NAO SOU UMA INDECENTE

 Quando sr Otto chega eu vou recebe-lo como sempre.

Só que a minha consciência lateja quando o infeliz causador das minhas tormentas aparece .

Vestindo apenas calças justas até o meio da perna, pois está sem botas e uma camisa sem botões que traz um laço desfeito na frente.

O seu peito está exposto e mesmo na penumbra do início da noite, não dá para evitar olhar.

Ele fez de propósito.

Sr Otto percebe meu desconforto diante da quase nudez do filho, pois os homens geralmente são respeitosos no vestir quando há uma mulher em casa.

Mais não ele, não Sebastian. Ele sabe que me provoca, principalmente depois de hoje. Ainda sinto o toque das mãos dele, alisando as minhas coxas desnudas.

- Não tem algo mais decente para vestir filho?

- Estou com calor hoje pai. Pensei até em ir tomar um banho no lago, mais presumo que a essas horas seja o momento do banho das escravas.

 Ele está certo. Na fazenda ainda há escravos, mais sr Otto é adepto ao abolicionismo. Então ele paga salário, ainda que incompatível com o dos serviçais livres, a seus escravos. Pois, a mão de obra deles é essencial para a produção do café.

E de tardezinha é o horário do banho das mulheres, posto que os homens se banham um pouco mais tarde, quando chegam todos dos campos.

- Eu sei bem o que você quer, e não é tomar banho apenas com as escravas.

  Frederico o servo pessoal dele, traz toalhas nas mãos e para próximo do senhor.

- O sr me toma como um depravado, pai... o que minha madrasta vai pensar de mim?

 O olhar indecente varre meu corpo imóvel de cima abaixo.

Como já tomei banho, e não sairei de casa, estou com menos roupas. Optei por aquele meu vestido grosso, que apesar de largo realça as minhas curvas, e Sebastian, parece que vê através dele, me deixando corada, só em perceber o seu olhar sobre mim.

 - Eu te conheço, e quero que ela te conheça também.

 Ele ri discretamente.

 -Ela já conhece. – fala baixo mais com altura suficiente para ouvirmos. Eu o chutaria no meio das pernas se pudesse por este comentário.

- O que quer dizer com isto Sebastian?

 O pai se vira para o filho e lança-me um olhar interrogativo também.

Não temos votos de fidelidade reais, mais o casamento é um sacramento sagrado. E traição é sacrilégio.

Será que me julga capaz de tal ato?

 Antes ele tomava suas amantes mais agora é diferente. Adelaide é de família, e são casados legalmente.

 O olhar do pai se torna raivoso, e o sorriso de Sebastian some também.

É um momento de extrema tensão.

- Foi só uma brincadeira pai.

 Solto o ar que havia prendido em meus pulmões. Tenho um acordo com sr Otto, e me envolver com seu filho não entra nele. Mais não posso ver minha honra ser colocada a prova desta forma. De certo que,o jovem Montanese mexe com o juízo de qualquer mulher. Mais eu manterei a minha compustura a todo custo.

- Espero que sim , filho. Não estamos mais em disputa. Empenhei minha palavra com a mãe de Adelaide. E não quero em hipótese algum ve-la desonrada dentro de minha própria casa.

 O pai diz em tom firme, deixando claro que sabe o que se passa na cabeça do filho.

- Fique tranquilo, não tem intenções indevidas para com sua esposa.

 Eles falam como se eu não estivesse ali. Não gostei da colocação. Quero que apesar da minha pouca experiência e da perversão de Sebastian, ele confie em mim.

Chego perto deles e olho nos olhos do sr Otto.

 -Por que o sr não pergunta isso diretamente a mim, sr? Acha mesmo que sou tão tola para ceder aos encantos do seu filho irresistível? Eu sei o meu lugar e tenho honra a palavra que empenhamos diante do capelão que celou esta união. E sim,. O seu filho irresistível me tocou. Mais não foi nada mais além de um toque e nunca vai passar disso. Não se depender de mim.

 Vejo Sebastian coçar a testa. Não imaginou que eu fosse capaz de mencionar aquilo ao pai. Mas naquele momento era o correto a se fazer, já que meu casamento é um acordo, mais precisa manter as aparências.

