espero que isso não seja uma farsa muito bem feita. Apesar que, só de olhar para a essência do Boris, não tem como uma pessoa assim fingir tão bem… 

— Acho que tamo perto. 

Ouço sons de ferro, grunhidos de animais por perto e alguns resquícios de magia chegam até minha pele. Em um instante, transfiro-me para o meio dos planos, ficando ali para visualizar todos, mas ninguem podendo me perceber. 

— Bem, então… 

O garoto olha para o lado e bufa quando percebe que desapareci. 

— Cosplay de Batman do carai viu. 

Ouvindo mais e mais barulhos, ele parte para cima como uma ventania forte, chegando no momento em que um desses javalis portadores de armaduras naturais, ou seja lá o que forem, iria avançar com tudo. 

— Sai de baixo! 

Com um chute forte de cima para baixo bem no pescoço do bicho, a armadura voa longe e o que sobra são apenas restos carnais. Um tanto quanto assustados, havia dois seres estranhos na nossa frente. 

O primeiro, sendo mais alto, possuía uma espada característica da região e armadura mais leve, contendo também um elmo que deixava seus chifres passarem. Já a segunda, um pouco mais baixa porém mais forte, continha duas dessas espadas e apenas roupas casuais de cor branca e azul em seu corpo, também com chifres e uma marca abaixo dos olhos. 

Seu susto foi tanto com aquela força que ambos entraram em curto-circuito, apenas processando o que tinha acontecido. 

— Ah, perdão, esqueci de me apresentar. — Arrumava suas roupas casualmente depois daquele espetáculo. — Meu nome é Boris, estou aqui como representante do esquadrão de resoluções de Mordred Unelure. 

— K-Konicchiwa? 

— Ou. 

Me impressiono com sua capacidade adaptativa. Falar no mesmo idioma que os nativos sempre foi um desafio, principalmente por sermos almas vagantes, então falar em inúmeras línguas diferentes se prova um problema constante. Isso significa que além de ter alterado sua biologia, também mudou seu raciocínio para estar numa velocidade tão alta de processamento. Só isso para explicar como aquele cabeça de vento se tornou poliglota. 

Depois de muito tempo conversando nessa língua estranha, da qual entendo apenas pela manipulação de mana, onde concentro suas palavras em sentimentos e memórias falsas para se tornarem entendiveis aos meus ouvidos, primo mio dá um sinal para continuar o seguindo, assim chegando numa vila incrível, ficando a beira do Monte, com neve caindo e construções um tanto quanto tecnológicas. Casas de cimento e tijolos, junto de engenharia mágica, os Onis estão quase no nível dos humanos antigos. Impressionante, devo dizer que superaram minhas baixas expectativas. 

Andando entre estes seres excêntricos, percebo sua empatia com o próximo e a vida humilde que levam. Mesmo alguns sendo mais diferentes, vermelhos ou azuis, debilitados ou não, todos andam na mesma rua e sorriem um para os outros. Queria que nosso clã também fosse assim, teria nos evitado tanto problema… 

Chegando numa dessas casas, um pouco mais enfeitada, os dois Onis entram escoltando o humano até o líder daquele lugar. Alto, com as roupas parecidas com as da garota, uma grande cicatriz na cara e um ar mais divino. Um semideus, mas não o que procuramos. Nesse caso, a garota é nosso alvo de treino? 

— A minha tia já avisou sobre você, Oráculo rebelde. Mas o que isso garante que irei concede-la ao seu treino, sendo tão jovem? 

A voz era como uma tempestade, a posição inabalável como uma cordilheira e a marra de um vulcão. De fato, este semideus é muito forte. 

— Sou muito mais experiente que todos nessa montanha reunidos, Senhor Shiba. Mesmo com a aparência mais simples, sou portador de técnicas que há muito foram perdidas. Como por exemplo… 

Com um movimento de sua mão nua, um grande corte no espaço a frente era feito, fazendo um vácuo de ar que puxava os corpos presentes para frente. Uma demonstração unânime para aquele velho samurai, que sorria com bastante interesse. 

— Nesse caso, estarei pedindo um favor para o velho a minha frente. 

Boris se irrita um pouco, mas a verdade é dura conosco. Faz tanto tempo que pisamos nessa terra que qualquer um pode nos chamar assim, até mesmo aqueles com mais de séculos de idade. 

— Preciso de algumas coisas para um festival que ocorrerá daqui duas luas. — Tirava um pergaminho de seu bolso. — Poderia me dar essas coisas? Se fizer isso, minha filha estará disponível para qualquer exercício. Não é, Noemi? 

— Sim! 

