capítulo 06

YANA KIMI

Quando acordei Lili estava aconchegada em meus braços, ela gostava mesmo daquela posição e eu não tinha do que reclamar. Com tudo o que aconteceu ontem ela não iria querer acordar agora. Lívia odiava acordar cedo e ficava muito brava quando alguém a acordava. Saí bem devagar da cama e desci as escadas em direção a cozinha. Abri a geladeira e peguei uma garrafa de água.

- Acordada tão cedo? - A mãe de Lili estava sentada.

- Bom dia senhora Lena. Você me deu um susto. - Falei levando a mão ao peito.

- Susto levei eu de ver uma jovem acordando nesse horário. - Brincou.

- Não importa a hora que eu durma eu sempre acordo cedo. -Expliquei.

- Que sorte. Eu queria ter essa facilidade. Venha, senta aqui comigo. Vamos tomar um belo café da manhã.

- Já que insiste eu vou aceitar. - Sentei na mesa ao lado de Lena e ela me serviu algumas torradas com geleia.

- Café ou suco?

- Suco, por favor.

- Como está seu pai? Fiquei sabendo que ele viajou.

- Sim, ele teve que resolver umas coisas fora do país, mas já volta amanhã.

- Que maravilha. Vamos combinar um jantar qualquer dia desses. Faz tempo que não converso com o Roberto.

- Tenho certeza que ele vai adorar. Quase não sai com os amigos e trabalha demais.

- Não é pra menos Kimi, deve ser muito difícil administrar uma empresa tão grande.

- Isso é verdade, mas eu logo vou me formar e vou ajudar nos negócios da família.

- Que novidade boa. O tempo passou tão rápido. Lembro que um dia desses você e Lívia estavam aqui nessa mesa estudando para o vestibular e agora já vão se formar.

- Eu estou muito feliz e o meu pai está nas nuvens. Ele quer dar uma festa na minha formatura.

- O seu pai quer comemorar as suas conquistas. Ele tem muito orgulho de você Kimi e não é pra menos, você se tornou uma mulher muito responsável.

- Obrigada Senhora Lena.

- Posso te pedir um favor?

- Claro, qual o favor?

- Nunca deixe de ser amiga da minha filha. Ela gosta muito de você e eu fico feliz que a Lívia tenha uma amiga tão boa como você.

- Eu nunca vou deixar de ser amiga da Lívia, ela é muito importante pra mim. Faço qualquer coisa por ela.

- Eu sei, por isso confio em você. - Suas palavras me deixaram muito feliz. Conversamos mais um pouco até que Lena foi para o trabalho.

Como Lili não iria acordar agora, aproveitei para escrever mais um pouco do meu TCC. Dentro de três meses eu iria me formar e estava correndo contra o tempo para terminar esse trabalho. O meu orientador me deu um mês para finalizar minha pesquisa. Eu precisava me focar ao máximo.

LÍVIA DUARTE

Já estava enrolando na cama a uns 10 minutos. Apesar de já ser uma hora da tarde eu ainda estava com sono. Me arrastei para fora da cama e segui até o banheiro. Escovei meus dentes e lavei meu rosto. Desci as escadas e o aroma de comida boa estava em todo lugar.

- Desse jeito vou ficar mal acostumada. - Falei ao me aproximar de Kimi que estava cozinhando entretida.

- Dormiu bem? - Perguntou.

- Sim, eu estava precisando dormir até mais tarde. Você ja está acordada a muito tempo?

- Desde as 7 da manhã. - Kimi mexeu em uma panela no fogão.

- Minha nossa, então você não dormiu nada. Porque não me acordou?

- E enfrentar seu mal humor? Não, muito obrigada. - Falou sorrindo.

- Verdade. Você me conhece mesmo.

- Como a palma da minha mão.

- Tá fazendo o que?

- Strogonoff de carne, arroz e salada.

- Uau, que delícia. Eu estou pra desmaiar de fome.

- Já vai ficar pronto. Você pode ir arrumando a mesa?

- Com certeza. - Peguei dois pratos e talheres e coloquei na mesa. Observei que o computador de Kimi estava aberto em um texto.

- Posso ler? - Falei apontando para o computador.

- Pode, mas é só um rascunho.

- Melhor ainda. - Sentei na mesa e li o texto de Kimi. Depois de alguns minutos minha amiga colocou as panelas na mesa e se sentou ao meu lado.

- O que você achou? - Perguntou curiosa.

- Muito bom. Sua escrita é interessante.

- O que quer dizer com interessante?

