Parte 11:
A segunda rua, que se estendia por toda a extensão da fonte até a muralha, podia ser vista de qualquer quarto da hospedaria Durma Águia, começava a apresentar os sinais característicos daquela parte da cidade. O som dos passos das pessoas vagando aparentemente sem destino, os ruídos causados pelo atrito das armaduras mal ajustadas, o canto dos pássaros nos telhados de madeira e o aroma de lírios, rosas e orquídeas vinha da floricultura situada logo à frente da hospedaria. A floricultura ali, aliás, era uma bênção, considerando que se não existisse, o odor típico do lugar provavelmente seria o exalado pelas valas abertas no canto da rua, contendo tudo que os estabelecimentos daquela região consideravam lixo não sólido.
Amai admirava aquele cenário perto da janela entreaberta de seu quarto. Diferente da noite anterior, nessa ele teve uma boa noite de sono e estava em perfeitas condições físicas e de espírito. Aproveitando esse pequeno momento de paz, ele pensou em como, desde que renasceu, esteve sempre em situações estressantes e anormais. Era algo desafiador, especialmente para ele, que foi apenas um garoto gamer, otaku e completamente "antissocial" na Terra. Tudo era irreal, fantasioso. Ele simplesmente estava vivendo um sonho maravilhoso. “Uhh-ah!” Ele suspirou profundamente. "Um sonho fantástico, né? Uma fantasia que sempre tive vontade de viver..."
Amai afastou-se da janela e se sentou na cama, olhando para a porta de madeira rústica.
"Ela me agradeceu. Mesmo sendo eu o culpado por aquilo.", disse ele, pensando em Millya.
Por um bom tempo, ele permaneceu parado, olhando para a fresta que havia embaixo da porta fechada, ouvindo os passos que, de tempos em tempos, ressoavam pelo corredor, até que finalmente cessaram por completo. Ele fazia isso para tentar afastar de sua mente uma imagem que o perseguia desde o dia anterior, mas seus pensamentos não o atendiam e, inevitavelmente, ele voltava à cena de Millya caída sobre a pedra, sangrando. Em algumas versões mais aterrorizantes, ela não se levantava. Ele fechou os olhos e buscou, com os outros sentidos, um ponto de atenção para se distrair desse pensamento, encontrando assim o barulho que provavelmente vinha do refeitório. Os murmúrios e risos eram interrompidos pelos gritos de Callendra e o perfume das flores agora competia com outros aromas; odores que o fez salivar e sua barriga roncar. Amai se levantou e foi até um baú de madeira que estava no canto do quarto. Apesar de ter um inventário, ele deixou os objetos em cima do tampo daquele baú após concluir que seria mais adequado guardá-los sempre em um local próximo do que dentro do inventário. Dessa forma, em emergências, poderá se equipar com mais rapidez.
Deixando o bastão de lado, pegou a sua capa e a atirou sobre o ombro...
Urgh...
Em um movimento rápido, e com uma expressão de quem está a ponto de vomitar, ele jogou a capa na direção da cama. “Mas que porra de fedor é esse!?” Gritou.
Quase que instantaneamente após gritar, seu rosto ficou branco. Agora, mentalmente descansado, percebeu finalmente que não tomava banho há dois dias, não havia trocado de roupa uma única vez e que nunca teve a oportunidade de lavar sua capa que já foi envolvida por grama, água, orvalho, poeira e sangue. Acumulando e fermentando.
Ele se olhou. Estendendo os braços e depois as pernas.
Antigamente, o máximo que costumava fazer era esquecer de tomar banho e passar a noite inteira jogando. Mas isso estando sentado em uma cadeira, em um cômodo relativamente limpo.
Ele puxou a gola da camisa e sentiu o cheiro.
“Não tá bom, mas também não tá ruim. Vou dar um jeito nisso hoje, mas por enquanto essa roupa serve.”
Após pentear os cabelos com os dedos, e sem ter certeza de que estava apresentável - provavelmente não estava - ele abandonou o quarto. Sem ninguém no corredor, caminhou em direção às escadas sem dificuldades, devagar, para se preparar mentalmente. Na sua cabeça, ele estava indo enfrentar sozinho uma das experiências mais excitantes e clichês de isekais. Um lugar lotado de aventureiros comendo e bebendo. No final do corredor, a escada em " L ", que dava acesso ao salão inferior, não lhe dizia muito o que o aguardava ali embaixo, no entanto, agora podia ouvir com mais clareza as diversas conversas que aconteciam.
"Uhh-ahh!" ele respirou fundo novamente e pôs o pé no primeiro degrau.
“AAMA-IIII” Millya surgiu de surpresa, tão silenciosamente que, mesmo com o braço dela já entrelaçado no dele, Amai só percebeu quando ela falou seu nome. Uma fala longa e pausada.
“Puta que pariu!”
Ele teve um daqueles momentos em que parece que sua alma deixa o seu corpo. Ficou paralisado olhando, sem ver, para a intercessão na curva da escada.