Agitada, a garota oni parecia mais eufórica do que nunca. Um simples truque como o corte parado foi o suficiente para atrair atenção dos pirralhos dessa era? Que coisa mais estranha, isso deveria ser o básico do básico, até para crianças de três anos que querem ser espadachins. Afinal, com essa técnica, todo ataque que fizer terá uma potência enorme! A própria lâmina do matador de dragões, Sigurd, era manejada com essa técnica. O corte que matou Lu Bu também… 

— Temos um trato, Senhor Shiba, se puder me dar a permissão para olhar o topo do Monte. 

— Sabe que isso é um tanto perigoso, até para nós que vivemos aqui por milênios, não é? 

— Quem muito se acostuma, perde o que desfruta. 

— Heh, você é realmente um ser estranho. Tem minha ordem e benção, humano esquisito. — Tragava uma boa porção de seu cachimbo. — Não aceito devoluções, luz do paraíso! 

— Nem eu, Filho da tempestade! 

Ambos gargalhavam como velhos amigos, e então se despediam para fazer seus próprios deveres. Quando nos afastamos o suficiente, pergunto:

— Você já o conhecia? 

— Uma vez, quando vim para cá puxado para uma missão por Izanagi, conheci o filho de Susanoo-no-mikoto, e ficamos um bom tempo lutando juntos até a eventual queda dos Yokais, que marcou o fim da guerra. Aquele garoto virou aquele general imponente, e eu virei uma sombra das lendas, como sempre. 

— Fico impressionada por não cobrar os devidos créditos, ainda mais você que sempre foi o “fazedor de mitos”.

— Tudo que preciso é da experiência, do aprendizado e da memória. O resto não passa de algo que os outros pressupõem a meu respeito. Algo que também não me importo, já que minha imagem, o meu ser, só a mim pertence. 

— Ei, isso ai é coisa minha sabia? 

— Óbvio, eu só posso aprender com os melhores no final das contas. 

Cresceu, e além de sua altura, seu charme e jogo de palavras também evoluiu. Fico até sem graça depois dessa repentina afirmação, apenas o abraçando e dando-lhe um cascudo que nos faz rir até chegar no topo da montanha. Lá, onde o frio era para ser quase absoluto, um grande calor nos acerta em cheio. Do nosso ponto, é possível ver a lava já se formando e uma erupção com pequenos meteoritos caindo por todos os lados se formando. 

Analiso o ambiente, e presto atenção em Boris, que parece já estar identificando uma solução. Que cara mais rápido, era eu quem tinha que arranjar as soluções dos seus problemas. 

— Avery, pressuponho que não tenha perdido seu dom para magia? 

— Meu título como “Segunda Arquimaga do Reino” te responde algo? 

— Exibida. 

Apenas mostro a língua e dou de ombros, como quem não quer nada. Vejo onde ele está apontando, para um núcleo pequeno que começa a se formar no centro da lava.

— Consegue invocar a nossa senhora das pedrinhas de gelo dentro de você e congelar aquele núcleo? 

— Ainda vou entender essas suas piadinhas, prometo. 

— Olha que eu cobro ein. — Me responde com um sorrisão malicioso no rosto. 

O soar de meu item mágico divino ressoa como o sino da própria Deusa mãe por toda a montanha, fazendo tudo ao redor silenciar-se enquanto conjuro, do fundo de meu espírito, o cântico principal e secundário para a manifestação do zero absoluto. Meus cabelos lentamente ficam brancos, enquanto tudo ao meu redor congela e minhas roupa se torna puro e maciço gelo, tudo isso para que no ponto onde foco e aponto meu cajado instantaneamente atinja seu ponto morto, congelando-o instantaneamente, assim como toda a lava ao redor. Lentamente vou voltando ao normal, com a ajuda do meu fiél ajudante, que aguenta toda minha dor utilizando de suas técnicas estranhas. Mesmo sabendo que isso custaria a vida de alguém normal somente pela dor da transformação da matéria, não me surpreende o garoto ao meu lado ter tratado isso como um resfriado que passa daqui algum tempo. 

— Perfeito. Agora, pode deixar comigo, só me dá cobertura. A última vez que tentei fazer algo assim, tomei uma chifrada dum búfalo e fui voar que nem a Jesse e o James. 

— Pode ficar tranquilo e fazer seja lá o que. 

Conjuro uma barreira translúcida a nossa volta, com um teor impenetrável apenas por precaução. 

Ficando agachado sob uma perna, enquanto a outro fica de apoio, ele começa a juntar suas mãos até a frente de seu peito. Antes de juntar ambas… 

— Avery, treinou sua posição neutra? 

— Sim, por… 

No momento em que ambas as palmas se tocam, a gravidade em todo o lugar da barreira aumenta exponencialmente, me fazendo quebrar o chão para poder ficar em pé antes de ativar minha posição neutra com os círculos mágicos ao redor do meu núcleo. 