- Do tipo que prende o leitor. Não sabia que pensava desse jeito.

- Eu acredito que administrações de empresas podem ser ecologicamente corretas. Além de economizar recursos, salva o planeta.

- Isso é muito inovador Kimi.

- Quero implementar essa ideia na empresa da minha família.

- Tenho certeza que vai conseguir. Você sempre consegue. - Falei tocando em sua mão.

- Obrigada Lili. Vamos comer antes que a comida esfrie.

- Não precisa falar duas vezes. Comer é comigo mesma. - Ela gargalhou e eu também.

YANA KIMI

Durante a tarde Lili inventou de fazer umas mudanças no seu quarto. Afastamos a cama e enrolamos o tapete para abrir espaço.

- Tem certeza que você não quer contratar alguém pra pintar essa parede? - Perguntei.

- Pra quê vou contratar alguém se posso abusar da minha melhor amiga pra fazer isso pra mim?

- Ei, assim me sinto explorada.- Brinquei empurrando seu ombro de leve.

- Nada disso, eu te dou alimentação, lugar pra dormir, minha companhia maravilhosa e ainda vou ser sua ajudante. Isso não é exploração. - Falou séria, mas sabia que estava brincando.

- E o meu pagamento? - Falei enquanto abria o balde de tinta branca.

- Vou te levar pra tomar sorvete.

- Agora estamos fazendo um bom negócio. - Lili riu e começou a mexer a tinta enquanto eu cobria o chão para que ele não ficasse todo sujo na hora que estivéssemos pintando. Também passei fita ao redor da parede para que as laterais ficassem retas e bonitas.

- Você acha que temos que colocar água dentro da tinta? Ela parece muito grossa.

- Sim, temos que diluir a tinta. - Falei e fui até o banheiro pegar um pouco de água. Coloquei dentro da lata de tinta e Lili continuou mexendo.

- Eu queria fazer um desenho de uma Rosa bem aqui nesse canto. - Lili falou ao apontar para a parte superior direita da parede.

- Podemos fazer se você tiver corantes.

- Acho que tenho, vou ver no porão. - Lili saiu e eu comecei a aplicar a tinta branca cobrindo a cor rosa que estava por baixo.

- Aqui...achei. Tem vermelho, preto, amarelo, azul e verde. Qual você vai usar? - Lili me mostrou os corantes.

- Depende. Pesquisa uma imagem na internet aí decidimos as cores que vamos usar. - Falei e continuei pintando.

Até que não foi tão difícil aplicar a primeira demão. Sentei ao lado de Lili no chão. Ela estava concentrada pesquisando no celular.

- Achou alguma coisa? - Perguntei.

- Achei, mas ainda não tenho certeza. - Me mostrou a foto de uma Rosa azul e uma Rosa vermelha.

- As duas são rosas, você só precisa escolher qual vai querer?

- Não é tão simples. - Falou séria e eu ri.

- Porque está rindo?

- Não sei, talvez porque pra mim pareça uma decisão simples.

- Não é simples. Todo dia quando acordar vou olhar pra essa flor. Tem que ser a cor certa porque se eu não gostar o meu dia já vai começar ruim.

- Nossa, não tinha pensado por esse lado. Vamos fazer assim, se sua cor preferida é vermelha talvez você devesse escolher a rosa vermelha.

- Mas a sua cor preferida é azul e se eu escolher a rosa azul vou lembrar de você. - Fiquei toda boba com a sua lógica.

- Então vamos escolher a azul? - Perguntei.

- Acho que sim... vai ser a azul mesmo. - Falou sorrindo e aliviada por ter tomando essa decisão. Eu me segurei para não rir novamente.

- Vou continuar pintando. Ainda quero ganhar meu sorvete. - Lili riu e começou a me ajudar.

No final da tarde a parede já estava pronta e a rosa que desenhei acabou sendo uma mistura de vários tons de azuis. Lívia estava terminando de arrumar sua cama e eu estava lavando os pincéis. Quando voltei para o quarto encontrei minha amiga sentada no chão. Ela estava suada, sua roupa estava toda suja de tinta e seu cabelo preso em um coque frouxo e bagunçado. Era a visão do paraíso. Me aproximei e sentei ao seu lado.

- Você gostou da flor? - Perguntei.

- Ficou perfeita Kimi. Tenho certeza que quando eu olhar para essa flor os meus dias vão ser mais felizes. - Sua voz estava um pouco chorosa. Ela estava triste e eu já imaginava seus motivos. A visita do seu pai.