Quando sua alma finalmente 'regressou', hesitando, virou o rosto para o lado onde o braço dele tocava algo confortável. Ele engoliu em seco; ela estava...
"Perto… demais"
A diferença de altura entre Amai e Millya, de quase 20 centímetros, não importou muito. Quando ele virou, seu rosto estava próximo ao dela o suficiente para sentir sua respiração, mas ainda distante o suficiente para ver seu rosto iluminado por um grande sorriso. Não, na verdade, um gigante sorriso.
"Bom dia, parceiro!" Millya disse sem parar de sorrir.
"M-Millya?" Amai engoliu em seco novamente, temendo que se engolisse outra vez pudesse rasgar sua garganta. ☫
O salão usado como refeitório mergulhou num silêncio ensurdecedor e todos os presentes ali viraram os seus olhares para o casal na escada tão próximos que pareciam se tornar um só a cada degrau que desciam. Era um casal totalmente antagônico; de um lado, Amai, encurvado e com os lábios apertados, tentava manter o equilíbrio em suas pernas, que, sem entender o motivo, haviam ficado mole e trêmulas. Por outro lado, Millya demonstrava confiança, com a cabeça erguida, o corpo ereto e um sorriso no rosto. Puxava Amai pelo braço para próximo de si, toda vez que ele tentava escapar, enquanto falava alto, mas de forma super natural, sobre os planos que havia pensado naquela noite.
"Se fizermos isso todos os dias, em cerca de oito meses conseguimos nos livrar da algema que nos prende", disse ela.
O plano em questão tratava-se de uma missão de genocídio de roedores e pequenos répteis selvagens, onde a habilidade amaldiçoada de Amai de atrair uma quantidade indefinida de monstros era o principal fator de sucesso.
Amai apenas balançou a cabeça para demonstrar que estava ouvindo, mas agora dividia a atenção entre Millya e uma energia que chegava até ele vinda do salão. Um olhar específico chamou sua atenção, um rosto que exibia um sorriso torto por trás do balcão. O pior ainda estava por vir, afinal, ela era um demônio, não literalmente, mas ela era um demônio.
"Tiveram um boa noite, crianças?" perguntou Callendra, não economizando no tom de voz, deixando claro suas intenções para que todos ali escutassem o que ela tinha a dizer. "Aliás, eu vi o Amai entrar no quarto da mocinha, mas não vi saindo. Caso queiram dividir um quarto, eu, como responsável pelo conforto dos meus clientes, preciso saber se o cômodo da forma que está atualmente cabe duas pessoas."
Ele congelou, fazendo Millya parar também por um instante. Os olhares questionadores, mas ainda indiferentes, daqueles que estavam no salão, mudaram e formaram dois grupos. Os homens demonstravam ódio exclusivo por Amai, e toda aquela energia fez com que ele se sentisse sendo assassinado pelos olhares. As garotas transformaram o olhar de indiferença em desprezo. Apesar de haver várias mulheres de beleza marcante e decotes generosos naquele ambiente, de alguma forma, Millya era invejada por todas. Ela brilhava de forma única e ninguém podia negar o destaque que Millya tinha. Ela era como uma bolinha amarela entre várias bolinhas brancas.
"Pronto, acabaram todas as chances de uma vida tranquila nessa cidade"
Eles chegaram no fim da escada e os olhares continuaram seguindo-os, ninguém tentou disfarçar. Amai já estava incomodado com aquilo.
“Mas mano... Vão para o inferno, bando de arrombados! Por um ano vocês deixaram a Millya sofrer, ninguém quis se aliar a ela, agora vem com esses olhares me julgar, covardes, inúteis”
Ele realmente queria ter coragem para dizer aquilo em voz alta, mas manteve apenas em seu pensamento e, ao invés disso, usou toda a coragem e determinação que possuía para erguer seu corpo. Suas costas ficaram retas como uma flecha, e mesmo a dor que sentiu naquela posição não foi suficiente para fazê-lo recuar. Ele sentia falta de sua capa, pois, cobrindo o rosto, sua atuação seria mais convincente. No entanto, o fedor podre que exalava da peça de roupa o impediu de usá-la e, assim como o cajado, ele a guardou em um dos espaços do inventário.
Ele não tinha ideia do motivo pelo qual Millya estava tão encostada nele, mas naquele segundo em que atravessava o salão, resolveu não se importar com a questão e aproveitou para aumentar ainda mais a desconfiança e especulação dos presentes ali. Nada havia acontecido, ou pelo menos nada do que eles pensavam, mas Amai queria alimentar ainda mais a desconfiança. Atravessar aquele salão foi torturante, mas ele conseguiu.
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Atualizado até capítulo 35
Comments
Leggi
Obrigada! espero que encontre sua resposta.
2023-02-27
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komiLover
Meu Deus, tô me divertindo muito com essa história kkk. Millya será um fardo que amai carregará pro resto da vida. Eu acho
2023-02-27
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komiLover
Coitado dos coelhos
2023-02-27
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