20 - Camille tem amigas?

Liana ainda sentia o peso das palavras de Daniel reverberando dentro de si. Mas quando Samira se sentou ao seu lado, com aquele jeito leve e envolvente, foi como um sopro de ar fresco em meio ao turbilhão.

Depois de ouvir tudo que Rodolfo lhe contara sobre Camille — as dores, as perdas, as humilhações —, Liana sentia o coração apertado. Mas, ao mesmo tempo, um alívio estranho crescia dentro dela. Camille não esteve completamente sozinha.

Minutos depois, a porta se abriu mais uma vez, revelando uma mulher de cabelos lisos presos em um coque elegante e sorriso acolhedor. Ellen. Os olhos castanhos da jovem brilharam ao ver Liana, como se visse um pedaço de Camille ali.

— Desculpem o atraso — disse, entrando com um buquê de flores simples, mas cuidadosamente arranjadas. — Esse hospital é um labirinto.

Samira levantou-se animada, indo abraçar Ellen com entusiasmo.

— Finalmente! Estava a demorar! — brincou, puxando Ellen para perto da cama. — Camille... essa é Ellen, tua prima. Sobrinha de Estevan Montgomery, teu pai...

Ellen sorriu, o olhar doce e cheio de carinho. Aproximou-se com cuidado, como se temesse quebrar a fragilidade do momento.

— Oi, Camille... Sei que deve ser confuso, mas... é tão bom ver você acordada. Você nem imagina o quanto sentíamos sua falta. Não te preocupes... eu sempre te amei. Diferente dos meus tios e da Helena. Você sempre teve meu amor e minha amizade.

Liana piscou algumas vezes, tentando conter as lágrimas que insistiam em se formar.

— Vocês... são próximas de mim? — perguntou, a voz falha, como se estivesse experimentando a ideia pela primeira vez.

— Próximas? — Samira riu, com aquele brilho no olhar que só quem tem memórias preciosas carrega. — Somos irmãs de alma. E cúmplices em várias aventuras malucas.

Ellen sentou-se aos pés da cama, o buquê agora repousando sobre a mesinha ao lado.

— Conheci você depois que meus pais morreram e fui morar com vocês na mansão Montgomery — começou, a voz carregada de nostalgia. — Você me acolheu como se soubesses exatamente o que era perder tudo. E mesmo com o jeito reservado e meio fechado... você foi o meu lar por muito tempo. Nós ríamos juntas escondidas, inventávamos desculpas para escapar dos jantares formais, e você sempre me defendia da Helena.

Ela fez uma pausa, olhando para as mãos que agora brincavam com um fio solto da colcha.

— Mesmo que ninguém soubesse... mesmo que ninguém entendesse, você era luz naquele lugar, Camille. Eu te amava, mesmo quando eles te ignoravam. Talvez... talvez porque eu via a dor nos seus olhos, mesmo quando você fingia estar bem.

Liana sentiu o peito apertar de novo — mas dessa vez, não por dor. Era algo diferente. Uma pontada de ternura, de reconhecimento, Camille...

Mas, antes que a emoção se tornasse choro, Samira bateu palmas de leve e balançou a cabeça, como se quisesse mudar o rumo da conversa.

— Chega! Chega de tanto sentimentalismo! — disse com seu tom alegre e teatral, pondo as mãos na cintura. — Camille, você já está há tempo demais nessa cama pra ter que ouvir drama. Bora lembrar do que interessa!

Ellen soltou uma risada discreta, cobrindo a boca com a mão.

— Ih, lá vem ela…

— Lembra da vez em que fomos na festa da Embaixada e tu tropeçaste no salto e puxaste a cortina inteira com você? — Samira contou com um brilho de travessura nos olhos. — E ainda por cima tentaste se levantar com dignidade, como se fosse parte da performance!

— Ai, meu Deus! — Ellen ria, agora sentada na beira da cama. — Ou aquela vez que você roubou o lugar da pianista só para tocar uma melodia para Artur?

Liana arregalou os olhos.

— Eu fiz isso?

— Fez! — disseram as duas em uníssono.

Samira deu um leve empurrão em Ellen.

— E ela ainda foi expulsa da festa, mas em compensação ganhou a afeição de Artur.

