A maçaneta girou mais uma vez, mas, dessa vez, não era Rodolfo. Um homem de terno escuro entrou com uma pequena caixa nas mãos e uma expressão neutra no rosto. Daniel, o assistente de Artur, parou ao lado da cama e ofereceu o embrulho.
— Senhora Camille... trouxe isso para a senhora. Chocolate com caramelo. O doce que a senhora pediu.
Liana sorriu, surpresa.
— Obrigada... Então você é o assiste de Artur... onde ele está? Ele não veio?
Daniel respirou fundo, como se tivesse ensaiado a resposta.
— Ele pediu para avisar que teve que voltar para a mansão. Disse que precisava tomar um banho e resolver algumas coisas. Mas fez questão de garantir que o doce chegasse até a senhora.
Ela assentiu lentamente, tentando esconder o incômodo que sentia.
— Ele parecia... estranho? Ele disse que conhecia um lugar perto daqui... Pensei que voltaria— perguntou, desconfiada.
Daniel hesitou por um instante, mas então deixou a caixa sobre o criado-mudo e cruzou os braços, encarando-a com firmeza.
— Posso falar com a senhora como alguém que acompanhou tudo nesses últimos seis meses?
Liana franziu a testa, confusa.
— Claro...
— Sei que a senhora não lembra de nada. Ou pelo menos pode estar fingindo que não. E isso... eu até entendo. O choque, a dor, a confusão. Mas tem uma coisa que me incomoda profundamente — disse ele, com a voz firme, mas não hostil. — O modo como trata o senhor Artur.
Ela apertou os lábios, surpresa com a franqueza.
— Eu não...
— Ele não espera que a senhora o ame — continuou ele, cortando-a com respeito. — Ele só quer... não ser tratado como se fosse um monstro. Desde que a senhora o conheceu sempre faz isso. Ignora ele. O despreza. Como se ele fosse alguém asqueroso. E mesmo assim, ele continuava... ali. Sempre ali.
O silêncio entre os dois se instalou por um momento. Daniel inspirou fundo, sua voz embargada.
— Nos seis meses em que a senhora esteve em coma, eu vi um homem que se perdeu. Que não comia direito, que dormia no chão frio do hospital só para não ficar longe de você... perdão... da senhora. Vi ele se culpar. Vi ele rezar. Vi ele implorar. Ele sofreu mais do que qualquer um.
Liana abaixou o olhar, sentindo o peso daquelas palavras caindo como pedras sobre seu peito.
— Eu não sabia...
— Ele não espera que a senhora o ame — continuou ele, cortando-a com respeito. — Ele só quer... não ser tratado como se fosse um monstro...
O silêncio entre os dois se instalou por um momento. Daniel inspirou fundo, sua voz embargada.
— Nos seis meses em que a senhora esteve em coma, eu vi um homem que se perdeu. Que não comia direito, que dormia no chão frio do hospital só para não ficar longe de você... perdão... da senhora. Vi ele se culpar. Vi ele rezar. Vi ele implorar. Ele sofreu mais do que qualquer um.
Liana abaixou o olhar, sentindo o peso daquelas palavras caindo como pedras sobre seu peito.
— Eu não sabia...
— Não sabia, mas precisa saber. Porque cada vez que a senhora age como um fantasma, como se ele não estivesse ali, como se ele fosse nada... ele se lembra da mãe.
Ela ergueu os olhos, surpresa.
— Da mãe?
— A mãe do senhor Artur viveu como um espectro. Uma mulher boa, que morreu aos poucos por não ter o amor do senhor Victor. Vivia andando pela casa como uma alma penada, tentando ser vista, tentando ser amada... mas nunca foi. E o senhor Artur viu isso. Sentiu isso. E nunca esqueceu.
Daniel deu um passo atrás, a expressão mais suave agora.
— Não é só sobre ele e a senhora. É sobre memórias, traumas... fantasmas que ele tenta esquecer, mas que a senhora revive cada vez que o trata como alguém invisível. Ele só quer ser visto. Só quer saber que está ali por um motivo.
Liana engoliu em seco, profundamente tocada.
— Eu não sabia... de nada disso.
— Pois agora sabe. E a senhora pode continuar com esse plano, seja lá o que estiver escondendo... mas, por favor... não seja mais um fantasma na vida dele.
Ele se virou para sair, mas antes de atravessar a porta, parou e disse por cima do ombro:
— O senhor Artur é um homem que ama em silêncio. E esse silêncio já gritou alto demais. Pare de fingir que não vê o amor dele.
Ela olhou fixamente para a caixinha com os doces, como se eles pudessem responder às perguntas que agora a atormentavam. Por fim, suspirou e murmurou para si, com ironia e um certo incômodo:
"— Camille... o que você andou fazendo pra que me dessem um sermão desses?" — balançou a cabeça enquanto continuou a pensar com um bico nos lábios "— E também... Camille também sofreu muito. E eu não estou dando sermão nenhum pra ele. Daniel idiota..."
Bufou, cruzando os braços como uma criança emburrada, mas por dentro havia um turbilhão. A culpa, a confusão, a dúvida — e agora, a imagem de uma mulher pálida, vagando como um fantasma, oprimida pela ausência de amor. E ela, que nem sabe de nada, e agora sabe o porquê do pesadelo de Artur.
A porta se abriu com leveza, como se o vento da primavera anunciasse uma nova presença. Enquanto se ia embora Daniel deu de cara com uma mulher alta e magra, os cabelos ondulados caindo graciosamente sobre os ombros, os olhos vivos e um sorriso provocador nos lábios pintados de rosa claro... Samira. Esposa de Yafir, o melhor amigo de Artur, e nos últimos dois anos, uma das pessoas mais próximas de Camille.
Ela olhou para Daniel com um brilho travesso no olhar.
— Nossa, que clima tenso, hein? O que é que você fez com a pobre Camille dessa vez, Daniel? Deixou ela arrependida da vida?
Daniel apenas revirou os olhos e deu um pequeno sorriso sem graça, claramente ainda irritado, mas sem vontade de discutir com Samira.
— E bom ver a senhora, senhora Samira. Eu fiz apenas minha parte. Agora preciso ir.
E então ele se foi, fechando a porta atrás de si.
Samira entrou no quarto rindo baixinho e balançando a cabeça.
— Camille! Camille! Dessa vez nem a sua amnésia vai te salvar da ira de Daniel. Sério, ele devia abrir um consultório! Ou virar coach espiritual! Eu, hein... tô chocada ainda com o sermão da alma perdida! — disse, rindo com escárnio.
Liana não conseguiu conter a risada, uma daquelas risadas que parecem limpar a alma. Talvez fosse o choque, talvez o alívio... ou talvez fosse o modo como Samira fazia o quarto parecer menos uma prisão e mais um reencontro.
— Quem é você? — perguntou Liana, ainda desconcertada.
Samira se aproximou da cama com doçura e segurou a mão dela, sorrindo como uma velha amiga.
— Sou Samira. Sua amiga. E eu vim ver como está a minha querida Camille... até que gosto de você sem lembranças... Assim podemos reconstruir nossa amizade do zero. Quem sabe seja esse o verdadeiro recomeço — disse Samira, apertando de leve a mão de Liana, como se dissesse: estou aqui, por você, com você.
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Atualizado até capítulo 38
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