A cidade de Lounerse - Parte 4

Parte 4: 

Amai já estava olhando para o teto de tábuas de madeira há alguns minutos, mas ainda não havia movido um único dedo para sair daquela horrorosa cama.

Amai considerou a cama horrorosa porque mesmo ele, que por centenas de vezes dormiu em sua a cadeira enquanto vivia na Terra, não havia encontrado uma boa posição para dormir naquele lugar. O colchão era feito de palha e nem o fato dele ter colocado as cobertas por cima havia ajudado em nada.

Amanhecia e uma fraca luz do sol iluminava seu quarto. A rua à frente da hospedaria, que podia ser vista pela janela, começava a apresentar os primeiros sinais de movimento. Do cômodo abaixo, onde ficava a recepção e a cantina, era possível ouvir murmurinhos dos outros hóspedes do local, mesmo assim ele retardava ao máximo a hora de sair daquela honrosa cama. Horrível a ponto de ele querer reclamar com a estalajadeira. Mesmo que não tenha conseguido dormir direito, Amai não havia desperdiçado esse tempo procrastinando, pensava sobre o que dizer a Millya. Na noite anterior ela havia o bombardeado de perguntas e ele desconversou todas dizendo que não podia contar ou que não sabia, porém, ele pressentia que logo mais era refaria essas perguntas. Dizer que era de outro mundo estava fora de cogitação, em 95% das histórias que ele leu, falar isso causava problemas, a menos que a outra pessoa fosse alguém muito, muito próximo.

Eles haviam chegado tarde na pousada, próximo da meia-noite, mas, antes de tentar dormir, ele decidiu verificar seus pontos de atributo. Ficou cerca de 45 minutos analisando os dados, os pontos e, no fim, decidiu distribuir 4 pontos em inteligência e 1 em constituição a cada 5 pontos obtidos. A mesma distribuição utilizada em seu sacerdote em Imperfect World. A Map, que estava sumida desde a floresta, ativou quando ele pensou nisso e sugeriu automatizar essa distribuição. Ao confirmar a habilidade, o avisou de uma suspensão temporária.

“O que será que aconteceu com a Map”

Ele rolava na cama, sentia que a qualquer momento podia cair no sono.

TOC-TOC-TOC!!!

"Vamos Amai! Quem quer ganhar a vida tem que acordar cedo!”

Uma combinação de porradas na porta e gritos da Millya fez ele saltar da cama e ficar em pé, rápido demais. Sua visão se escureceu e ele se sentou na cama devido à queda de sua pressão, um gosto de vômito subiu por sua garganta fazendo ele cobrir a boca com a mão.

“Droga de mundo me permite soltar raios pelas mãos, mas não me dá resistência a queda de pressão”

Ele ficou ali, com a cabeça baixa por um momento e, quando sentiu que conseguia, caminhou devagar e cambaleante até a porta. Estava todo desleixado, descalço e utilizava somente a calça.

Ao abrir a porta e pôr a cabeça para fora, Millya, que estava escorada ao lado da porta, o encarou. Ela utilizava roupas totalmente diferentes: uma blusa branca, um short marrom e meias verdes longas, utilizava um cinto de couro com detalhes metálicos e, além disso, ela usava uma capa verde que cobria seus braços, mas não chegava a proteger todo seu corpo. Quando ela se mexeu, a capa foi para trás de suas costas e Amai conseguiu ver as partes metálicas que protegia o ombro e o antebraço da garota. Pela primeira vez Amai conseguiu conferir claramente a cor de seus olhos, eram verdes esmeraldas.

"Tão linda!”. Ele sussurrou. "O que você falou?”

Amai sacudiu a cabeça, tentando acordar de uma vez. Ele estava desorientado.

"Não, nada... O que você disse antes?"

"Temos que ir logo para a guilda, nesse nosso ramo, quanto mais cedo irmos pegar os trabalhos, melhor."

Millya se afastou da parede e foi entrando no quarto dele. Mesmo com ela passando em sua frente, era como se ele nem estivesse percebendo, mas ficou de lado, abrindo espaço para que ela entrasse.

"Vamos, se arruma logo! Tenho que pegar minhas adagas que eles confiscaram e torcer para ter uma missão de rank D. Normalmente eu pegaria de rank C, mas faz um ano que eu não saio desse lugar, mesmo com alguém de suporte prefiro não arriscar."

Amai, que estava voltando para si, ficou confuso.

"Ei! Quando você entrou no meu quarto?"

Millya, que no início pareceu estar só revirando os cobertores, os dobrou com um movimento rápido. Ao avistar a capa de Amai no chão, ela pegou e a cheirou.

"Eca! E precisamos passar no lago. Você precisa de um banho e isso aqui está fedendo."

Ele entrou em seu quarto, calçou a bota e vestiu a camiseta e a capa. Millya o esperou, sentada na extremidade da cama ao lado dos cobertores que havia dobrado.

...☫...

 "Não vamos para a guilda?"

Quando chegaram à fonte e Millya começou a tomar um caminho diferente do da noite anterior, fazendo Amai mudar a direção para onde estava indo.

"Temos que ir ao quartel da guarda. Minhas adagas estão confiscadas lá e preciso que você assine o contrato de grupo para poder deixar a cidade", explicou Millya.

Eles caminharam em silêncio até que Millya apontou para uma construção. A fachada de pedra, enegrecida pelo tempo, dava um aspecto sombrio ao edifício. As janelas eram estreitas e estavam protegidas por grades grossas, que impediam qualquer tipo de invasão. A porta de madeira maciça, que parecia ter séculos de existência, rangeu ao ser aberta por um guarda quando eles chegaram. Amai notou que, apesar do aspecto sinistro, havia um ar de ordem e disciplina dentro do prédio. Os guardas caminhavam com passos firmes e uniformes, e as armas eram mantidas em locais estratégicos.