- Você quer conversar? - Lili olhou nos meus olhos entendendo o que estava por trás da minha pergunta

- Não quero falar sobre isso agora. - Depois se colocou em pé. - Vamos nos arrumar. Afinal, eu estou te devendo um sorvete.

- Tá bom. Vou me arrumar no banheiro lá de baixo. - Peguei minha mochila e desci as escadas.

Me olhei no espelho e eu estava toda suja de tinta. A pior parte era o meu cabelo. Enquanto eu estava desenhando a rosa Lili pintou meu rosto e eu, é claro, não deixei barato. Passei o pincel na testa dela, mas esse foi o meu erro. Lili colocou a mão na tinta e passou no meu cabelo. Ela não sabia perder. Lívia riu horrores e eu acabei rindo também.

"Essa mulher ainda vai me deixar louca" pensei ao lembrar da nossa tarde. Demorei um pouco no banho porque não foi nada fácil lavar meu cabelo. Peguei a roupa que deixei na pia e vesti. Saí do banheiro praticamente pronta. Só precisava finalizar meu cabelo e fazer uma maquiagem decente.

LÍVIA DUARTE

Como prometido comprei um sorvete para Kimi e depois sentamos em um banco que nos dava a paisagem de um lago. Ela estava toda feliz com seu sorvete e começou a me contar sobre o seu trabalho na empresa.

- Daí o Júlio entrou no elevador e disse que era melhor do que eu pra assumir a vice-presidência... - Ela contava sobre o seu primo, mas eu não conseguia me focar totalmente. O que será que meu pai pretendia com essa aparição repentina. Nesses 10 anos ele nunca me procurou. O que mudou?

- O que você acha que meu pai quer comigo? - Perguntei e Kimi me olhou surpresa.

- Talvez ele esteja arrependido.

- Impossível, ele é muito egoísta pra isso.

- O que você tá sentindo? - Aquela pergunta me pegou de surpresa. Kimi colocou seu braço apoiado no banco atrás de mim e eu deitei a cabeça em seu ombro.

- Estou com raiva. Que direito ele acha que tem de me procurar depois de tantos anos? Eu não quero falar com ele, não quero ouvir suas desculpas e não quero desculpá-lo. - Kimi limpou o meu rosto que estava molhado e eu nem percebi que estava chorando. Ela não falou nada apenas me escutou. - Estou com medo, e se ele for embora de novo?

- Lili, você é muito forte, sei que vai conseguir resolver isso e eu estou aqui com você para o que precisar. Seu pai não merece suas desculpas, mas você não acha que vai se arrepender se não conversar com ele. Quero dizer, você não está curiosa pra saber o que ele quer te falar?

Sim eu estava curiosa.

- Se ele me procurar de novo vou perguntar o que ele quer, mas se ele de alguma forma me magoar eu não vou lhe dar uma terceira chance.

- Você tem toda razão. - Kimi levantou do banco e pegou um pedra e tacou no lago.

Minha amiga era alta e forte. Sua pele branca contrastava com seus olhos escuros. Seu cabelo era arrolado e loiro escuro. Ela era linda, tinha uma imponência incrível. Kimi nunca era agressiva. Seu lema era ser pacífica, principalmente comigo. Mas eu sabia que quando ela dizia que eu tinha toda razão estava evitando de me falar o que realmente pensava.

- Kimi, me fala a sua opinião. O que você faria se fosse com você? - Me levantei e fiquei ao seu lado. Ela olhou para o lago, como se estivesse analisando o que falar. Essa era mais uma das características de kimi, ela raramente falava sem pensar.

- Eu sei que não é a mesma coisa, mas se eu pudesse me aproximar da minha mãe, ou até mesmo saber quem ela é, eu não pensaria duas vezes. Sei que o seu pai foi um idiota, machista e traidor, mas pelo menos tenta escutar o que ele tem a te dizer. Se você julgar que ele não mudou, então nada vai ser diferente do que já é, mas se ele tiver mudado vocês podem ter uma nova chance de se entender. Não estou dizendo pra você aceitar o que ele fez, só estou dizendo pra você tentar olhar para o futuro, talvez ele também esteja sofrendo.

- Falando assim parece que você está do lado dele.

- Lili, eu sempre vou estar do seu lado. Não importa o que você escolha, eu vou te apoiar. Se você estiver feliz eu também vou ficar. - Kimi se aproximou e me abraçou.

- Obrigada Kimi, você é a melhor. - A abracei forte esperando que toda a sua calma fosse transmitida pra mim.

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