Liana riu. Um riso leve, quase infantil, como se, por um breve instante, ela tivesse sido tomada pela verdadeira Camille. Por dentro, um calor suave crescia. Talvez ela nunca tivesse realmente sido só tristeza. Talvez, por trás da imagem da menina silenciosa e rejeitada, houvesse uma jovem cheia de vida, cheia de histórias. Cheia de amor.

As horas passaram com histórias, gargalhadas e até algumas lágrimas tímidas. No fim do dia, quando Ellen e Samira se despediram com abraços apertados, Liana sentiu um vazio breve — mas um vazio bom, como quem deseja o retorno de algo verdadeiro.

Já era fim de tarde quando ela decidiu visitar o quarto secreto de Camille. Rodolfo a acompanhou discretamente até o andar onde ninguém mais ia. A porta antiga ainda rangia, e o cheiro de flores artificiais se misturava ao do álcool hospitalar. Lá estava ela. Camille. O corpo adormecido, os olhos imóveis, mas vivos em algum lugar além da pele.

Liana se sentou ao lado da cama e pegou a mão de Camille com cuidado.

— Você... você viveu tantas coisas — sussurrou. — Prometo que não vou estragar as memórias que essas pessoas têm de você... Eu viajei tanto, mas não fiz amizades tão leias como as que você tem.

Ela contou tudo que fez, como fez com que Helena e Susan engolissem seu orgulho, como bateu em Helena. E como Artur havia lhe dado mais do que ela merecia — e, mesmo assim, sumira.

— Eu não sei se ele desistiu de você... ou se está apenas cansado de esperar que eu volte a ser você — disse com a voz embargada. — Mas eu prometo... ainda não terminei. É só o começo.

Deu um beijo na testa da irmã e voltou para o próprio quarto.

A noite caiu sem aviso. O hospital mergulhou em um silêncio quase sobrenatural. As luzes frias piscavam nos corredores, e a comida servida foi... horrível. Jantou com Rodolfo mesmo assim — ele tentava fazer piadas sobre a comida, mas Liana estava absorta demais pensando em Artur.

— Ele não voltou. Nem uma mensagem — murmurou, olhando para o relógio.

— Talvez ele precise de tempo, Liana — disse Rodolfo. — Mas também pode estar armando algo. Lembre-se que não deves confiar em ninguém.

Mais tarde, já deitada, Liana tentou fechar os olhos. Mas o cansaço não vinha. O silêncio do quarto era sufocante. E foi então, lá pela madrugada, quando o hospital parecia um mundo à parte, que ela ouviu.

Um leve clique.

A maçaneta da porta se mexeu, sutilmente. Depois, o rangido suave de alguém entrando com extremo cuidado.

Liana pensou em se levantar, mas o corpo não respondeu de imediato. Estava em um estado entre o sono e a vigília. Então, sentiu o colchão afundar... uma presença se aproximando.

— Artur...? — murmurou, os olhos entreabertos.

Mas o que veio não foi uma resposta. Foi um travesseiro, pressionado com força contra seu rosto.

O pânico foi imediato.

Ela tentou gritar, mas o som morria abafado. As mãos agarraram o lençol, depois o pulso da agressora. Era uma mulher — pelo perfume floral, familiar. As mãos eram pequenas, porém firmes. E havia raiva. Frieza.

Liana se debateu com desespero, as pernas chutando o ar, os braços lutando por espaço. Sentia o ar sumir, o peito queimando.

Ela revirou o corpo, batendo contra a cabeceira da cama, lutando com tudo o que tinha. A dor na testa não a impediu de continuar. Com um movimento brusco, conseguiu virar o rosto e puxar o travesseiro com força.

— SOCORRO! — gritou com tudo que restava de fôlego, e conseguiu alcançar o botão de alarme que fica próximo da cama.

A mulher recuou rapidamente e correu para a porta. Mas a luz do corredor, que invadiu o quarto por um instante, revelou um vulto magro de cabelos soltos — um rosto meio escondido, mas familiar o suficiente para arrepiar a espinha de Liana.

A porta se fechou com estrondo.

O quarto ficou escuro outra vez. Mas Liana ofegava, o peito subindo e descendo em ritmo frenético. Suada, trêmula... viva.

E com mais uma certeza gravada na pele: alguém ainda quer ver Camille morta.

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