Eles caminharam pelos corredores, pela janela eles conseguiam ver o pátio de treinamento. Era como um campo de terra batida, com algumas divisões no chão pintadas de alguma maneira com um tom branco. O centro daquela arena estava vazio, mas em volta, abrigados em algumas sombras, havia soldados sem armadura polindo as espadas.

Millya parou em frente a uma porta apontando e então entraram.

"Olá, Lis! Como está?" Disse Millya ao ver a oficial que estava sentada à mesa carimbando papéis.

"O que faz aqui, Millya? Você deve ficar lá na fonte. Na fonte até a gente chamar", respondeu Lis sem nem mesmo olhar para a ladina.

"É? Mas hoje eu vou sair, por isso preciso de minhas adagas. Pode ir pegar"

"Não! Muito engraçada. Você sabe que para sair...", Lis interrompeu a fala e parou de carimbar ao notar a presença de Amai. "Quem é ele?"

"Esse é Amai, meu companheiro. Ele também é aventureiro e a partir de hoje voltarei a cumprir missões com ele. Por isso preciso de minha arma", Millya. Sorriu "Está lá dentro com o Nordon, né? Vou lá pegar. Enquanto isso vão resolvendo os papéis da formação de grupo", completou Millya antes de desaparecer pela porta.

Quando Millya saiu a guarda, Lis fixou o olhar para Amai. Ela era alguém com uma beleza simples, olhos e cabelos castanho e pele clara. A armadura leve que ela usava enquanto mexia com uma papelada dava todo um charme de “Guerreira esperta” para ela.   "Não conheço você, novo na cidade?", perguntou Lis a Amai.

 "Digamos que cheguei ontem"

 "É já confia na Millya a esse ponto?"

 "A esse ponto? Formar um grupo com ela?", respondeu Amai, sem entender.

"Você parece nem saber do que se trata esse contrato?", disse Lis, com um tom de reprovação.

"Talvez eu só saiba por cima do que se trata"

"Meu Deus. Certo. Devo lhe explicar então... Esse contrato é mais que uma simples formação de grupo. Millya não pode sair da cidade porque cometeu crimes e sua corrente mágica está trancada aqui até que ela quite suas dívidas e todos as queixas sejam finalizadas. Ao fazer esse contrato de grupo, ela passaria ter autorização de sair da cidade porque adicionaria você a essa 'Tranca'. É como se o comprimento da corrente aumentasse. Mas, no caso, você também seria um 'criminoso', mesmo que somente por assumir a responsabilidade. Os crimes dela seria seus. Entende?" explicou Lis e olhou para Amai como se esperasse uma resposta.

"Ela não me explicou isso"

"Mas é claro que não... coitada. Ela está presa entre esses muros a mais de um ano. Consigo imaginar o desespero de um aventureiro que não pode sair. Infelizmente não é nada que a gente da guarda consiga interferir. Essa é a lei desse mundo."

Por mais que ele estivesse receoso de criar suspeitas devido a seu pouco conhecimento, havia muitas dúvidas que ele precisava tirar. Então arriscou.

"Mas ontem eu a ouvi falando em fugir daqui. Por que ela não fez isso? O que acontece caso ela fuja?" Perguntou Amai, curioso.

"Claro que é uma possibilidade. Mas o mundo é cruel... Primeiramente, ela nunca mais conseguiria equipar uma arma, e você entende que equipar e segurar são coisas diferentes, né? Além disso, ela ficaria sem magia e seria considerada criminosa em qualquer lugar que fosse.

Amai mostrou um rosto perplexo, o que fez Liz pensar que ele estava apenas surpreso. Mas a verdade é que ele não entendia como alguém pudesse simplesmente perder a capacidade de equipar uma arma ou de perder sua magia.

“Ela simplesmente não poderia viver” Comentou Amai, fingindo ter compreendido.

“... Coisas do mundo.” Finalizou Lis, sacudindo a cabeça.

Millya, que estava atrás do batente da porta, ouviu tudo. Seus olhos se encheram de lágrimas. Ela não havia percebido, mas Amai já havia notado ela escondida ali. Ontem ele havia pensado o porquê de ninguém querer acompanhá-la para fora, já que ela claramente era alguém conhecida daquela cidade. Naquele momento, com o pouco que ele sabia sobre a ligação que a magia desse mundo tem com tudo e todos, entendeu o motivo.

Amai colocou as duas mãos sobre a mesa.

"Ela parece gostar de vocês guardas e vocês parecem gostar dela.”

A oficial lis sorriu e pegou novamente o carimbo na mão.

“Ela é meio doida, mas é alegre e gentil. Eu mesma não concordo com a pena, e se pudesse ajudar, eu ajudaria. Mas não há nada que posso fazer sobre a punição, e o salário de um guarda como eu, não é dos melhores. Porém, tenho certeza de que ela dará um jeito. Ela tem apenas 19 anos, mas já é bastante responsável.”

Amai retribuiu o sorriso que a guarda exibia e olhou para a silhueta escondida atrás do batente da porta.

“Então, onde eu assino? Quero ajudar a dar uma chance para Millya.”

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Comments

Jozse Da Shilva

Jozse Da Shilva

Como assim tartarugas não são perigosas?

2023-03-14

0

Finho

Finho

E a verdade é revelada. Espero que a Millya ou entenda, ou ria da cara dele.

2023-02-08

1

Finho

Finho

Profundo.

2023-02-08

1

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