Sr Otto franze o cenho e Sebastian arqueia as suas,ligeiramente.

 -Com licença, estou com dor de cabeça e vou me recolher aos meus aposentos, marido. Me permite?

- Claro que sim.Mais tarde conversaremos sobre este... assunto.

 Antes de sair fixo os olhos em Sebastian, para deixar claro que ele não vai me desmoralizar como sei que tem feito com toda mulher por quem o pai se interessa. Aquilo entre nós, nunca mais vamo acontecer. Nem que para isto eu tenha que fechar os olhos para não ter que ver a figura atraente e sedutora do meu enteado.Ou faça senhor Otto prende-lo no moinho.

 Chego em meus aposentos, nervosa. É uma situação delicada. Mas preciso aprender a conter os meus impulsos. De certo que tenho sonhado sensualmente com Sebastian quase todos os dias. E o que aconteceu hoje persegue a minha virtude mental também. Mas ainda tenho muitos meses pela frente dividindo a casa com estes dois.

Sr. Otto é respeitoso e trata-me como a uma filha. E não me toca sem que eu tome a iniciativa, parece determinado a cumprir o que prometeu a minha mãe.  E eu consegui manter a compostura, até hoje pelo menos, Pois aquele abraço que dividi quase com Sebastian ainda come as minhas entranhas e despertou-me um desejo adormecido pelo sexo oposto, que até então eu nunca havia experimentado.

Não sei o que acontece dentro de mim, mais fervilha.

 Preciso colocar as minhas preces em dia. E o meu juízo em ordem.E resistir àquela tentação ambulante.

Se eu pudesse faria sr Otto manda-lo embora, mais segundo soube o rapaz não pode por o pé na cidade sem supervisão. E acho que é só por isso que ainda o mantem ali.

 Nunca fui muito religiosa , apesar de regularmente ir a igreja com os meus pais. Uma cristã domingueira. Como os bons burgueses devem ser. Porem, ultimamente, quando perdemos o prestígio em Valedouro, deixamos de ir, regularmente. Pois, meu pai não queria expor-nos a olhares condenativos, desnecessariamente. Mais sempre mantive a minha fé, e acredito nos mandamentos santos embora neste atual momento esteja a violar vários deles. Vivemos uma era extremamente cristã. Aonde o clero, anda em acordo com o Império. Estou a mentir, enganando e agora desejo secretamente um homem que não é meu. Aliás que não é de ninguém, e de todas em simultâneo: Um libertino.

E se for descoberta e denunciada a igreja o imperador não se oporá a minha punição pública ou a de qualquer outra mulher que ouse sair da linha ,desonrando um homem.

Somos o elo fraco da sociedade.

Descartáveis e substituíveis.

Por isso jamais permitirei este rapaz deixar-me desmoralizada, e é também isto que sr Otto teme.

 Naquela noite eu o vi sair a cavalo. Sozinho pela escuridão a dentro. Vi por que estava em minha varanda, tentando colocar a cabeça no lugar.

Tambem não falei mais sobre o assunto com sr Otto. Ele também sabe que errou em me colocar em dúvida naquele momento, pois acho que já me conhece o suficiente para saber que não sei mentir. E pretendia lhe contar o que houve, não daquela forma, mais eu ia lhe contar.

Agora está pairando uma situação estranha entre nós.

***

 De manhã saio para o café e o distinto sr me aguardava a mesa.

 Puxou-me a cadeira e me abriu um largo sorriso. Quer me mostrar que está tudo bem, e que ele acredita em mim.

- Dormiu bem esposa?

- Sim,e o sr.?

- Muito bem. Apesar de ter sentido sua falta no jantar.

 -Estava indisposta. Desculpe-me.

- Entendo. –Ele justa põe os cotovelos sobre a mesa e me olha por baixo. Sebastian não está lá apenas Benedict, indiferente como sempre. Aquilo também já começa a me irritar. Sr Otto se esforça tanto para manter os negócios andando e os filhos , pouco se importam com ele, ou com qualquer coisa além de se mesmos e de seus prazeres pessoais.

- Não vai sair hoje?

- Vamos!

- Vamos ?