— Filho da puta! 

— Mantenha a calma e faça o B agora faz. 

Aquele Núcleo congelado com forças divinas desce como uma bomba até o fim do vulcão, fazendo todo seu interior congelar devido às forças maiores. Magia gravitacional, mas sem um núcleo de mana? 

— Boris, no que andou se envolvendo para fazer esse tipo de magia mesmo com sua restrição vitalícia? 

— Apenas aprendi a contornar a situação. Ether, mana, elementum, tudo é a mesma coisa. Então, só peguei a base e fiz minha própria, simples assim. 

— Ata. Uma coisa que levou só forças divinas e demoníacas Unidas para fazer. 

— Tempo é minha maior aliada. Ademais, você é oráculo pra saber o que posso fazer, carai? 

— Só estou indo pela lógica. 

— Um dia te ensino a verdadeira magia, Priminha. 

Com um estrondo, flocos de neve começam a sair do bico da montanha, caindo por todo o local e fazendo uma pequena névoa mais a baixo. Com mais uma missão completa, fazemos nosso toque especial e comemoramos, dando risadas pela idiotice dupla. A nostalgia vem forte, parecendo que somos ainda mais crianças do que antes. 

— Ai ai, isso que eu chamo de trabalho concluído. — Afirmo, guardando meu item mágico. 

— Eu concordo. — Vira a cabeça rapidamente até uma árvore próxima. — E tu Mordred, concorda? 

— Completamente! 

Aquele clone feito de sombras do alucard paraguaio surge repentinamente da floresta, vindo até perto e bagunçando nossos cabelos. 

— Por favor, nos apresente, Boris! 

— Prima, esse aqui é o Dracula da shopee, Mordred. — Inverte as mãos. — Mordred, essa é a feiticeira da 25 de março, Avery. 

— Como você consegue… — Diz a sombra, um pouco fragilizada com a criatividade dos apelidos. 

— Bem, eu normalmente não faço isso, mas ela vai estar no time querendo ou não, então já vai se acostumando com a permanência dela por um tempo! 

— Claro, você que faz a reforma da mansão mesmo. Vai ter que fazer pra raposa também, mas isso é só alterar o tamanho da cama das bruxas eu acho. 

— Pera, a Yakko também? 

— Ocorreu bastante coisa enquanto você esteve fora. Desde uma conversa com um Chá delicioso, até uma invasão feita por um exército inteiro que a gente teve que dizimar. 

— Luzinha, como diabos ele está falando tão tranquilamente com toda essa situação? 

— Eles são fod, FORTES, pra cacete. Ai da nisso ai. 

— Disse o cara que literalmente esfriou um vulcão. Isso é cientificamente possível? 

— Sei lá, não sou formado não irmão. — Diz em um tom irônico, sabendo que a resposta é claramente “Não”. — Mas eae, qual é o plano agora, Ruivão? 

— Vamos subir com os Yamazaki e todo mundo por perto. Queremos reunir a todos para usar a runa de teleporte e os deixar perto da mansão, pois fiz um contrato para os proteger. Nada melhor que os deixar por perto, certo? 

— Cara, não sei o que te ofereceram, mas foi algo pique autógrafo de estrela falecida, vale um bilhão, pra tu fazer isso. 

— Vai por mim, isso vai valer muuuito a pena. Bem, tenho que ir, só queria garantir que você estava bem enquanto lutavamos. Chegamos em cerca de meio dia! 

A sombra se desfaz por inteiro, sobrando apenas a da árvore no chão. Quando percebo, a noite começa a se colocar, e o Deus da lua passa com suas lâminas rasgando o céu e deixando suas estrelas no lugar das nuvens. 

— Obrigado por ter me deixado ver isso. — Falo, ao perceber o toque de Boris em meu ombro. 

— De nada, eu gosto de compartilhar essa minha visão diferenciada pros outros. — Devolve com um olhar brilhante ainda focado nos céus. — E então, bora arranjar um lugar pra ficar naquela vila? 

— Nem precisamos dormir… 

— Mas eu gosto, me faz sentir bem e não preciso ficar me preocupando a toa. Aliás, você não vai conseguir usar sua transposição, afinal, preciso de um rosto bonito pra pedir casa!

Percebo o selamento mágico no mesmo lugar do toque. Esse mequetrefe maldito… 

— Hahaha! — Me exalto enquanto percebo que nada mudou. — Vamos logo, mas vou avisando que estou meio enferrujada. 

— Qualquer coisa, eu mesmo viro uma gatona, que nem tu fez. 

— Entendido, senhor metamorfose ambulante! 

Saímos daquele lugar sem pressa, apenas rindo enquanto nosso novo ciclo de encontros estranhos se iniciava… 

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