 - Sim prometi a você a sua dama- olho para Ciri com um discreto sorriso , e eu noto que ela está a analisar o irmão mais novo, espero que não tenha se deixado levar por seus encantos também.- Que lhe daria vestidos novos, então hoje nós vamos a modista da cidade e eu quero que você encomende os mais bonitos e caros vestidos.

Quero vê-la linda .

Todos os dias a desfilar sua beleza e graça por estes corredores. 

 - E por que sr?

- Hora, por que é a senhora desta casa, por que posso lhe proporcionar isto e... por que para que tanto dinheiro se não posso vê-lo ser gasto com quem de fato o merece?

 Beni, nos olhou por baixo , acho que já detectou algo estranho ali.

- Se meu senhor assim deseja...

Terminamos nosso café e a carruagem que nos levaria a cidade , já nos aguardava.

***

Ciri está encantada.

A capital do Rio de Janeiro é mesmo muito bonita. Quando chegamos , não pudemos aproveitar tanto a sua beleza devido ao cansaço da viagem, mais hoje, a nossa volta pelas modistas, pudemos apreciar as belezas que um lugar de tanto prestígio tem.

 As lindas praças, as pessoas bem arrumadas em suas elegantes carruagens e a beleza cultural e histórica que já se mostra desde já.

 A fina elite burguesa de nosso pais.A mistura de povos e culturas com o triste descaso aos povos considerados inferiores.

Brancos e europeus,são a nata , pardos negros e indígenas a estirpe inferior e usável.

Sr Otto apresentou-me a alguns nobres e comerciantes do seu convívio e em todos via a brilho de admiração ao olhar-me, por minha beleza jovial e graça. A inveja estampada em muitos olhares e o desejo de cobiça em outros.

Quem não quer uma esposa tão linda e jovem ?

 Almoçamos num restaurante famoso da cidade e depois um passeio a pé em frente ao palácio Imperial. A casa do imperador do Brasil, mas que, por não sermos nobres não temos acesso livre. Por isso sr Otto quer tanto um título de nobreza.

Já está a negociar um. O de barão do café. Ou barão de Montanese. 

Em 1880 é muito comum a compra de títulos, mais é claro, precisa da autorização do imperador para isto, e, é só que falta. Pois quando ainda era solteiro estava mais longínqua esta possibilidade. Mas agora casado, as portas se abrem ao meu tio-primo-marido.

Nossa família será importante e eu serei, baronesa?

 Não eram meus planos quando aceitei aquele acordo, mais vejo minha vida tomando um novo rumo desde que cheguei a Moinho Doce.

 A única coisa triste que vi em nosso passeio foi a forma como alguns senhores insistem em tratar seus escravos, é degradante a forma como um ser humano, pode ver outro.

 Em fim, o objetivo era compras, então sim fizemos muitas. Ele não economizou esforços nem libras em me cobrir de luxo, e de presentes caríssimos, mesmo eu insistindo que não queria, sr Otto parece que tem um objetivo. Não sei o que ele e Sebastian conversaram depois que saí, mais aquela mudança brusca se deve ao teor daquela conversa, suponho.

 E ao voltarmos para casa, cheios de tantas coisas ,eu vi que sim, ele tinha um objetivo, pois o olhar desconfiado de Beni, nos acompanhou em cada movimento enquanto os criados levavam minhas compras aos meus aposentos, e vi quando foi procurar o irmão para contar o que estava acontecendo.

Principalmente quando viu o rico colar de pedras que exibia em meu fino pescoço.

 Dali por diante, sr Otto não parou mais de comprar-me presentes. Sempre que saia de casa, voltava com algo. Um dia trouxe-me um puro sangue inglês, quando viu meu interesse por cavalos de raça.

Os irmãos já sentem que algo está acontecendo, pois mesmo em todo o seu amor por sua mãe, ela nunca foi coberta com tantos mimos.

Entrei no jogo, pois ao indaga-lo sobre o que aquilo tudo significava ele apenas me sorriu e disse :

-Aproveite sua nova vida minha querida e mate meus filhos de inveja.

Sim era este seu objetivo. Despertar a raiva dos filhos com o esbanjar de tantas libras com a nova madrasta , jovem e para eles, interesseira.Não gosto da idéia errônea que eles estão tendo de mim, mas se este é o plano... vamos lá.

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